Decisão do Ministro Eros Grau sobre o pagamento de
dívida de ICM com precatórios alimentares
DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário o
reconhecimento do direito à utilização de precatório,
cedido por terceiro e oriundo de autarquia
previdenciária do Estado-membro, para pagamento de
tributos estaduais à Fazenda Pública.
2.
O acordão recorrido entendeu não ser possível a
compensação por não se confundirem o credor do débito
fiscal --- Estado do Rio Grande do Sul --- e o devedor
do crédito oponível ---a autarquia previdenciária.
3.
O fato de o devedor ser diverso do credor não é
relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do
mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a
Constituição do Brasil não impôs limitações aos
institutos da cessão e da compensação e o poder
liberatório de precatórios para pagamento de tributo
resulta da própria lei [artigo 78, caput e § 2º, do ADCT
à CB/88].
4.
Esta Corte fixou jurisprudência na ADI n. 2851, Pleno,
Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 3.12.04, no
sentido de que:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE
CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE
PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido
pela EC 30, de 2002.
I.
- Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado
de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito
tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente
de precatório judicial pendente de pagamento, no limite
das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF,
introduzido pela EC 30, de 2000.
II. - ADI julgada improcedente.”
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento
no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege.
Sem honorários.
Publique-se.
Brasília, 28 de agosto de 2007.
Ministro Eros Grau
-
Relator –
Fonte: D.O.U., de 19/09/2007, publicado em Diário da
Justiça
Repercussão Geral não é solução digna para salvar STF
por Márcio Vinicius J. de Lima
Muito se tem discutido ao longo dos anos a respeito do
papel do STF em nosso sistema jurídico, ou seja, até
onde deve a Corte Suprema intervir no tocante aos feitos
judiciais, julgando tais causas em sede de Recurso
Extraordinário.
Os
doutrinadores de plantão costumam preceituar que a Corte
Suprema deve se preocupar somente com as causas de
grande vulto, o que o legislador preferiu denominar de
"repercussão geral", prevista na Constituição Federal,
no artigo 102, paragrafo 3º, assim, somente aquelas
causas que repercutam no seio da sociedade é que podem
ser julgadas em Recurso Extraordinário.
Mas será que deve ser assim?
Esclareço que a tese que aqui vou defender não encontra
óbice no citado artigo 102, parágrafo 3 º da Carta da
República, até por que, um dispositivo inserto na
Constituição Federal por meio de Emenda Constitucional
pode ser tido como Inconstitucional se desrespeitar as
denominadas cláusulas pétreas, previstas no artigo 60,
parágrafo 4º da Constituição Federal.
Vou tecer meus argumentos sobre o tema para após
justificá-los à luz do regramento constitucional em
vigor.
A
meu ver o Supremo Tribunal Federal deve desempenhar seu
papel de julgador exatamente da forma como posta na
Constituição Federal quando esta entrou em vigor em
outubro de 1988, ou seja, analisando as situações
enquadradas no artigo 102 da Lei maior, sem a
preocupação de saber da tal "repercussão geral".
O
seu papel é o de ser o guardião da Constituição Federal,
sem distinguir dos efeitos de sua decisão para a
sociedade como um todo, mas sim se preocupando com a
preservação da Lei maior face a cada caso concreto, por
mais humilde que seja.
Na
verdade, o cidadão, o jurisdicionado está sendo engolido
pelo que resolveram chamar de "repercussão geral",
esquecendo-se que a tal repercussão é voltada para um
todo abstrato, o tal interesse da sociedade,
esquecendo-se o legislador e os doutrinadores que o
cidadão é originariamente o detentor de direitos e
obrigações, e para ele principalmente é voltada a
Constituição Federal.
Em
bom português, o Supremo Tribunal Federal deve analisar
qualquer situação que diga respeito à Constituição
Federal, seja um caso mais simples, seja aquele caso que
tem a tal da repercussão geral, se é que juridicamente
faz sentido existir o conceito de "repercussão geral".
O
direito ao julgamento no STF, nas hipóteses do artigo
102 da Constituição Federal é um direito de cada cidadão
preservado a luz do artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV
da Constituição Federal, ou seja, a Constituição Federal
em sua origem disse que qualquer matéria que se
enquadrasse nas hipóteses do artigo 102 deveria ser
analisada pelo Supremo Tribunal Federal.
A
repercussão geral vem de encontro ao argumento daqueles
que defendem que o Supremo Tribunal Federal deve ser um
órgão julgador à semelhança da Corte Suprema Americana,
julgando poucos casos, de grande repercussão,
anualmente.
Entendo que havendo uma Constituição Federal detalhista
como a nossa, embora contenha matérias que sim dizem
respeito à federação e outras que poderiam estar
relegadas a norma infra — constitucional, é natural que
muitos processos deságüem na Corte Suprema, pois, esta
foi uma escolha do Poder Constituinte Originário e assim
deve ser.
Agora, inventar a "repercussão geral" para desafogar o
Supremo Tribunal Federal é afrontar cláusula pétrea
prevista no artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV da
Constituição Federal.
Quero dizer que a Constituição Federal ao entrar em
vigor em outubro de 1988 assegurou a todo e qualquer
cidadão que o Supremo Tribunal Federal teria aquela
competência prevista no artigo 102 da Constituição
Federal, não podendo tal regra ser alterada para
restringir o acesso à Corte Maior, na vigência da mesma
ordem Constitucional, mesmo tendo em vista casos
futuros.
Cada Tribunal tem o seu papel em nosso ordenamento
jurídico, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça dá
a última palavra em termos de Lei Federal e o Supremo
Tribunal Federal em termos de Constituição Federal,
devendo ser assim, em qualquer caso concreto (sem a
repercussão geral) e nas ações de preservação da
autoridade da Lei maior.
Entendo que o artigo 102, parágrafo 3º da Constituição
Federal é uma tentativa de "globalizar" o Ordenamento
Jurídico, afastando o cidadão de obter uma tutela da
Corte Suprema, sob o argumento de que no Supremo
Tribunal deve reinar a "repercussão geral", sem a qual o
recurso extraordinário não pode vingar.
Meu artigo deve contrariar o pensamento daqueles que
pretendem ver o STF desafogado, mas digo que a criação
desse novo pressuposto recursal não é a solução mais
digna e adequada para salvar a Corte Suprema da
avalanche de feitos judiciais.
Na
verdade, a solução não reside na criação da "repercussão
geral" mas sim na reestruturação do Poder Judiciário
Brasileiro, inclusive, com a digitalização do processo,
agilizando-se o trâmite do feito, bem como, na
conscientização de certos setores da sociedade quanto a
se evitar recorrer em temas já pacificados na
jurisprudência dos Tribunais.
Ao
invés de uma solução adequada, buscou-se uma maneira de
desumanizar o Supremo Tribunal Federal, pois, a
repercussão geral é a vitória do abstrato sobre a
sensibilidade estampada em casa capa de processo.
Assim, vejo como inconstitucional o artigo 102,
parágrafo 3º da Constituição Federal por afronta ao
artigo 60, parágrafo 4, inciso IV da Constituição
Federal, terminando por citar o ilustre advogado Luis
Roberto Barroso quando este disse certa vez que “o tempo
não está para improvisos”.
Fonte: Conjur, de 20/09/2007
Suspensos dispositivos de lei paranaense que concede
benefícios fiscais
O
Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade,
concedeu pedido de liminar feito pelo governador do
estado do Amazonas, Eduardo Braga, na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 3936. Nela, são contestados
dispositivos de norma paranaense que, conforme o
governador, acirram a guerra fiscal entre os estados e
criam vantagens tributárias (ICMS) inconstitucionais
para produtos da indústria de processamento eletrônico
de dados do Paraná em detrimento dos similares
fabricados na Zona Franca de Manaus.
Com a decisão, ficam suspensos o artigo 2º da Lei
paranense 10.689/93 e incisos do artigo 50 do
Regulamento do ICMS (RICMS) do estado do Paraná (Decreto
Estadual nº 5.141/2001), acrescentados pelo Decreto
estadual nº 986/07.
O
requerente afirma que o estabelecimento de alíquotas
diferenciadas em razão do local da industrialização dos
produtos e das características do contribuinte viola o
artigo 152 da Constituição Federal. Este dispositivo
dispõe que é vedado aos estados, ao Distrito Federal e
aos municípios estabelecer diferença tributária entre
bens e serviços de qualquer natureza em razão de sua
procedência ou destino.
De
acordo com o governador do Amazonas a legislação
paranaense é uma contra-ofensiva a benefícios
tributários concedidos pelo governo de São Paulo.
Recorda que, em dezembro passado, o governo paulista
mudou a resolução que tributava os produtos de
informática, automação e telecomunicações com 12% de
ICMS nas operações internas.
Como conseqüência, monitores de vídeo fabricados na Zona
Franca de Manaus sob o regime da Lei nº 8.387 (dispõe
sobre a Zona Franca de Manaus) sofreram tributação de
18% nas operações internas em São Paulo. Ressalta,
ainda, que os produtos fabricados em São Paulo ou em
outras localidades do território nacional ao abrigo da
Lei federal 8.248/91 (dispõe sobre a capacitação e
competitividade do setor de informática e automação e dá
outras providências) são tributados, nas mesmas
operações internas, pela alíquota de 7%.
Além disso, a lei paulista faculta ao contribuinte, para
compensação, em substituição ao crédito do ICMS cobrado
nas operações anteriores, relativamente às mercadorias
entradas, real ou simbolicamente, em seu
estabelecimento, valer-se de importância resultante da
aplicação de percentagem fixa. Como o crédito foi fixado
também em 7%, equivalente à aplicação de 7% do tributo,
o fabricante paulista de produtos de processamento
eletrônico foi beneficiado com a ausência de débito
final de ICMS.
No
mesmo sentido, o governo paulista introduziu em favor
dos fabricantes de produtos de informática, entre os
quais monitores de vídeos e telefones celulares, um
crédito fiscal-financeiro de 4,5% sobre o valor da
operação da saída, em relação às operações de exportação
para exterior, sobre as quais não incide ICMS.
Essa legislação levou indústrias instaladas na Zona
Franca de Manaus a se prepararem para migrar para São
Paulo ou, pelo menos, a distribuir a produção entre os
dois Estados, segundo alega o governo amazonense.
Governador na sessão
Presente ao julgamento da ação, o governador do estado
do Amazonas, Eduardo Braga, afirmou que a ADI 3936
pretende que o Supremo possa dirimir uma questão
tributária “que desequilibra o pacto federativo entre
dois estados ricos e um pobre, como o estado do
Amazonas, no que diz respeito à geração de emprego e
renda para os trabalhadores”. Segundo ele, os
amazonenses já foram vítimas de 17 mil vagas a menos na
indústria de eletroeletrônicos, fruto de ações de guerra
fiscal como esta e outras que o estado de São Paulo tem
adotado contra o Amazonas e deverão ser julgadas nos
próximos dias.
“O
Supremo representa essa casa de esperança para os
estados mais pobres, para os estados que dependem dessa
decisão para poder reequilibrar o pacto federativo”,
declarou o governador no intervalo da sessão plenária.
Voto do relator
“Parecem-me bastante plausíveis as alegações do
requerente de que o estado do Paraná, diante da reedição
– pelo estado de São Paulo – das normas impugnadas tenha
se valido do Decreto estadual 986 para, em contra-ponto
à legislação fiscal paulista, criar seus próprios
benefícios e incentivos fiscais”, disse o relator da
matéria, ministro Gilmar Mendes.
Segundo ele, o caso em questão ainda é peculiar, pois é
possível perceber que a atitude do estado do Paraná em
relação à legislação do estado de São Paulo, estaria
legitimada pelo artigo 2º da Lei estadual 10.689. O
ministro afirmou que esse dispositivo da lei estadual
“traduz, em verdade, uma permissão legal para que o
estado do Paraná, por meio do seu Poder Executivo, se
defenda da guerra fiscal, repelida amplamente pela
jurisprudência do Supremo”.
Gilmar Mendes entendeu que está configurado, nesse juízo
liminar, a possível afronta ao que prescreve o artigo
155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea “g”, da
Constituição Federal. Ressalta também violação ao artigo
155, parágrafo 2º, incisos IV, V e VI da Constituição.
“Esta ação direta de inconstitucionalidade, como se viu,
inaugura uma nova série no contexto dessa chamada guerra
fiscal que está a reclamar uma solução no plano
legislativo constitucional”, salientou o relator.
Assim, o ministro Gilmar Mendes deferiu a medida
cautelar no sentido de suspender a vigência das normas
contidas no artigo 2º da Lei 10.689/93 e nos incisos
XXXII e XXXIII e parágrafos 36, 37 e 38 do artigo 50 do
Regulamento do ICMS do estado do Paraná, acrescentados
pelo Decreto estadual 986/07, sendo acompanhado pelos
demais ministros da Corte.
Fonte: STF, de 19/09/2007