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Cargos de confiança crescem 32% no país em cinco anos

 

Estados, municípios e o governo federal promoveram em cinco anos um crescimento dos cargos de confiança. O número saltou de 470 mil, no início de 2004, para 621 mil pessoas agora, um aumento de 32%.

 

Os dados oficiais sobre as administrações diretas foram compilados pela Folha. Os cargos de confiança são os chamados comissionados, que podem ser ocupados por servidores de carreira ou por pessoas de fora do serviço público. Os postos são considerados importantes para as gestões, mas os especialistas apontam um exagero no caso brasileiro.

 

Esta semana, o ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) sugeriu a substituição de comissionados por carreiras de Estado. Já a presidenciável Dilma Rousseff (Casa Civil) afirmou que "a grande questão no Brasil é instituir a meritocracia no Estado, o profissionalismo".

 

Fatia do bolo

 

A fatia ocupada pelos comissionados no total de servidores na ativa também aumentou nos últimos cinco anos. Isso porque a velocidade de criação desse tipo de cargo foi maior que o aumento do total de funcionários das administrações diretas, que não incluem estatais e bancos públicos, por exemplo.

 

Nos Estados, a fatia ocupada aumentou de 5% para 6%. Eram 115 mil comissionados em 2004 contra 158,8 mil agora (crescimento de 37,4%). O salto de todos os funcionários na ativa foi de 16% (de 2,3 milhões para 2,66 milhões). Amapá e Pará não enviaram os dados pedidos pela Folha.

 

Paulo César Medeiros, secretário de Administração do Rio Grande do Norte e presidente do Consad (Conselho de Secretários Estaduais de Administração), diz que a expectativa era de queda no número de comissionados.

 

Para ele, dois problemas graves são a falta de padronização e a precariedade de dados mantidos pelos Estados. O Consad fez em 2004 a primeira pesquisa sobre servidores estaduais, incluindo comissionados, único dado disponível para comparações.

"Hoje fala-se muito em uma solução mediadora dos extremos. Não é preciso acabar com comissionados, mas diminuí-los e garantir que quem ocupe passe por algum tipo de certificação. Isso já é feito em Estados como Minas e São Paulo e em países como o Chile."

 

Um compromisso assumido em documento de 2008 do Ministério do Planejamento e do Consad é a "definição de critérios para a ocupação dos cargos e funções comissionados".

Os Estados hoje com as maiores proporções de comissionados no total de servidores ativos são Tocantins (40%), Roraima (18,3%), Distrito Federal (14%) e Rondônia (13,9%). As menores proporções são de São Paulo (1,96%), Paraná (2,25%) e Rio Grande do Norte (2,98%).

 

No caso dos municípios, a fatia ocupada pelos comissionados passou de 7,9% do total de servidores em 2004 para 8,8% em 2008. Há cinco anos, segundo o IBGE, eram 338,2 mil comissionados municipais, número que atingiu 443,7 mil em 2008, crescimento de 31,2%. Enquanto isso, o total de funcionários cresceu 17,15%, saltando de 4,28 milhões para 5,01 milhões de funcionários.

 

No governo federal, os cargos de confiança passaram de 17.609, no começo de 2004, para 20.656 (subida de 17,3%). O crescimento do total de civis ativos foi de 7,67%, chegando 537,4 mil, segundo o Planejamento. A fatia ocupada pelos comissionados oscilou de 3,5% para 3,8%.

 

Servidores e outsiders

 

Para especialistas, preocupa o crescimento de comissionados que não têm vínculo com o setor público, os chamados cargos de livre provimento, nos quais a facilidade é maior para o preenchimento com apadrinhados políticos.

 

Segundo a pesquisa do Consad, em 2004 os comissionados estaduais não-servidores eram 43,2% do total. Os dados levantados pela Folha mostram que o percentual chegou a pelo menos 52%.

 

Segundo os números repassados pelos próprios Estados, 85 mil comissionados não têm relação com o serviço público, contra 49,8 mil em 2004.

 

No Rio Grande do Norte, 83% dos 1.875 cargos de confiança são de livre provimento. Em Goiás, todos os 8.446 cargos comissionados são de livre provimento, contra 7.200 em Rondônia. Em Roraima, 71% dos 2.989 cargos são de livre provimento. Já em Minas Gerais, são 22% dos 14.826 comissionados.

 

No governo federal, os comissionados sem vínculo eram 4.771 há cinco anos e em 2008 chegaram a 5.370. A proporção manteve-se em 26%.

 

Posto remonta às burocracias da era colonial

 

Os cargos de confiança são ocupados por pessoas que agem em nome do chefe da administração. Embora só tenham sido regulamentados no século 20, remontam à era colonial, na qual o patrimônio do Estado confundia-se com o do rei, e a administração era uma extensão da casa do soberano.

 

Nesse Estado patrimonialista, as nomeações e promoções eram feitas à base do nepotismo e do apadrinhamento, e não por mérito ou competência. Essa situação persistiu por todo o Império. A República Velha separou o Estado da Igreja, mas deixou a burocracia submetida à distribuição dos cargos por critérios políticos.

 

A grande mudança se dá na Era Vargas. A Constituição de 1934 concede estabilidade ao funcionalismo, limitando as demissões por razões políticas. Em 1938 Getúlio cria o Departamento Administrativo do Serviço Público e, com ele, uma burocracia fundada no mérito, selecionada por concursos.

 

Apesar disso, esse modelo nunca se estendeu aos cargos de chefia, direção e assessoramento. A Constituição de 1946 é a primeira que cita os "cargos de confiança". A Carta de 1967 altera a designação para "cargos em comissão". A Constituição de 1988 distinguiu melhor os dois conceitos. Hoje cargo em comissão é um posto com salário e atribuições definidas, ocupado por pessoa da confiança do nomeante, e não necessariamente um servidor. Já função de confiança é um encargo a ser exercido exclusivamente por um funcionário, que com isso recebe uma gratificação.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 15/02/2009

 

 

 


Pedido de vista

 

Com certeza o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, quando propôs a seus pares que fosse colocada na internet a relação de processos cujos julgamentos estão paralisados por pedidos de vista, tinha dois objetivos em mente: o primeiro teria sido buscar maior celeridade nas decisões, visto que a crônica morosidade na prestação da tutela jurisdicional, que tem levado a situações profundamente injustas - pois Justiça que tarda é Justiça que falha -, é a queixa básica da sociedade em relação a esse essencial Poder de Estado. Se a mais alta Corte de Justiça é emperrada em seus trâmites, certamente todo o sistema judiciário o será.

 

O segundo motivo - que também diz respeito ao prestígio da Justiça - é o da necessidade de sua transparência. De há muito se fala em "caixa-preta" do Judiciário, como se este fosse integrado por um grupo de iniciados cheios de segredos indecifráveis para o comum dos cidadãos. A criação da TV Justiça, pela qual os julgamentos do Supremo são transmitidos para a população - afora as matérias e debates sobre temas relacionados aos procedimentos judiciais -, já significou um avanço no caminho da transparência da Justiça. Sem dúvida, o uso da internet para esclarecer a opinião pública sobre as razões dos atrasos no andamento dos processos - e o pedido de vista é um fator preponderante de procrastinação - seria mais um grande avanço no rumo salutar dessa transparência.

 

Há uma outra razão, porém, para que a ideia de Gilmar Mendes seja de grande oportunidade: a Lei nº 11.280, sancionada em 16 de fevereiro de 2006 - portanto, há três anos -, determina que o juiz que pedir vista do processo terá de trazê-lo de volta para julgamento da turma em no máximo dez dias. Caso o processo não seja devolvido nem for solicitada a prorrogação do prazo pelo juiz, o presidente da turma ou câmara de julgamento deve requisitar a ação e reabrir o julgamento automaticamente, na sessão seguinte. Indaguemos agora: os ministros do Supremo estarão obedecendo a este dispositivo legal?

 

Geralmente os casos polêmicos acabam sendo paralisados por pedidos de vista, sob a alegação, dos ministros, de que precisam refletir melhor sobre a questão. Isso ocorreu por ocasião do julgamento sobre o aproveitamento das células-tronco embrionárias e na questão, ainda sub judice, da definição do futuro da reserva indígena Raposa Serra do Sol. O fato é que a proposta do presidente do STF facilitaria o controle - por parte da opinião pública - dos pedidos de vista naquela Corte, mas criaria um certo constrangimento aos ministros que pedem vista e demoram meses para devolver o processo para que o julgamento tenha prosseguimento. Ressalve-se apenas a hipótese de a procrastinação poder dever-se à demora da reentrada do processo em pauta, mesmo que o juiz que pediu vista já o tenha devolvido em tempo.

 

Infelizmente os outros ministros do Supremo não acataram a sugestão do presidente da Casa. Assim, continuará difícil para a população entender, mesmo sabendo que determinadas questões são por demais complexas e exigem maior tempo de estudo e reflexão - como as duas aqui mencionadas -, como uma única pessoa, com todas as qualificações que possua um magistrado da mais alta Corte de Justiça do País, possa atrasar indefinidamente o desfecho de um processo judicial, do qual às vezes depende a sorte de uma pessoa, de uma família ou de uma empresa.

 

Não há como deixar de entender que a condição de "dar a cada um o que é seu", na qual se fundamenta a tutela jurisdicional do Estado, é indissociável da tempestividade com que se efetiva a decisão judicial. Uma sentença demasiadamente demorada, mesmo se calcada em princípios e fundamentos absolutamente corretos, terá poucas condições de ser, realmente, justa. Nisso o exemplo mais dramático - e às vezes trágico - é o que costuma ocorrer com os chamados precatórios, em que a Justiça dá ganho de causa a pessoas que esperaram uma sentença favorável a vida inteira, mas não estão mais vivas quando lhes chega o momento da vitória judicial: não há mais a quem a Justiça "dar o que é seu".

 

Fonte: Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 15/02/2009

 

 


Onda de liminares reabre postos em São Paulo

 

O combate à venda de combustível adulterado no mercado paulista está comprometido por decisões judiciais favoráveis à reabertura de postos que tiveram a inscrição estadual cassada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo.

 

A Sefaz tenta revogar na Justiça 110 liminares concedidas a postos que operam mesmo após serem flagrados com a venda de produto irregular.

 

De abril de 2005 até agora, 631 postos tiveram a inscrição estadual cassada no Estado. Sem inscrição estadual, todo estabelecimento fica impossibilitado de comprar e vender mercadorias, além de emitir notas fiscais.

 

A maioria dos postos fechados pela Sefaz vende combustíveis que não atendem às especificações da ANP (Agência Nacional do Petróleo), como proporção maior de álcool do que o permitido (de 25%) na gasolina e mistura de solventes.

 

"A decisão da Justiça tem de ser respeitada. Recorremos para cassar as 110 liminares e pedimos à Policia Civil a abertura de inquérito", diz Sidney Sanches, diretor-adjunto da Deat (Diretoria Executiva da Administração Tributária) da Sefaz.

 

A maioria das liminares é concedida porque o posto é impedido de levar um técnico para acompanhar o teste feito com a amostra de combustível na segunda contraprova.

"O entendimento de institutos credenciados pela ANP, como o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas] e a Unicamp, é que o teste não pode ser visto por técnicos indicados pelos postos, pois eles poderiam descobrir a fórmula usada para detectar o combustível adulterado", afirma o diretor da Deat.

 

"A Justiça tem entendido que está assegurado o direito do posto de acompanhar com um técnico o teste com a contraprova e que não há possibilidade de haver fórmula secreta. Por isso são dadas as liminares", diz Henrique Nelson Calandra, presidente da Associação Paulista de Magistrados.

 

O IPT afirma, por meio de sua assessoria de imprensa, que "não dá acesso para representantes de postos aos ensaios de combustíveis em razão de contrato com cláusula de confidencialidade com a ANP. O IPT age dessa forma dentro da lei, pois, até o momento, não existe nenhuma decisão judicial com trânsito em julgado que determine esse acompanhamento".

 

Para a ANP, os donos de postos deveriam acompanhar a análise do combustível na segunda contraprova. "Esse é um direito do dono do posto, mas, por problemas operacionais, o IPT impede esse acompanhamento", diz Alcides Amazonas dos Santos, chefe de fiscalização da ANP em São Paulo.

 

A expansão de liminares no Estado de São Paulo e a concorrência desleal com postos que estariam operando de forma irregular levaram o Sindicom, sindicato das distribuidoras de combustíveis, a iniciar neste mês um movimento para levar informações sobre o mercado para o Poder Judiciário.

 

"Estamos preocupados com o excesso de liminares concedidas a postos em São Paulo. Procuramos o Judiciário para esclarecer sobre o funcionamento do setor. Até porque, se um posto que vende produto adulterado volta a operar da mesma forma, quem é prejudicado é o consumidor", diz Jorge Luiz Oliveira, diretor do Sindicom.

 

Calandra afirma que já recebeu nesta semana diretores do Sindicom para discutir as liminares e ficou acertada a realização de seminário com a participação de representantes da Justiça, do Ministério Público, da Sefaz, do Procon, de distribuidoras e de redes de postos.

 

Defesa ampla

 

"O problema não está na concessão de liminares pela Justiça. O ato de fechar um posto tem de estar precedido de todos os cuidados. Donos de postos alegam que há falhas na coleta do combustível para a realização da contraprova. Esse é um tema extremamente complexo. Nós seguimos a Constituição, que determina a ampla defesa no processo administrativo e no judicial", diz Calandra.

 

Se um posto tem liminar para voltar a operar, segundo Calandra, não significa que ele não possa ser fechado novamente, caso a Sefaz faça novo teste e encontre venda de combustível irregular. "No meu entendimento, o que deveria haver é um sistema de controle capaz de evitar a adulteração, como lacres nos tanques pelas distribuidoras, como se fosse uma urna eleitoral", diz Calandra.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 15/02/2009

 

 

 


Informatização reduz processos em juizados de SP

 

Os Juizados Especiais Federais (JEFs) cíveis no Estado de São Paulo conseguiram reduzir em 68% o número de processos em andamento nos últimos três anos. A diminuição foi possível porque os processos são totalmente informatizados e os juizados adotaram medidas para promover a desburocratização e a eficiência.

 

As ações nos JEFs são concluídas em primeira e segunda instância em três anos, em média, um prazo curto para os padrões da Justiça brasileira.

 

Os juizados cuidam dos processos com valor de até 60 salários mínimos que envolvam entidades federais. Há unidades em 19 cidades paulistas.

 

Mais de 90% dos processos dos juizados são previdenciários e têm o INSS (Instituto Nacional da Seguridade Nacional) como réu. Os outros principais demandados são a Caixa Econômica Federal, a Fazenda Estadual e a União.

 

Os juizados foram instalados em São Paulo em 2002 já com informatização total.

 

As petições e documentos em papel levados por advogados aos JEFs são digitalizados e devolvidos aos defensores.

 

A comunicação dos juizados com as partes não é feita por meio do leva-e-traz de documentos por oficiais de justiça. As intimações são realizadas por meios eletrônicos.

Os depoimentos são gravados no formato MP3 e as partes assinam documentos com canetas digitais nas audiências.

 

Nos cartórios dos juizados, nada de prateleiras abarrotadas de volumes de processos. Só há estações de trabalho com servidores e computadores.

 

Segundo as estatísticas dos JEFs em São Paulo, 1,13 milhão de ações estavam em andamento em dezembro de 2005. O número caiu para 362 mil em dezembro passado.

 

Uma das medidas que promoveu a redução foi a elaboração de um kit com modelos de petições para demandas que ocorreram aos milhares nos juizados, a partir de 2005.

 

A direção dos JEFs afirma que a diminuição também foi conseguida por meio da capacitação constante de seus servidores, que têm obtido bons resultados de produtividade nos últimos anos.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 16/02/2009

 

 

 


AGU cria força-tarefa para cobrar multas

 

Os órgãos de fiscalização do governo emitiram nos últimos cinco anos 250 mil autos de infração contra empresas e pessoas físicas. As multas, que atingiram diferentes setores a economia, chegam a R$ 20 bilhões. No entanto, segundo levantamento feito pela Advocacia-Geral da União, 90% das multas não são pagas. Um dos motivos do calote generalizado, afirma reportagem de Veja, é o fato de o governo não cobrar as multas, sendo esquecidas até a prescrição. O prazo é de cinco anos.

 

A AGU diz que a situação agora vai mudar com uma força-tarefa de 4 mil procuradores federais que tentarão receber maior parte da dívida até o fim do ano. Pela nova atitude, aqueles que não pagarem a multa serão imediatamente inscritos no cadastro de inadimplentes, o que os impedirá de participar de licitações públicas, de conseguir financiamento de bancos oficiais e de ingressar em programas de benefício fiscal.

 

"A ação é boa para o governo, que arrecadará recursos, e também fundamental para acabar com o descrédito que essa situação criou sobre as funções reguladoras do estado", afirma o advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, em entrevista à revista.

 

 

A ação de cobrança envolve multas aplicadas por 151 autarquias, fundações públicas federais e agências reguladoras. O grosso do calote, porém, concentra-se em doze repartições. O órgão que tem mais a receber é o Ibama, que acumula cerca de R$ 12 bilhões em multas por infração à legislação ambiental.

 

Somente na Região Norte, há R$ 2 bilhões em infrações a cobrar. Para agilizar a cobrança dos créditos, a AGU centralizou o trabalho. Antes, cada órgão federal tinha uma procuradoria, normalmente sediada em Brasília, responsável pelo acompanhamento exclusivamente de seus processos. Assim, quando, por exemplo, o Inmetro encontrava uma irregularidade em uma bomba de gasolina de um posto em Roraima, era preciso deslocar um procurador do órgão até o estado para fazer a cobrança. Em muitos casos, o valor da dívida acabava sendo menor do que a despesa operacional.

 

A partir de agora, os procuradores das repartições federais agirão em conjunto em todo o país e ficarão responsáveis pela cobrança das dívidas. A força-tarefa já se debruçou sobre os processos do Ibama e da Anac, que representam mais da metade do valor do calote.

 

Toffoli avalia que pelo menos 50% das empresas honrarão suas dívidas imediatamente: "Na maioria dos casos, são empresas sadias, que continuam em atuação e só têm a perder no mercado se ficarem no cadastro de inadimplentes".

 

Em casos extremos que envolvem concessionárias de serviço público, como companhias de telefonia e energia elétrica, o não pagamento das dívidas pode levar até à cassação da concessão.

 

A falta de estrutura do governo explica apenas uma parte do problema. Há multas de milhões de reais que também nunca foram cobradas. Para esses casos, a Advocacia-Geral da União talvez precise pedir investigação para descobrir o motivo da falta de interesse de alguns funcionários públicos em cumprir suas tarefas.

 

Fonte: Conjur, de 14/02/2009

 

 


IPI + IPVA + ICMS = tributação indevida sobre carros

 

Os proprietários de veículos vem sendo espoliados por todos os governos deste país há muitos anos, como as montadoras sempre o fizeram. Se os arrogantes dirigentes das montadoras sempre nos viram como seres inferiores capazes de comprar carroças a preço de automóveis, governantes e legisladores nos tratam como idiotas capazes de pagar qualquer tipo de tributo.

 

Liberadas as importações em 1990 as montadoras tiveram que melhorar a qualidade dos veículos para enfrentar a concorrência dos importados, muito melhores que as carroças e a preços competitivos. Para proteger montadoras e manter empregos, aumentou-se o imposto de importação de 20% para 70%.

 

Temos hoje uma das maiores cargas tributárias do mundo, já próxima de 40% do PIB, em troca de péssimos serviços. Pagamos impostos para receber Justiça, Segurança, Saúde, Educação, etc. e pouco recebemos...

 

O preço dos automóveis embute quase 50% de tributos entre IPI, ICMS, IPVA, Cofins, PIS, Contribuição Social, licenciamento, IOF no financiamento e nos seguros, etc. Essa carga varia conforme o modelo do carro (popular, luxo, etc) e o uso (táxis gozam de isenções), mas na média passa dos 40%. Eis aí a explicação para a enorme diferença de preço que se verifica em comparações com outros países. O mesmo BMW feito na Alemanha pode custar US$ 30 mil em Miami e mais que o dobro em São Paulo.

 

Mas quem compra automóvel paga tributos para usá-lo também. Além de pagar IPVA todo ano, tributam-se o consumo de combustíveis, as despesas com manutenção, as peças, etc. — automóvel é quase uma outra família e representa fonte inesgotável de tributos para o país.

 

Talvez inspirado nisso tudo, um deputado federal está promovendo abaixo-assinado para que o IPVA de São Paulo seja reduzido de 4% para 3%. Apesar de simpática, a idéia não resolve o problema. Deputados federais podem e devem sugerir medidas mais eficazes. Para isso são pagos.

 

Quem estuda tributação sabe que impostos só podem incidir sobre renda, patrimônio ou consumo. Os veículos são tributados pelo ICMS e pelo IPI porque são bens de consumo, classificados como mercadorias (pelo ICMS) e produtos industrializados (pelo IPI).

 

Sendo tributados como bens de consumo (ainda que duráveis) não podem sofrer tributação do IPVA como se fossem patrimônio, pois o objeto de tributação ou é bem de consumo ou não.

 

Se fosse válido cobrar imposto sobre o consumo daquilo que já se tributa pelo imposto sobre patrimônio, haveria incidência de ICMS e IPI na venda de imóvel, que é tributado pelo IPTU. Imóveis não são considerados mercadorias ou produtos industrializados para efeito de tributação.

 

De igual forma, automóveis não podem ser considerados bens integrantes do patrimonio para fins tributários, sob pena de admitirmos a hipótese de cobrar imposto patrimonial sobre qualquer bem de consumo durável, como geladeiras, televisores, etc.

 

O conceito jurídico de patrimônio resume-se, conforme ensinou Orlando Gomes (Introdução ao Direito Civil, p.227) na “representação econômica da pessoa”. Tal conceito não justifica a incidencia do imposto patrimonial sobre veículos, porque estes são bens de consumo. Tanto assim, que a legislação do imposto de renda admite que pessoas jurídicas considerem como despesas a depreciação de veículos.

 

O conceito clássico de patrimônio (Rodrigo Fontinha, Dic.Etimologico...) refere-se a “bens herdados ou dados por pais ou avós; bens de família”e nos leva à conclusão de que tendo a palavra origem em pater (pai), representa o conjunto de bens e riquezas que se pode acumular para a proteção da família e dos descendentes. Daí a preocupação de pais sobre o patrimonio que podem transferir a seus filhos.

 

Esse conceito de patrimônio é que merece tratamento especial do legislador, a ponto de se preservar o “bem de família”, protegendo-o até de credores, em cumprimento ao disposto nos artigos 226 e seguintes da Constituição.Mas

não há dúvida de que automóveis são bens de consumo e assim devem ser tratados para todos os efeitos, especialmente os tributários.

 

A lei paulista nº 13.296 de 23 de dezembro de 2008, melhorou bastante a situação do contribuinte do IPVA neste Estado. Dentre as mudanças positivas, destaca-se a redução de 50% do tributo no caso de veículos locados.

 

A tributação sobre automóveis no Brasil não é um caso isolado de idiotice. Todo o nosso sistema tributário foi transformado numa bagunça generalizada, a merecer ampla reforma, que nenhum governo quer fazer. Basta dizer que em 1965 tínhamos uma carga tributária de cerca de 20% do PIB , que cresce continuamente (com pequenas quedas na década de 90) atingindo hoje cerca de 36%. Assinale-se que uma enorme quantidade de taxas (que são tributos) sempre ficam escamoteadas das pouco confiáveis estatísticas oficiais.

 

Se não existe razão para cobrar IPVA dos automóveis porque são bens de consumo, esse imposto não deve ser reduzido, mas extinto.

 

Metade do IPVA pertence ao Estado e a outra metade aos Municípios e sua extinção trará queda de arrecadação, que pode ser compensada com o ICMS, de cuja receita 25% pertencem aos Municípios.

 

A sonegação do ICMS em veículos é praticamente impossível, pois adota-se a substituição tributária: o imposto é pago pelas montadoras ou importadoras e os mecanismos de controle são absolutamente precisos. O principal deles é o RENAVAM, pois não há licenciamento de veiculo sem esse cadastro.

 

A extinção do IPVA representaria um bom estímulo às vendas, especialmente dos veículos usados, cujo mercado está em baixa. Aliviaria o bolso da classe média, reduziria e burocracia e permitiria que as pessoas de menor poder aquisitivo tivessem acesso a carros melhores.

 

Mas não é só o IPVA que deve ser extinto. O IPI também precisa acabar. Não faz sentido termos dois impostos sobre o consumo. Uma parte da arrecadação do IPI é repassada aos Estados e ele já não tem grande importância na receita da União, representando hoje menos de 20% do que se arrecada de imposto de renda e quase tanto quanto o IOF. O valor que representa no orçamento pode ser em parte compensado pelo aumento do imposto de renda.

 

Como existe uma reforma tributária em andamento, seria a hora de regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, previsto desde 1988 na CF, o que compensaria com folga aquela perda. E nessa mesma reforma pode-se instituir um IVA que substitua o IPI apenas em produtos que devam sofrer uma tributação especial, como é o caso de cigarros e bebidas alcoólicas.

 

O imposto sobre grandes fortunas ainda não foi regulamentado com a desculpa de que seus donos poderiam levá-las para o exterior. Essa possibilidade hoje está bem reduzida pela nova economia que está se implantando no mundo. Levar a fortuna para onde? Aplicar com o Madoff, no Citi , na Índia, na Massa Falida da Europa? Ainda ontem atendi um cliente que pretende mudar sua fábrica da Itália para São Paulo.

 

Qualquer um que acompanhe o noticiário internacional sabe que o mundo mudou e ainda vai mudar muito mais. Não podemos continuar com tributos medievais, que se sobreponham uns sobre os outros e que sejam apenas instrumentos de arrecadação.

 

A tributação estúpida que temos hoje pode enriquecer alguns advogados, pode incentivar as “tendas de milagres” onde pululam meliantes de toda espécie enganando empresários incautos, mas não vai durar. Isso para não falarmos no fomento à corrupção, onde contribuintes desonestos podem unir-se a funcionários do mesmo tipo para o famigerado “jeitinho”. Afinal, a zoologia registra que os animais agrupam-se segundo suas espécies e a corrupção é uma estrada com duas mãos e bandidos em ambos os lados.

 

O atual Congresso não vai aprovar nada que mereça o nome de reforma tributária. Não querem reduzir a carga coisa nenhuma, porque isso coloca em risco os orçamentos públicos onde se divertem. Não querem simplificar nada nem reduzir nossas dificuldades, pois há quem viva de fabricar complicações e vender facilidades. Também não querem um regime tributário estável e com segurança jurídica, porque isso acabaria com alguns eventos ridículos onde muita gente finge que explica alguma coisa para pessoas que estão ali apenas para bater palmas quando chega a hora do coffe break.

 

Portanto, em lugar de um abaixo-assinado que não leva a nada, seria mais útil iniciarmos uma campanha para acabar com o IPVA e com o IPI. Não com abaixo-assinado, mas com uma proposta de emenda constitucional ou uma emenda à PEC que já está no Congresso. Vamos bombardear o país com essa idéia. Internet serve para isso também.

 

Raul Haidar é advogado tributarista e jornalista

 

Fonte: Conjur, de 15/02/2009

 

 

 


Restringir para proteger

 

O CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) está cada vez mais rigoroso com relação à fiscalização da propaganda infantil. Se em 2007 sete comerciais foram suspensos pelo órgão, em 2008 o número foi para 17.

 

Qual seria o regime mais adequado à proteção dos direitos das crianças? Seria razoável a imposição de limites à publicidade infantil? Isso significaria uma restrição arbitrária à liberdade de comércio? Como equilibrar os direitos das crianças com a liberdade empresarial?

O tema ganha especial destaque no Legislativo, a partir de projeto de lei que determina a proibição de qualquer comunicação mercadológica destinada a crianças, aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara em 2008 e sob a apreciação da Comissão de Desenvolvimento Econômico, cujo parecer do relator defende ser a publicidade uma "atividade virtuosa, e não viciosa".

 

De acordo com o projeto, entende-se por comunicação mercadológica: "Toda e qualquer atividade de comunicação comercial para a divulgação de produtos e serviços, independentemente do suporte, da mídia ou do meio utilizado", o que abrange "a própria publicidade, anúncios impressos, comerciais televisivos, "spots" de rádio, "banners" e "sites" na internet, embalagens, promoções, "merchandising" e disposição dos produtos nos pontos-de-venda".

 

A comunicação mercadológica dirigida às crianças é aquela que faz uso de cenários fantasiosos, cores, músicas, personagens infantis e crianças modelo protagonizando os filmes publicitários. Pesquisas comprovam o impacto da propaganda endereçada à criança: contribui para a obesidade infantil (e outros distúrbios alimentares e doenças associadas), a erotização precoce, o estresse familiar e a violência, entre outros.

 

Na maioria dos países desenvolvidos e com forte tradição democrática -como Suécia, Inglaterra, Alemanha-, a restrição à publicidade que se dirige às crianças não contou com a resistência das empresas. Nos EUA e na Europa, as empresas multinacionais têm concordado com essa política de "autolimitação", comprometendo-se a restringir significativamente a publicidade destinada às crianças.

 

O mesmo não tem ocorrido no Brasil. No caso brasileiro, qualquer iniciativa de restrição e limitação suscita acirradas manifestações por parte do setor empresarial, sob o argumento de que tais propostas constituiriam atos de censura ou cerceamento da liberdade de expressão.

Não bastando a duplicidade de políticas empresariais adotadas em países desenvolvidos e em desenvolvimento, não há que confundir a publicidade e a liberdade de expressão.

 

A liberdade de expressão é direito consagrado no âmbito internacional e interno, enunciado em instrumentos de proteção de direitos humanos. Trata-se de um direito assegurado às pessoas físicas, abrangendo a livre manifestação do pensamento político, filosófico, religioso ou artístico. O alcance de tal direito não compreende a publicidade -atividade que utiliza meios artísticos visando essencialmente à venda de produtos.

 

Diferentemente de reportagens jornalísticas, veiculadas nos mais diversos meios de comunicação, a publicidade necessita adquirir um espaço na mídia para se alojar. A sua lógica é a mercantil, orientada pela equação de compra e venda de produtos.

Os parâmetros internacionais e constitucionais endossam a absoluta prevalência dos interesses da criança, seu interesse superior e a garantia de sua proteção integral, na qualidade de sujeito de direito em peculiar condição de desenvolvimento.

 

Nesse sentido, destacam-se a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, a Constituição do Brasil de 1988 e o ECA. Ademais, organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde e o Comitê Permanente de Nutrição, reconhecem que a publicidade tem um papel central no desencadeamento de problemas alimentares, como a obesidade infantil.

 

Como a criança encontra-se em processo de desenvolvimento biopsicológico, não tem o discernimento necessário para compreender o caráter da publicidade, o que torna seu direcionamento às crianças abusivo e, por conseguinte, ilegal.

 

O clamor é o mesmo: a proteção da infância merece prevalecer ante o ilimitado exercício da atividade comercial concernente à comunicação mercadológica destinada às crianças.

Na agenda brasileira, emergencial é disciplinar o exercício da atividade publicitária. Restringir a publicidade endereçada às crianças não é ato de censura e tampouco ofensa à liberdade de expressão. É imperativo ético na defesa e proteção à infância.

 

FLÁVIA PIOVESAN , doutora em direito constitucional e direitos humanos e professora da PUC-SP, PUC-PR e Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha), é procuradora do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.

 

TAMARA AMOROSO GONÇALVES é advogada e mestranda em direitos humanos pela USP.

 

Fonte: Folha de S. Paulo, de 16/02/2008

 

 

 


Justiça mal administrada

 

Um levantamento sobre as condições de trabalho dos juízes de primeira instância, realizado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mostra um retrato preocupante da infraestrutura do Poder Judiciário. Além da precariedade das instalações físicas da maioria das varas e cartórios, onde faltam até sanitários, o número de servidores técnicos, analistas judiciais e oficiais de Justiça não chega à metade do que seria necessário para atender à demanda dos tribunais, onde tramitam cerca de 68 milhões de processos.

 

Elaborado com base em entrevistas com 1.228 juízes de primeira instância em todo o País, o que equivale a 7,7% da magistratura brasileira, o estudo da AMB também detectou que 85% das varas da Justiça Federal estão sobrecarregadas, havendo em cada uma mais de mil processos em andamento. Só em 15% das varas tramitam até mil processos, número considerado aceitável pelos juízes. A situação mais grave é das Regiões Sul e Sudeste, onde 70% das varas federais têm, em média, mais de 2,5 mil ações em curso.

 

Nas Regiões Norte e Nordeste existem varas federais e estaduais com mais de 5 mil processos. E há casos de varas em que os juízes trabalham com mais de 10 mil ações, não têm apoio de pessoal especializado e ainda têm que fazer os despachos à mão. Em pelo menos um terço das varas não há nem mesmo as velhas máquinas datilográficas. Além disso, 40% dos magistrados nortistas e nordestinos consideram ruim ou péssima a qualificação de sua própria equipe. "Não prestamos um bom serviço à sociedade", reconhece o juiz Mozart Valadares Pires, presidente da AMB.

 

Na opinião dos magistrados entrevistados, o número médio de técnicos em cada unidade judicial deveria ser de 5,7 - ante os 3,3 existentes hoje. Eles também afirmam que o número de oficiais de Justiça deveria dobrar. Atualmente, há, em média, 2,3 oficiais por vara. Os juízes também se queixam do anacronismo da legislação, que exige um número excessivo de carimbos, da falta de equipamentos de informática para registro eletrônico de dados, da ausência de um sistema integrado de informações e de problemas de segurança, por falta de policiamento.

 

O levantamento da AMB revelou que 99% dos magistrados entrevistados confessaram não saber qual é o porcentual do orçamento do tribunal para sua unidade de trabalho. Eles reivindicaram uma distribuição mais racional dos recursos. Como os critérios são superados e a gestão orçamentária é pouco transparente, isso resulta em gastos equivocados e desnecessários, além de extravagâncias, como a aquisição de automóveis de luxo para desembargadores e ministros e a construção de suntuosas sedes para os tribunais de segunda e terceira instâncias. Segundo a AMB, a desorganização administrativa e a bagunça financeira no Poder Judiciário chegaram a tal ponto que, para o fórum da pequena comarca de Chaves, uma cidade com 17,3 mil habitantes do Estado do Pará, o Tribunal de Justiça encaminhou no ano passado mais móveis do que as instalações físicas das varas comportavam.

 

O levantamento da AMB mostra como a inépcia administrativa e a má gestão dos recursos financeiros do Poder Judiciário, conjugadas com o anacronismo dos Códigos de Processo Civil e Penal e com a falta de juízes e servidores técnicos em número suficiente, acabam provocando morosidade na tramitação dos processos e congestionando a primeira instância da instituição.

 

Como reconhece o presidente da AMB, os problemas de morosidade e congestionamento do Poder Judiciário não são só da insuficiência de verbas orçamentárias para ampliação do quadro de pessoal e informatização. Ele também decorre da má gestão dos recursos disponíveis, por parte da instituição. Os responsáveis pelo Orçamento na União e nos Estados há muito criticam a falta de prioridades e os gastos perdulários do dinheiro público na Justiça. Esta foi a primeira vez que uma entidade de juízes reconheceu, publicamente, essa situação. Além da necessária reforma dos códigos de processo, a Justiça precisa, para ser rápida e eficiente, passar por um choque de gestão.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 16/02/2009

 

 

 


Calote gaúcho

 

Graças a uma lei aprovada em dezembro do ano passado, o Estado do Rio Grande do Sul conseguiu a proeza de converter o contumaz atraso no pagamento de seus precatórios numa das maiores aberrações ético-jurídicas que o poder público já praticou no País. Precatórios são dívidas dos Estados e municípios que a Justiça manda pagar. Há dois anos, um levantamento do Supremo Tribunal Federal (STF) identificou um total de precatórios de R$ 62,3 bilhões devidos por Estados e municípios.

 

Essas dívidas resultam, geralmente, de indenizações decorrentes da desapropriação de imóveis para a construção de obras públicas ou, então, de diferenças salariais que o funcionalismo tem o direito de receber. Na maioria das vezes, os credores são pessoas remediadas, que perderam sua única poupança quando tiveram sua casa desapropriada, ou servidores inativos, que reclamam a correção de suas aposentadorias. Alegando não dispor de recursos orçamentários, prefeitos e governadores adiam o cumprimento da ordem judicial, o que abala a confiança da sociedade na Justiça. Algumas vezes, Estados e municípios têm, de fato, problemas de caixa que impedem o pagamento. Na maioria dos casos, contudo, eles usam o dinheiro disponível em obras que lhes deem visibilidade política e não pagam as dívidas contraídas por seus antecessores.

 

Inspirada na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios, mais conhecida como a "PEC do calote", que vem tramitando no Senado e prevê a possibilidade de os municípios e Estados promoverem leilões para a negociação dos precatórios, a lei gaúcha autoriza o Poder Executivo estadual a ser o comprador exclusivo de suas dívidas.

 

Na prática, a medida permite ao governo gaúcho fazer uma espécie de leilão às avessas, só pagando as dívidas dos credores que concordarem em dar o máximo de desconto nos valores a que têm direito. Ao todo, o Estado do Rio Grande do Sul deve a 80 mil credores, que há anos aguardam pagamento. Segundo a lei, os leilões serão realizados pela internet e todo credor que quiser dar um "lance" pelo seu título poderá participar, mas com a condição de que ofereça valores inferiores a um deságio mínimo que ainda será fixado pela Secretaria da Fazenda. Apenas o credor que oferecer o menor lance receberá o pagamento. Os demais continuarão a ver navios.

 

Como em todo o País, até agora os precatórios gaúchos podiam ser livremente negociados pelos credores com investidores e até com empresas, que os utilizam para compensar seus débitos fiscais. A lei gaúcha determina que a aquisição e a alienação dos precatórios passem a ser feitas somente pela Caixa de Administração da Dívida Pública Estadual, uma sociedade de economia mista controlada pelo governo gaúcho. Com isso, a lei estatiza o incipiente mercado secundário de precatórios e permite ao Estado impor arbitrariamente uma drástica redução de seus débitos. Trocando em miúdos, a lei dá um poder leonino ao Executivo gaúcho, estimulando-o a praticar novos calotes, prejudicando ainda mais acintosamente 80 mil credores.

 

Além de ser flagrantemente imoral, a lei também é claramente inconstitucional, na medida em que quebra a ordem cronológica dos pagamentos, flexibiliza o cumprimento de sentenças judiciais e permite ao mau pagador desprezar direitos alheios. "A lei viola princípios econômicos básicos e pode ser considerada confisco", diz o presidente da comissão de precatórios da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Flávio Brando. "Não há vácuo na legislação no que se refere ao pagamento de precatórios e qualquer lei estadual que venha a restringir os direitos do cidadão expressamente assegurados pela Constituição de 88 é claramente inconstitucional", afirma o presidente do Conselho Federal da entidade, Cezar Britto. Para ele, os precatórios se tornaram "um joguete" nas mãos dos governantes. Diante de tal aberração ético-jurídica, a seccional gaúcha da OAB já começou a estudar a possibilidade de ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF. A providência não poderia ser mais oportuna, uma vez que outros Estados podem sentir-se tentados a seguir o exemplo do Rio Grande do Sul.

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 16/02/2009