ANAPE
parabeniza APESP por iniciativas em prol da PEC 210
Após
as reuniões com parlamentares na semana passada com a ANAPE e
Presidentes das Associações Estaduais (O Conselho Deliberativo da
ANAPE é formado pelos Presidentes das Associações Estaduais), foram
traçadas metas para atuação parlamentar, tendo com prioridade
imediata a PEC 210 (que trata dos quinquênios), a PEC 82 (autonomia
plena das PGEs) e a Emenda 40 na PEC 348 (autonomia financeira das
PGEs).
O
Presidente da ANAPE conversou com os Presidentes Estaduais e TODOS
apoiarão a iniciativa da APESP de ter deixado em Brasília seu assessor
de imprensa acompanhando a instalação da Comissão da PEC 210. A APESP
também sugeriu que a emenda na PEC fosse apresentada pelo deputado
Arnaldo Faria de Sá de São Paulo, o que foi aceito pela ANAPE, que a
apoiará e pedirá o apoio de todos os Estados no trâmite da proposta.
A
ANAPE aproveita novamente para parabenizar o Presidente da APESP por sua
iniciativa e atuará no sentido de viabilizar a Emenda com a bancada de
todo o Brasil. Os demais parlamentares que iam apresentar a proposta
deverão apoiá-la.
Fonte:
site da Anape, de 16/05/2009
Anape
sai em defesa do quinto constitucional
Depois
da troca de farpas entre a OAB nacional e a AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros), na última sexta-feira (15/5), por causa o
quinto constitucional, a Anape (Associação Nacional dos Procuradores
do Estado) resolveu manifestar o seu apoio aos advogados.
O
presidente da associação, Ronald Bicca, fora questionado sobre as
declarações do presidente da OAB, Cezar Britto, em relação ao
quinto. Para Bicca, o quinto constitucional é garantia de participação
da sociedade civil no Poder Judiciário. “O Legislativo é eleito pelo
povo, o Executivo da mesma forma e, por isso, o Judiciário deve ser
aberto a alguma forma de participação da sociedade”, disse o
presidente da Anape.
A
discussão pela imprensa entre AMB e OAB começou no início do mês,
quando a associação dos magistrados organizou evento sobre a nomeação
de magistrados pelo Executivo. No seminário, o presidente da AMB,
Mozart Valares, defendeu o fim do quinto e chamou a OAB de
corporativista Desde então, entidades dos magistrados e advogados vêm
trocando alfinetadas em público. (Clique aqui para ler mais sobre o
assunto).
Mozart
Valares disse também que a OAB “diminuiu o nível” da discussão
sobre o fim do quinto constitucional ao usar o nome do ministro afastado
do Superior Tribunal de Justiça Paulo Medina. Mozart Valadares disse
que Britto tentou “desviar o foco” da discussão.
Cezar
Britto havia usado o nome de Medina em uma resposta à AMB, como forma
de defender o quinto constitucional e exemplificar que não é a origem
do magistrado que mostra a qualidade e honestidade do seu trabalho. E na
sexta, o presidente da AMB voltou a criticar as nomeações do quinto.
“A composição dos tribunais deve ser conduzida de maneira
transparente e democrática, sem interferências político-partidárias”,
disse Valadares em nota publicada na sexta-feira.
A
resposta da Ordem veio em nota também, assinada por Cezar Britto, que
chamou a AMB de corporativista. "Ao reconhecer em nota pública a
qualidade técnica dos integrantes dos tribunais, a Associação dos
Magistrados Brasileiros revela o seu real interesse corporativo da extinção
do quinto constitucional”, dizia a nota. “Quer, na verdade, mais
vagas nos tribunais para agradar a sua base eleitoral.”
Fonte:
Conjur, de 17/05/2009
"O
direito penal reprime, o processo penal liberta"
O
Estado não pode abrir mão das interceptações telefônicas, mas elas
só devem ser usadas em casos de crimes específicos e quando outras
provas já foram colhidas. Suas transcrições devem ser feitas por técnicos
treinados, e entregues na íntegra tanto à acusação quanto à defesa
dos acusados, com antecedência que permita a ambas as partes escolherem
trechos para suas alegações. Os limites que você acaba de ler não
estão completamente previstos na legislação brasileira atual, mas
deveriam estar, pelo menos na opinião de uma das mais respeitadas
processualistas do Brasil dentro e fora do país, a professora Ada
Pellegrini Grinover, titular da cadeira de Direito Processual da
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Comprometida com
estudos sobre o tema há quase 30 anos, quando começou a elaborar
anteprojetos que deram origem à atual Lei de Interceptações — a Lei
9.296/96 —, a especialista vê no abuso do uso de escutas uma
mediocridade da polícia e do Ministério Público.
Em
entrevista à Consultor Jurídico, Ada destacou falhas crônicas do uso
de grampos. Uma delas está na disparidade de acesso entre advogados e
promotores às provas colhidas. "Após anos de gravações, os órgãos
policiais fazem a transcrição e escolhem os textos que interessam.
Eles recolhem esse material aos poucos, mas a defesa tem que examinar em
30 dias", aponta. Segundo ela, técnicas mais modernas de investigação
— como a italiana — já permitem que as gravações sejam ouvidas
pelos dois lados e pelos juízes, e que cada um pode escolher os trechos
que mais interessam.
Parte
do problema pode estar, na opinião da professora, na formação dos
operadores do Direito. "Há cursos de Direito Penal, de Direito
Processual Penal, que são municiosos de garantias, mas há outros em
que o Processo Penal é o do inimigo", diz. Em relação aos juízes,
isso pode resultar em uma mentalidade acusatória, principalmente por
causa de pressão da sociedade. "Nenhum juiz é neutro, nem deve
ser neutro. O juiz naturalmente traz consigo sua cultura, sua formação,
seus elementos de convicção", explica. Por isso, a ponderação
seria o remédio sem contra-indicações.
O
excesso de litigância e a falta de juízes são os principais
causadores da crise no Judiciário, na sua opinião. Ela defende que,
para diminuir a demora na tramitação dos processos, os cartórios
judiciais precisam ser coordenados por administradores, com formação
estratégica voltada para a organização, e não pelos magistrados.
"Na Alemanha e na Espanha, quem administra o cartório é um
administrador judicial, não o juiz. O juiz não tem tempo nem aptidão
para fazer funcionar o cartório", afirma.
Ada
elogia a iniciativa do Supremo em ocupar os espaços deixados pelos
Poderes Legislativo e Executivo, e afirma que a Justiça tem sim como
obrigar o poder público a cumprir suas decisões. Ela também comenta
sobre a criação da Lei de Ações Civis Públicas e os esforços para
permitir um maior número de legitimados a ajuizar ações desse tipo.
O
conhecimento da professora foi imprescindível na elaboração de
diversos projetos de lei que fizeram mudanças importantes no Direito
nacional e internacional. Além das discussões que culminaram com a Lei
de Interceptações Telefônicas, Ada participou da elaboração do Código
de Defesa do Consumidor, da Lei de Ações Civis Públicas, do Código
de Modelo de Processos Coletivos do Instituto Ibero-Americano de Direito
Processual e das leis que recentemente reformaram o Código de Processo
Penal, entre tantos outros.
Nascida
em 1933 em Nápoles, na Itália, a procuradora aposentada do Estado de São
Paulo chegou ao Brasil em 1951. Ela é autora de mais de duas dezenas de
livros jurídicos. É doutora honoris causa pela Universidade de Milão,
na Itália e ocupa a 9º cadeira da Academia Paulista de Direito. É
presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual e
vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.
Mas
não é só pelas leis que ajudou a fazer que o nome de Ada é lembrado
nos tribunais. Em uma ação de indenização por danos morais, ela
protagoniza uma queda de braço com outro ilustre processualista
brasileiro, Antonio Gidi, professor assistente da University of Houston
Law Center, que já deu aulas em universidades da Itália e da França.
Ada
entrou com a ação contra o professor porque Gidi escreveu, em livro
lançado no ano passado, que seu nome foi excluído da autoria do Código
de Modelo de Processos Coletivos do Instituto Ibero-Americano de Direito
Processual, elaborado por ele, Ada e Kazuo Watanabe. No livro Rumo a um
Código de Processo Civil Coletivo — a codificação das ações
coletivas no Brasil, o professor fez críticas a um projeto elaborado
por um grupo comandado por Ada. Ele disse que o texto é tímido perto
do anteprojeto original, do qual participou da criação. Em janeiro, o
juiz César Santos Peixoto rejeitou o pedido de indenização.
A professora já recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo.
Leia
a entrevista:
ConJur
— O projeto de lei que cria novas regras para as interceptações
telefônicas, de sua autoria, ainda
tramita no Congresso. Como a professora vê o uso de escutas hoje?
Ada
Pellegrini Grinover — A tese se baseia em um trabalho que começou em
1980. Naquela época ainda não havia uma legislação brasileira sobre
as interceptações telefônicas. Então, fiz um estudo de Direito
Comparado e de Direito brasileiro, mostrando que as interceptações
telefônicas são um poderoso meio de investigação. O Estado não pode
abrir mão delas, mas precisa usar com equilíbrio. Esse recurso só
deve ser usado em casos extraordinários, quando não houver
possibilidade de investigação por outros meios, não podem
violar as garantias de intimidade do suspeito e das pessoas que
conversam com ele. Esse recurso só deve ser usado quando não houver
nenhuma outra possibilidade de investigações por outros meios, e
sempre com as cautelas que garantam a intimidade e a liberdade. É um
contraste entre dois valores, mas o abuso nas interceptações revela
mediocidade na busca de provas, a verdade seja dita.
ConJur
— O projeto atual prevê essas limitações?
Ada
Pellegrini Grinover — Desde que foi apresentado, na década de 1980, o
projeto foi completamente desvirtuado. A lei que veio em seguida [a Lei
9.296/96], decorrente da proposta, não observou o princípio da
proporcionalidade, essa necessidade de equilíbrio e de preponderância
de um bem em relação ao outro. A lei possibilita interceptações
telefônicas para qualquer crime. Não relaciona um rol dos crimes mais
graves, para os quais seria usada a interceptação. Também não
garante suficientemente o direito de defesa depois de feitas as
interceptações. Em 1990, foi constituída uma comissão pelo Ministério
da Justiça, que eu coordenei, e nós apresentamos um novo projeto de
lei que garante o rigor dessas coisas. Esse projeto ficou parado lá até
que o Ministério da Justiça apresentou outro projeto, que está agora
na ponta da fila. É melhor
que a lei atual, mas ainda contempla muita carência: não tem o rol de
crimes estratégicos em que as escutas podem ser usadas e determina um
prazo de 180 dias para as interceptações, prorrogáveis por mais 180,
o que é muita coisa. Isso implica uma interferência brutal na
atividade das pessoas, não só para o investigado, mas também para as
pessoas que se comunicam com ele. A proposta também não prevê a
possibilidade de a defesa ou o Ministério Público escutarem juntos as
gravações. Enfim, melhora um pouco a lei, mas não é ainda o ideal.
ConJur
— E o que a professora fez a respeito?
Ada
Pellegrini Grinover — Eu apresentei uma proposta de substitutivo da
lei, primeiro ao deputado Michel Temer (PMDB-SP), quando ele ainda não
era presidente da Câmara dos Deputados, e depois apresentei essa
proposta à CPI dos grampos telefônicos. Os deputados da CPI disseram
que fariam uma revisão desse projeto de lei. Eu tenho alguns
indicadores dessa revisão, e ainda acho que não é a ideal.
ConJur
— Por que?
Ada
Pellegrini Grinover — A interceptação é feita exclusivamente por órgãos
policiais, que fazem a transcrição e escolhem os textos que
interessam. Os advogados têm pouco tempo para examinar horas, dias,
meses, até anos de interceptações. Evidentemente, a defesa fica
completamente limitada. A polícia e o Ministério Público ouvem a
investigação e destacam os trechos que interessam, isso depois de anos
de gravações. Eles recolhem esse material aos poucos, mas a defesa tem
que examinar em 30 dias. Há uma disparidade de armas enorme. As ordens
judiciais também são muito vagas, não mostram os indícios que
justificam a medida, Também não são temporalmente limitadas, porque
se entende que o prazo máximo de 15 dias para uma escuta pode ser
renovado quantas vezes for necessário. Na prorrogação, muitas vezes o
juiz não diz por quê o procedimento tem que continuar. Técnicas de
investigação mais modernas, como a italiana, permitem que as gravações
sejam ouvidas pelas partes - Ministério Público e defensor -, e cada
um escolhe e transcreve os trechos que interessam. O juiz, que também
tem acesso, pode
complementar se quiser. Há efetivamente uma paridade de armas.
ConJur
— Em que pontos a lei pode melhorar?
Ada
Pellegrini Grinover — Há vários vícios na lei. Não há controle
sobre a forma de interpretar, sobre a maneira de interceptar. Há muitas
montagens, e as perícias são muito raras. Os peritos deste campo
sempre se queixam por não terem possibilidade de atuar como deveriam.
Mas também há desrespeito à norma. Os juízes autorizam interceptação
mesmo que não tenham sido tentados outros meio de investigação. A polícia
já começa a investigação pela interceptação. Primeiro se
intercepta, e depois se complementa com prova.
ConJur
— O acesso dos advogados aos inquéritos dos acusados, julgado possível
pelo Supremo Tribunal Federal, ajuda a sanar o problema?
Ada
Pellegrini Grinover — Não sana, porque a polícia diz que está
continuando as interceptações que, naturalmente, são sigilosas
enquanto estão sendo feitas. No inquérito, não constam esses
elementos, que só aparecem depois, quando as operações técnicas estão
terminadas. Aí já é muito tarde, porque o advogado já é
surpreendido com gravações que foram feitas pela polícia. E o pior é
que não é nem a polícia técnica, mas sim qualquer policial que não
é “expert” no assunto. Há um cerceamento de defesa. O acesso ao
inquérito não funciona completamente.
ConJur
— A que se deve esse exagero no uso das interceptações?
Ada
Pellegrini Grinover — Uma das razões é o abuso da própria imprensa.
Porque as interceptações são sigilosas e esse sigilo deve ser
observado inclusive pela imprensa. É frequente colhermos nos jornais
trechos de conversas de que os advogados ainda nem tiveram conhecimento.
O público acaba tomando conhecimento de dados que foram colhidos
exclusivamente pela acusação, e não daquilo que a defesa poderia
dizer. O jornalista também tem uma responsabilidade. O direito à
informação não pode superar o direito ao sigilo, que é previsto em
lei para as interceptações. Quem tem o interesse em divulgar esses
dados certamente não é a defesa, mas a acusação. Aí há também um
problema funcional do Ministério Público e da polícia, que transmitem
esses dados sigilosos para a imprensa. Há abuso do juiz com a concessão
ilimitada de ordens de interceptações — que a lei não permite. E há
abuso da polícia, que faz o que quer com esses elementos — o que, no
caso das interpretações e degravações, a lei não impede. Mas ninguém
se preocupa com isso, nem o juiz.
ConJur
— A lei poderia corrigir as distorções?
Ada
Pellegrini Grinover — Não é problema da lei, é problema do juiz. O
Ministério Público e a polícia exorbitam, mas têm apoio na lei e na
interpretação de que as interceptações podem durar indefinidamente.
Essa interpretação da lei é errônea, já que é possível perceber
que ela prevê um período de 15 dias, prorrogáveis por mais 15, salvo
nos casos de crimes continuados. O Ministério Público também tem sua
responsabilidade, porque certamente é ele quem alimenta esse
procedimento, e a defesa fica completamente desarmada.
ConJur
— O que a professora acha da afirmação do presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, de que existem consórcios
formados por juízes, promotores e policiais, no intuito de condenar
suspeitos sem julgamento imparcial?
Ada
Pellegrini Grinover — Eu acredito nisso. Muitos juízes hoje,
evidentemente, vestem a camisa da acusação. Muitas sentenças
demonstram exatamente um perfil policialesco. Nenhum juiz é neutro, nem
deve ser neutro. O juiz naturalmente traz consigo sua cultura, sua formação,
seus elementos de convicção. Não diria que é um aparelho, mas
certamente há uma distorção nos órgão da acusação e dos juízes
na colheita dessas provas. E aí se tem que recorrer aos tribunais. A
imprensa e a opinião pública também adoram essa matéria, e um jornal
que recebe denúncias não vai sumir com essas informações.
ConJur
— Pode-se dizer que o chamado Direito Penal do inimigo, que não
observa o fato do crime, mas a personalidade do criminoso, tem ganhado
terreno nas decisões?
Ada
Pellegrini Grinover — Com certeza. É uma forte pressão sobre os juízes.
Se você perguntar ao povo, ele quer pena de morte, supressão de
garantias e processos sumários. Predomina a ideia de que alguém é
culpado só porque foi indiciado ou porque tem uma ação penal contra
si. As pessoas não entendem o princípio da presunção de inocência,
o direito ao silêncio, porque acreditam na máxima de que “quem não
deve não teme”. A nossa sociedade tem essa mentalidade, e o juiz faz
parte da sociedade. Eu não devo, mas temo sim, nesse estado de coisas,
porque isso pode afetar a qualquer um de nós. Assim também pensam
muitos especialistas. Há cursos de Direito Penal, de Direito Processual
Penal, que são municiosos de garantias, mas há outros em que o
processo penal é o do inimigo. Aí cabe ao juiz escolher de que lado
ele vai ficar.
ConJur
— A existência de varas especializadas em crimes financeiros propicia
uma pressão ainda maior, por julgar crimes de colarinho branco, em que
os acusados são demonizados?
Ada
Pellegrini Grinover — A vara especializada não é um problema em si,
mas quem o tribunal manda para lá. Eu não acredito que não haja juízes
imparciais. O importante é escolher bem os juízes para essas varas, o
que é função do tribunal. A especialização é sempre interessante,
mas tem de ser da matéria e não do espírito do juiz. Um juiz linha
dura vai para lá? Não. Tem de haver uma seleção, o tribunal tem de
ser mais criterioso.
ConJur
— Os argumentos usados pelo Ministério Público para defender seu
poder investigatório, estão de acordo com a melhor interpretação da
Constituição?
Ada
Pellegrini Grinover — Seria o ideal, mas não é. A Constituição não
prevê isso. Todo mundo pode investigar, eu, você, uma associação.
Mas isso não pode servir como elemento equiparável ao inquérito
policial. Tem de haver uma lei para isso. Eu defendo a participação do
Ministério Público na investigação criminal, como acontece em todas
as legislações modernas. Quem investiga é o Ministério Público, que
se serve da polícia para a instrumentalização definitiva. Mas a nossa
Constituição diz que o inquérito policial é privativo da policia.
Então, existem muitas teorias sobre quem colheu mais provas, e se o MP
pode acusar, porque não pode investigar. Temos de chegar a uma posição
de equilíbrio, e as instituições devem se juntar. A nossa proposta de
inquérito policial contemplava uma grande co-participação entre a polícia
e o Ministério Público. Não pode haver uma investigação do Ministério
Público e outra da polícia, porque isso seria um bifrontalismo da
acusação, deixando a defesa isolada. Tem de haver uma integração. O
Ministério Público exerce constitucionalmente o controle externo da
polícia, e isso significa uma integração de forças. Mas para que o
Ministério Público investigue como pretende, isoladamente e com um
poder paralelo, deve existir uma lei.
ConJur
— Seria necessária uma emenda constitucional?
Ada
Pellegrini Grinover — Não. Basta que uma lei estabeleça isso. Mas o
Ministério Público não poderia escolher os casos em que atuaria, como
ele faz. Ele quer investigar os casos de repercussão, que estão sob os
holofotes, que chegam à imprensa. A lei deveria dar ao MP a atribuição
de investigar determinada matéria e ele teria de fazer em todos os
casos, sem selecionar. Esse é um princípio de igualdade. Em segundo
lugar, tem de haver um regramento dessa atividade, assim como existe
regramento para a polícia. O ideal seria que as duas instituições
começassem a se entender melhor para fazer um trabalho conjunto,
apontando cada qual a sua experiência em todos os casos. O MP alega que
não tem estrutura, por isso tem de escolher os casos, mas isso fere a
igualdade. As duas instituições não conversam, não colaboram, cada
uma quer o seu monopólio.
ConJur
— A professora já colaborou em inúmeros projetos de lei para mudanças
processuais. Experiências recentes, como da criação da tutela
antecipada, não resolveram a crise do Judiciário, já que a tutela não
reduziu o número de processos e aumentou a quantidade de agravos de
instrumentos. Existe alguma solução por essa via?
Ada
Pellegrini Grinover — A solução legislativa não é mais o caminho.
As nossas leis processuais são muito boas, mas quando se abre um
gargalo, fecha-se outro. A proliferação de agravos é uma maldição,
consequência direta da tutela antecipada. A lei não pode fazer mais do
que isso. Reformas na lei brasileira, tanto no processo civil como no
processo penal, que agora é pauta no Congresso Nacional, estão no
caminho certo. Mas o problema da Justiça é o excesso de litigância.
Os planos econômicos, os problemas tributários e até mesmo uma
Constituição muito mal feita levam a uma litigiosidade grande no
Brasil. Esse é o problema externo, que aumenta por causa do aumento do
acesso à Justiça. Por outro lado, há problemas internos funcionais,
de disfunção do Poder Judiciário, de organização judiciária, de
baixo número dos juízes. Também há problemas de mentalidade dos
operadores do Direito, que resistem às mudanças, tanto na parte da
judicatura como na parte do exercício de defesa e acusação. É um
conjunto de fatores de que a lei, sozinha, não consegue dar conta. Ela
pode indicar um caminho, mas não adapta.
ConJur
— Quais as mudanças mais urgentes?
Ada
Pellegrini Grinover — A administração dos processos. O tempo morto
em que o processo fica parado no cartório alonga demasiadamente a
tramitação. Quem gere o cartório é o juiz, que não é a pessoa mais
indicada para a gestão de um cartório. Nós estamos começando uma
pesquisa no Cebepej [Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais]
para verificar o tempo morto durante as fases dos processos. Depois que
fizermos esse levantamento, vamos submetê-lo a um estudo
interdisciplinar, com participação de setores públicos,
administradores, sociólogos e profissionais do Direito. Já há
exemplos de soluções para isso. Na Alemanha e na Espanha, quem
administra o cartório é um administrador judicial, não o juiz. O juiz
não tem tempo nem aptidão para fazer funcionar o cartório, salvo
raras exceções.
ConJur
— Isso seria corrigido com uma lei processual?
Ada
Pellegrini Grinover — Bastaria uma nova lei que definisse quem
administra o cartório. Não tem nada a ver com código, é
procedimento. É uma questão de prática, uma questão pragmática de
fluxo dos procedimentos, de roteiros, de rotinas. Por que não criar um
cargo de administrador de cartório?
ConJur
— Recursos eletrônicos como a videoconferência fazem parte da solução?
Ada
Pellegrini Grinover — Nós temos uma ótima lei de processo eletrônico,
tanto para o Processo Civil como para o Processo Penal. Mas a implementação
é difícil. O advogado não se acostuma, o cartório não se acostuma,
o juiz não se acostuma. Algumas experiências de processos sem papel na
Justiça Federal e em Juizados Especiais têm dado certo, mas vai levar
pelo menos dez anos para se chegar a uma mudança concreta. A saída
mais plausível é termos mais juízes.
ConJur
— O professor Kazuo Watanabe propõe que, caso a parte perdedora não
conteste uma decisão interlocutória dada no processo, a causa termine
ali mesmo, sem julgamento de mérito. Isso atenuaria a crise?
Ada
Pellegrini Grinover — Esse é o nosso projeto de estabilização da
sociedade vertical. O ônus, na tutela antecipada, é da parte
prejudicada. A ideia é possibilitar a tutela em um procedimento autônomo
prévio, um processo em que só se pede a tutela. Então, se ela for
deferida no curso do processo, cabe ao prejudicado — ou ao autor, caso
a tutela seja deferida parcialmente —, impugná-la e pedir o
prosseguimento do processo. Se ele se conformar, o processo se extingue,
a tutela antecipada se estabiliza e faz coisa julgada. A coisa julgada
fica vinculada a decisão antecipatória.
ConJur
— O Congresso costuma agir com rapidez somente quando surge uma situação
emergencial ou polêmica. Leis criadas dessa forma são efetivas?
Ada
Pellegrini Grinover — Não. Até porque são leis que cedem a pressões
momentâneas, e ninguém legisla bem sob pressão. Veja o que acontece
com as reformas do Processo Penal. As reformas do Processo Civil andaram
bem. Por quê? Porque aquilo dizia respeito, principalmente, a bens
patrimoniais. É claro que há também bens pessoais relevantes
protegidos pelo Processo Civil, mas ele é voltado para questões
patrimoniais, o que interessa a todos. Já o Processo Penal interessa a
quem? Naturalmente ao aparato estatal, mas também à liberdade, para a
qual o Congresso não está nem aí. Foi necessário que houvesse crimes
de colarinho branco para que se despertasse o interesse pela reforma do
Processo Penal. Então, o Processo Penal deveria ser o estatuto da
liberdade, garantidor, sigiloso, enquanto o Direito Penal faz o papel de
estatuto da repressão.
ConJur
— Há quem critique o fato de o Supremo legislar, como fez no caso da
proibição do uso de algemas pela polícia em alguns casos. Ele também
não agiu sob pressão?
Ada
Pellegrini Grinover — Há casos em que o uso de algemas é proibitivo.
Acusado algemado em juízo, por exemplo, é inadmissível. Eu me
recusei, no Tribunal do Júri, a defender um acusado algemado. Pedi que
o juiz determinasse a retirada das algemas, ou sairia do plenário. Se
perante os jurados aparece um sujeito algemado, já se impõe um
estigma, uma aparência de periculosidade, de temor, influencia
diretamente os jurados. Os jurados decidem imotivadamente, de maneira
que qualquer pressão psicológica é muito importante.
ConJur
— Mas a regra não deveria vir do Legislativo?
Ada
Pellegrini Grinover — O Supremo está ocupando um espaço do
Legislativo. É a lei da física, de que todo espaço deve ser ocupado
por um corpo. Nós estamos vivendo, no Brasil e no mundo inteiro, a
questão da judicialização da política. Isso acontece porque as
autoridades competentes, o Legislativo e o Executivo, não resolvem
problemas de políticas públicas. Até alguns anos atrás,
acreditava-se que o mérito do ato administrativo não pudesse ser
apreciado em via judicial. Com a Constituição de 1988, que fixou as
diretrizes fundamentais do Estado brasileiro — do Estado como um todo,
e portanto, o conjunto de funções legislativas, executivas e judiciárias
—, isso mudou. O Estado só é dividido para o exercício das funções,
e tem que buscar cumprir esses princípios fundamentais que estão
previstos no artigo 3º da Constituição. Se o Executivo trata políticas
públicas equivocadamente de maneira oficial, deve haver um controle do
Judiciário, que é um Poder de controle. Se a administração se omite,
o Judiciário, no controle dessas políticas publicas, traça uma política
pública no lugar do Executivo. Se tem de se construir uma escola —
esse é um dos bens fundamentais previstos na Constituição — e o
poder público não constrói, o Judiciário determina que no orçamento
futuro se preveja a construção. E deve controlar o cumprimento depois.
ConJur
— E como a Justiça pode obrigar o Executivo a cumprir o que ela
determinou?
Ada
Pellegrini Grinover — Nesse controle não há a inversão do princípio
da separação dos Poderes. O exercício das funções é reservado ao
Poder competente, mas se ele não exerce suas funções, ele está
desrespeitando a Constituição. Portanto, se trata de um controle da
constitucionalidade que pode ser exercido pelo Judiciário. Se a Justiça
determina que se reserve no próximo orçamento uma verba necessária
—, isso quando não é caso de urgência que dispense até previsão
em orçamento —, como nosso orçamento não é vinculante e as verbas
podem ser repostas, existe uma obrigação de fazer do administrador. A
Justiça pode até dar algumas diretrizes sobre a elaboração da obra
em questão, quando há omissão. Pode ser pedida ao Judiciário a revisão
ou a implementação de uma política pública tanto em ação coletiva
— uma Ação Civil Pública ou um Mandado de Segurança coletivo —,
como também em ações individuais, que muitas vezes têm efeitos
coletivos. Eu citei isso em um artigo que será publicado em um livro em
homenagem ao professor Watanabe, Estudos em Homenagem ao Professor Kazuo
Watanabe. [A ConJur publicou o artigo. Clique aqui para ler.]
ConJur
— É o que o Supremo está fazendo no caso dos tratamentos médicos não
acessíveis por meio do Sistema Único de Saúde, do governo federal?
Ada
Pellegrini Grinover — Esse é um caso de política pública
equivocada. A intervenção do Judiciário nas políticas públicas deve
observar três requisitos, que já foram assentados muito bem pelo próprio
Supremo Tribunal Federal. Primeiro, a razoabilidade do pedido, que pode
ser individual ou coletivo, e tem que ser desarrazoada a posição da
administração pública. O segundo requisito é a reserva orçamentária,
ou seja, o dinheiro tem que estar previsto no orçamento. Terceiro, que
seja efetivamente algo que diga respeito ao chamado "mínimo necessário".
Ou seja, o mínimo suficiente para garantir a dignidade humana. Isso
porque há pedidos que não são razoáveis, como requisições
individuais de tratamentos no exterior, e importação de remédios caríssimos
que a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária, do Ministério
da Saúde] nem liberou. Esses não são pedidos que atendam à
racionalidade de uma política pública de saúde, que deve dar o máximo
possível ao maior número de pessoas, e não têm previsão orçamentária.
ConJur
— Na sua opinião, esse tipo de decisão pode ser dada por juízes
individualmente ou tem de passar por um colegiado?
Ada
Pellegrini Grinover — O nosso juiz de primeira instância também é
juiz do controle da constitucionalidade por exceção, do controle
difuso da constitucionalidade. Então, no nosso sistema jurídico, o
juiz de primeira instância pode perfeitamente, com base na
inconstitucionalidade de uma política pública ou de uma omissão em
uma política pública — que também é uma omissão inconstitucional
—, determinar esse tipo de medida. E também é ele quem pode, em um
segundo processo de obrigação de fazer, acompanhar efetivamente o
cumprimento dessa decisão.
ConJur
— A professora também tem trabalhado para ampliar o rol de entidades
com legitimidade para ingressar com ações de interesses difusos. Como
andam essas proposições?
Ada
Pellegrini Grinover — A
Lei da Ação Civil Pública [Lei 7.347/85] é de 1985. Em 1990, fizemos
o Código de Defesa do Consumidor [Lei 8.078/90], complementando a parte
processual da Lei de Ação Civil Pública. Então, resolvemos fazer o Código
de Modelo de Processos Coletivos, do Instituto Ibero-Americano de
Direito Processual, para depois revermos nossa legislação. Trabalhei
por três anos com doutorandos da USP, discutindo o que deveria ser
mudado nos processo coletivos, e fizemos um anteprojeto do Código
Brasileiro de Processo Coletivo, apresentado ao Ministério da Justiça
entre 2007 e 2008, quando o ministro era Márcio Tomas Bastos. O projeto
ficou parado, até que a Secretaria da Reforma do Judiciário resolveu
reformá-lo. A proposta foi para a Casa Civil, onde as manifestações
da Fazenda e da Advocacia-Geral da União foram aceitas sem debate. Não
conseguimos incluir, por exemplo, a legitimação para pessoas físicas.
Agora, temos um monstrengo que já foi apresentado no Congresso
Nacional.
ConJur
— E quanto à possibilidade de a Defensoria Pública entrar com Ação
Civil Pública?
Ada
Pellegrini Grinover — A Defensoria já vinha ajuizando Ações Civis Públicas,
às vezes até em conjunto com o Ministério Público. A lei dá essa
legitimação. Paradoxalmente, agora o Ministério Público se insurge
com a possibilidade. Há membros do Ministério Público que concordam
com essa legitimação, mas a Associação Nacional dos Procuradores da
República (ANPR) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
contra a atribuição. Isso porque a titularidade da Ação Civil Pública
pela Defensoria cria um empecilho ao exercício da função pelo Ministério
Público. O que eles querem é exclusividade. Eu dei um parecer pro bono
em que sustentei a plena legitimação por duas razões. Em primeiro
lugar, quando a Constituição atribui a ela a representação dos
necessitados, isso não significa só os economicamente necessitados,
mas também os juridicamente necessitados, que são aqueles que estão
no quadro social em uma posição de vulnerabilidade, como acontece na
tutela dos interesses individuais e que, portanto, até por força da
interpretação dessa norma literal, podemos chegar à conclusão quanto
à legitimação no caso de interesses difusos. Em segundo lugar, a
Constituição estabelece apenas um mínimo que a Defensoria pode fazer,
a sua função precípua, sem prejuízo de outras funções que a lei
venha a atribuir.
Fonte:
Conjur, de 17/05/2009
Servidores
celetistas podem ter vínculo estatutário
Servidores
públicos celetistas, optantes ou não do FGTS, tem o mesmo direito de
estabilidade irrestrita dos servidores estatutários, desde a data da
publicação do artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais
transitórias (ADCT). Com este entendimento, o Tribunal de Justiça de São
Paulo negou recurso em que o Centro Educacional Paula Souza tentava
provar inexistência da relação jurídica estatutária com o servidor
Arlindo Garcia Filho, contratado em 1983.
Em
ação, o funcionário requeria direito à licença-prêmio por
acreditar na existência da relação jurídica estatuária entre ele e
a instituição pública. O Centro entrou com recurso negando a ação
com base no fato de que o autor foi contratado sem concurso público,
sob o regime da CLT e era optante do FGTS.
O
pedido foi negado pelo TJ. Segundo o relator, desembargador Soares Lima,
o objeto da discussão se prende ao reconhecimento do vínculo estatutário,
sendo que, ao ser contrato pelo regime da CLT, o autor do processo
adquiriu a estabilidade pelos termos do artigo 19 do ADCT, pertinente à
regra do artigo 41, da Constituição. O artigo em questão confere “o
direito de estabilidade irrestrita a todos os servidores públicos
celetistas, optantes ou não do regime do FGTS, estabelecendo como único
requisito contar na data da promulgação da Carta de 1988 com pelo
menos cinco anos de exercício continuado.”
Antes desta data, só eram considerados estatutários, os
servidores contratados por meio de concurso público.
Com
isso, qualquer servidor contratado em regime de CLT estável até
outubro de 1983 torna-se estatutário. O autor do processo foi defendido
pelo advogado José Eduardo Santana Leite.
Fonte:
Conjur, de 17/05/2009
Estado
de SP tem 6 milhões de pessoas em áreas irregulares
Uma
população equivalente à da cidade do Rio de Janeiro, de 6,2 milhões
de pessoas, vive em áreas não registradas legalmente no Estado de São
Paulo, que tem hoje 41,5 milhões de habitantes. São favelas,
loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, que não dão direito
a seus ocupantes de registrar nem vender o imóvel.
O
total deve ser maior, pois o levantamento da Secretaria da Habitação
incluiu até abril 166 dos 645 municípios. Essa população, de 1,47
milhão de famílias, está em 7.550 núcleos habitacionais, parte
formada há décadas em áreas de preservação ambiental, como margens
de rios, matas e morros e terrenos públicos e privados.
A
conta inclui tanto grupos em morros da serra do Mar, problema crônico
no litoral, como favelas à beira de rios e grandes obras, como
rodovias.
Há
casos em que o próprio Estado construiu sem respeitar a lei, como o da
Vila São José, em Cubatão, criada em 1985 com 400 casas para os
sobreviventes do incêndio que atingiu a Vila Socó e as famílias de áreas
de risco. Só agora as famílias estão recebendo escrituras.
Os
loteamentos irregulares trazem prejuízos ambientais -normalmente, estão
em áreas protegidas-, sociais -seus moradores vivem em condições precárias
e sem direito ao imóvel- e a prefeituras, já que não recolhem
impostos.
O
quadro da moradia irregular no Estado foi feito a partir de consultas às
prefeituras pela Secretaria da Habitação, com o objetivo de mensurar o
possível alcance do programa Cidade Legal, iniciado para facilitar a
regularização fundiária.
Em
março, com a Medida Provisória 459/09 -que, além de instituir o
programa Minha Casa Minha Vida, é o marco legal para a regularização
fundiária no plano federal-, a entrega de títulos ganhou mais impulso.
Mas
cabe às prefeituras, e não ao Estado, avaliar quem pode ter o lote
regularizado e quem deve deixá-lo -e tomar as providências para um
caso ou para o outro. Ao governo cabe dar orientação técnica e
treinamento às equipes municipais.
O
secretário-executivo da pasta, Silvio Figueiredo, prevê dificuldades
para parte das prefeituras, já que a regularização fundiária exige,
por exemplo, nova legislação municipal. "Em torno de 80% das
cidades não têm leis adequadas", afirma.
Para
o urbanista Edesio Fernandes, da Universidade de Londres, a
informalidade é resultado de uma somatória: a forma como organiza-se o
território urbano -sem áreas para a baixa renda-, a longa ausência de
políticas habitacionais federais e a falta de interesse do mercado em
relação aos pobres.
"A
regularização é uma política curativa, para dar conta de situações
consolidadas. Mas não pode ser política habitacional por excelência",
diz.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 17/05/2009
700
mil vivem em área ilegal em Guarulhos, diz governo
"A
gente está dormindo e é rato andando por cima da gente", conta Ângela
Quitéria, 43, com o olhar voltado para o chão do barraco em Hatsuta,
favela com esgoto a céu aberto no centro de Guarulhos (região
metropolitana de São Paulo). Os barracos margeiam a calçada da avenida
Tancredo Neves e se estendem pela estrutura desativada da antiga fábrica
de equipamentos agrícolas Hatsuta, fechada nos anos 1990.
Quando
chegou de Alagoas, ela, o marido e os filhos sentaram nas malas, na calçada,
"esperando a sorte". "Uma pessoa que morava aqui passou e
disse: "Tem um lugar desativado, com gente morando. Por que vocês
não vão para lá?'"
Na
época, havia seis famílias; hoje, há 430. Muitos vivem da reciclagem,
o que faz com que o local concentre pilhas de lixo, por onde as crianças
brincam. "Estou louca para sair daqui."
Semelhantes
à Hatsuta há mais 378 áreas precárias ocupadas, onde moram 231 mil
pessoas, segundo a prefeitura. Loteamentos irregulares -terrenos cujos
antigos donos não fizeram regularização junto à prefeitura- somam
241.
Segundo
o governo do Estado, Guarulhos é a cidade paulista com mais população
em áreas irregulares -são 700 mil, de um total de 1,2 milhão de
habitantes. A prefeitura local não confirma os números.
O
crescimento intenso -principalmente nos anos 1970 e 1980, devido à
expansão industrial e à construção do aeroporto-, aliado à falta de
planejamento urbano, criou ocupações no entorno do aeroporto, de áreas
de mananciais e de proteção ambiental.
No
Jardim Fortaleza, por exemplo, Maria Alice, 31, colhe mandioca, café,
laranja -que o pai plantou, nos anos 1990, na encosta da serra da
Cantareira. "Quando a imobiliária veio, para abrir caminho para os
loteamentos, pôs meu pai aqui em cima." De casa, ela vê os 150
loteamentos e ocupações irregulares sobre a mata atlântica.
Em
área de manancial há 20 anos, Eduardo Perreira, 69, reclama que o
"rio valente" -Baquirivu, sub-bacia do Tietê- já tragou móveis,
barracos e até um "pé de abacate", em chuvas passadas. Um
dos primeiros a chegar ali, viu a população aumentar e a criação de
duas penitenciárias e dois centros de detenção, que trouxeram o rio
mais para perto. "Eu sei que estamos em área de risco, mas o que
podemos fazer, moça?"
A
Secretaria de Habitação de Guarulhos diz que está urbanizando, com
recursos federais, áreas ocupadas por 31 mil famílias e que pretende
entregar 700 moradias até o fim do ano -mais 500 até o fim de 2010.
Entre 2001 e 2008, 1.500 famílias foram removidas para conjuntos da
CDHU, em parceria com o governo do Estado.
Sobre
a Hatsuta, disse que, por ser área dada como garantia a empréstimo
federal -que, após 17 anos de pendência, continua sem dono-, não há
"possibilidade" de intervir e aconselha os moradores a se
cadastrarem no programa federal "Minha Casa Minha Vida", que
prevê construção de 400 mil moradias para a baixa renda.
Sobre
o Jardim Fortaleza, diz que há ação do Ministério Público contra os
proprietários para recomposição da área. Para a favela do Baquirivu,
afirma negociar parceria com a CDHU para 2010.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 17/05/2009
A
restrição ao fumo e a experiência de NY
O
ESTADO de São Paulo tomou uma iniciativa necessária e corajosa em
defesa da saúde pública ao transformar na lei estadual nº 13.541/09 o
projeto do governador José Serra que proíbe o fumo em ambientes
coletivos, total ou parcialmente fechados.
Pesquisas
de opinião pública mostram o apoio de 88% da população no Estado. As
críticas vêm de uma pequena minoria, especialmente ligada ao setor de
bares e restaurantes, que repete argumentos parecidos com os usados pela
indústria do tabaco em outros países.
Nessas
circunstâncias, é útil conhecer a experiência da cidade de Nova
York, que restringiu o consumo de fumígenos de maneira muito semelhante
à de São Paulo. Desde que entraram em vigor o "New York City
Smoke-Free Air Act", lei de 2003, e o "Clean Indoor Act",
promulgado no Estado de Nova York no mesmo ano, e de teor análogo à
primeira, alguns mitos e tabus têm sido derrubados.
Um
ano depois da vigência da lei, dados da Prefeitura de Nova York
apontavam que:
1)
em vez do que se anunciava como inevitável -queda do movimento em bares
e restaurantes-, o faturamento desses lugares aumentou 8,7%;
2)
os empregos do setor cresceram 10 mil vagas, em sentido contrário ao
desemprego que tanto amedrontava;
3)
97% dos restaurantes e bares estavam livres do fumo;
4)
os moradores apresentavam maciço apoio à lei;
5)
a qualidade do ar de bares e restaurantes aumentou notavelmente;
6)
os níveis de cotinina, um derivado da nicotina, diminuíram em 85%,
segundo testes médicos de trabalhadores do setor;
7)
55 mil cidadãos a menos estavam expostos ao fumo passivo no ambiente de
trabalho.
É
fato que o fumo passivo faz muito mal às pessoas. No entanto, a indústria
do tabaco e seus aliados continuam a repetir mentiras em escala
internacional, difundindo o mesmo receituário do lucro baseado no dano
à vida e à saúde, tais como "o fumo passivo não é tão
perigoso" ou "as políticas de restrição ao cigarro violam o
direito e a liberdade individuais".
Dizem
ainda que um sistema de ventilação e de salas separadas constituem
proteção suficiente contra o fumo passivo ou que restrições ao fumo
não são adequadas para o nosso país.
Seria
curioso, se não fosse trágico, verificar que esse receituário vem
sendo repetido aqui de maneira quase literal, mostrando articulação
uma mundial. Procuram organizar grupos de oposição com fumantes e
donos de restaurantes, fabricam relatórios de impacto financeiro,
estimulam o descumprimento da lei e tentam invalidar a legislação na
Justiça. Tudo isso feito de maneira insensível às conclusões científicas
no sentido das consequências letais do fumo para seus usuários e para
terceiros.
Estudo
feito em Nova York sobre a qualidade do ar mostra um índice de poluição
50 vezes maior num bar enfumaçado do que no túnel Holland (que liga a
ilha de Manhattan à cidade de Newark, em Nova Jersey), na hora de pico
do tráfego.
Nova
York teve sucesso mostrando determinação e vontade política de seus líderes
e servidores, aliadas à força da articulação da sociedade, dos
sindicatos e das ONGs. Durante um ano inteiro, foi travada uma batalha
ideológica feroz da indústria do tabaco, seus consumidores e parceiros
contra a sociedade.
Segundo
me disse pessoalmente o dr. Thomas Frieden, comissário de Saúde
daquela cidade (equivale, aqui, a um secretário municipal), um
importante veículo de comunicação procurou desmoralizar o cumprimento
da lei todos os dias, sem sucesso. Por outro lado, a ampla maioria de
cidadãos se uniu em defesa de sua saúde e formou uma aliança
indestrutível entre governo e sociedade.
São
Paulo e Nova York são Estados cosmopolitas e pioneiros nas suas
iniciativas, na consciência e na coragem de seus habitantes. Hoje, em
Nova York, o respeito à lei antifumo é altíssimo, conforme se pode
verificar nos contatos com autoridades e cidadãos ou mesmo observar
caminhando pelas lojas, hotéis, bares, restaurantes e escritórios,
como fiz. Ali, o poder público está cumprindo seu papel de proteger o
direito à saúde de todos.
Se
Nova York venceu o fumo, São Paulo também será capaz de enfrentar e
vencer esse desafio, com determinação, firmeza e a adesão da maioria
da população, de forma a gerar um importante precedente para todo o
Brasil.
LUIZ
ANTONIO GUIMARÃES MARREY, 53, é secretário da Justiça e da Defesa da
Cidadania do Estado de São Paulo. Foi procurador-geral de Justiça do
Estado por três mandatos (1996-1998, 1998-2000 e 2002-2004) e secretário
dos Negócios Jurídicos da cidade de São Paulo (2005-2006).
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 17/05/2009