Deputado
questiona PEC sobre titularidade de cartórios sem concurso público
O deputado federal Dr. Rosinha (PT/PR) entrou com Mandado de Segurança
(MS 28005) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da Câmara
dos Deputados, Michel Temer, para tentar derrubar a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) 471/05, em tramitação naquela casa. Segundo o
parlamentar, se aprovada, a PEC vai entregar a titularidade dos cartórios
para os tabeliães interinos que estejam respondendo temporariamente pela
função, sem concurso público.
A
PEC, de autoria do deputado João Campos (PSDB/GO), pretende outorgar a
delegação definitiva dos Serviços Notariais e de Registro, sem concurso
público, aos atuais interinos que estejam respondendo pelas serventias há
mais de cinco anos.
Para
o Dr. Rosinha, diversos setores da sociedade já se pronunciaram
expressamente contra essa proposta: Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
Ministério da Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação
Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen), Instituto do
Registro Imobiliário do Brasil e Colégio Notarial do Brasil – seção
São Paulo (Irib-SP).
Para
a OAB, exemplifica o parlamentar, a PEC violaria o artigo 5º (caput), 37
(inciso II) e 236 (parágrafo 3º). Já o CNJ elaborou nota técnica (número
05/08), afirmando a inconstitucionalidade da proposta e opinando por sua
rejeição da Câmara dos Deputados, diz no mandado de segurança.
Entregar as serventias extrajudiciais no Brasil sem concurso público
ofenderia a ordem constitucional vigente, no que tange à exigência de
concurso público para exercício de função pública, bem como aos princípios
da moralidade, eficiência e impessoalidade, disse a Arpen segundo Dr.
Rosinha.
MS
contra PEC
O
petista cita precedentes do próprio Supremo no sentido da possibilidade
do ajuizamento de mandado de segurança contra projetos de lei. Ele cita
passagem do voto do ministro Celso de Mello que, na análise do MS 21642,
afirmou caber mandado contra projeto de lei “quando a Constituição
taxativamente veda sua apresentação ou a deliberação”.
“A
Suprema Corte consagrou diretriz jurisprudencial que reconhece a
possibilidade do controle incidental de constitucionalidade das proposições
legislativas, desde que instaurado por iniciativa de membros do órgão
parlamentar perante os que se achem em curso”, sustenta o parlamentar,
que pede a suspensão liminar na tramitação da PEC 471/05 e, no mérito,
a declaração de sua inconstitucionalidade, por afronta ao devido
processo legislativo constitucional previsto no artigo 60, parágrafo 4º,
da Carta.
O
relator da ação é o ministro Marco Aurélio.
Fonte:
site do STF, de 13/05/2009
Juízes defendem juíza que mandou prende procurador
Em
nota enviada à Consultor Jurídico, a Associação dos Juízes Federais
do Rio Grande do Sul (Ajufergs), contesta os termos de nota da Associação
Nacional dos Advogados da União (Anauni) publicada no texto que noticiou
que o Tribunal Regional Federal da 4ª região concedeu liberdade a um
procurador do Rio Grande do Sul que estava preso. A notícia informava que
a 6ª Vara Federal de Porto Alegre havia expedido ordem de prisão contra
o procurador Luís Antônio Alcoba de
Freitas por entender que ele descumpriu decisão que determinava o
fornecimento de remédio a um menor. Clique aqui para ler a reportagem
completa.
Em
sua nota, a Associação dos Adovgados da União defende seu associado e
ataca a decisão da juiza Ana Inés Algorta Latorre, da 6ª Vara Federal
do Rio Grande do Sul, que mandou prender o procurador. "O pedido de
prisão é absurdo, desproporcional e ilegal pois, se não há
possibilidade de imposição de multa pessoal, muito menos haveria de
decretação de prisão, já que, como dito, o Advogado da União não tem
competência para praticar ato administrativo
próprio
de gestor".
Ao
repudiar a nota da Anauni, a Ajufergs diz que discorda com veemência da
"adjetivação constante da nota da Associação Nacional dos
Advogados da União, de todo incompatível com a decisão prolatada pela
Juíza Federal Ana Inês Algorta Latorre.
Leia
a nota:
A
Associação dos Juízes Federais do Rio Grande do Sul - AJUFERGS vem
publicamente se manifestar a respeito das notícias veiculadas no site
Consultor Jurídico.
1.
É da democracia a livre crítica, inclusive às decisões judiciais. Seu
exercício, porém, especialmente pelos operadores do Direito, se deve
pautar pela serenidade e, especialmente, pelo respeito. Ademais, a
irresignação contra decisões judiciais se veicula por meio dos
recursos, em que vertidos os argumentos jurídicos pertinentes.
2.
Discorda-se, portanto, e com veemência, da adjetivação constante da
nota de Associação Nacional dos Advogados da União, de todo incompatível
com a decisão prolatada pela Juíza Federal Ana Inês Algorta Latorre.
3.
A ação da Juíza Ana Inês, no processo em epígrafe, pautou-se por legítima
concreção dos princípios constitucionais. Nele se pleiteia o suplemento
alimentar MSUD2 para criança de apenas um ano de idade, acometida de
grave doença que somente permite aquela forma de alimentação. Sem
aquele alimento, e a criança fatalmente perecerá em pouco tempo.
Trinta
dias depois de deferido liminarmente o alimento, a União peticionou nos
autos requerendo mais sessenta dias de prazo, ao argumento de trâmite da
licitação para sua aquisição. Assinalou-se-lhe então novo prazo, de
48 (quarenta e oito) horas, a fim de que fosse ultimado depósito em conta
vinculada ao Juízo no valor do alimento, como aliás, já fizera a União
em outra ação semelhante. Porém, ela respondeu, no mesmo dia,
argumentando que não detinha atribuição legal para receber numerário e
depositá-lo em Juízo. Reitera-se: coisa que sua representação em outro
processo já viabilizara.
Ou
seja, trinta dias se passaram desde a decisão judicial, imprescindível
à subsistência do bebê, e ainda assim permaneceram os entraves opostos
ao seu cumprimento.
4.
O Estado tem um dever de proteção (Schutzpflicht) dos direitos
fundamentais. Quando a administração não o obedece, resta ao
Estado-Juiz impô-lo coativamente. Os direitos fundamentais autorizam o
juiz, em hipóteses excepcionais, mormente quando em jogo a vida humana, o
recurso a medidas graves de coação. Fiel ao juramento prestado quando de
sua posse, a magistrada cumpriu a constituição, no exercício legítimo
de sua interpretação e concretização, próprio do
neoconstitucionalismo.
Vale
lembrar que, na mesma tarde em que cumprida a ordem de prisão contra o
representante da União, esta ultimou o depósito de dinheiro, que pouco
antes alegava não saber como viabilizar. O alvará já foi levantado pela
família da criança.
5.
A AJUFERGS afiança irrestrito apoio à magistrada Ana Inês, e acompanhará
vigilante as ameaças constantes da nota da Associação Nacional dos
Advogados da União, que sinalizam grave violação das garantias
constitucionais da magistratura.
Porto
Alegre, 12de maio de 2009
Gabriel
Wedy
Presidente
da Ajufergs - Associação dos juízes federais do Rio Grande do Sul
Fonte:
Conjur, de 13/05/2009
Ação
no Supremo contra lei antifumo é arquivada
A
ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal, arquivou a ação
apresentada pela Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de
Entretenimento (Abrasel) contra a lei paulista que proíbe cigarro em
ambientes públicos. Para a ministra, a entidade não tem legitimidade
para propor ação na Corte, porque, de acordo com a Constituição
Federal, precisaria se enquadrar no conceito de entidade de classe de âmbito
nacional — aquelas que reúnem membros que se dedicam a uma só
atividade profissional e econômica.
Ellen
Gracie explicou que a Abrasel representa empresas que se dedicam a
diferentes ramos, como gastronomia, entretenimento, lazer, bares. “É
composta por filiados heterogêneos, que desenvolvem diferentes atividades
econômicas, circunstâncias que impede sua caracterização como
representante de uma classe bem definida e distinta de todas as demais”,
concluiu a ministra.
Na
ação, a Abrasel sustentava que o governo de São Paulo, a pretexto de
proteger a saúde dos não-fumantes, decidiu acabar por completo com os
direitos dos fumantes, colidindo com a legislação federal e municipal
sobre o tema.
Afirmou
que tanto a Lei Federal 9.294, de 15 de julho de 1996, quanto a Lei
Municipal 13.805, de 4 de julho de 2008, já proíbem o uso de cigarros e
similares em bares, restaurantes e afins, mas asseguram espaço reservado
aos não-fumantes. “Já há legislação, tanto geral como local, para
garantir a saúde dos não-fumantes, sem incorrer na inconstitucionalidade
de extinguir totalmente o direito individual dos fumantes ao livre uso de
cigarros e similares”, sustentou a entidade.
Para
a Abrasel, a lei promove verdadeira perseguição aos fumantes, já que,
ao proibir a existência dos “fumódromos”, pretende vedar que se fume
em qualquer lugar, o que significa adotar indiretamente uma proibição
geral de fumar.
A
Lei Antifumo (Lei 13.541) entra em vigor no dia 7 de agosto de 2009. A
partir desse dia, fumantes em São Paulo só poderão fumar em casa, em
quartos de hotéis e pousadas, em cultos religiosos em que os cigarros façam
parte do ritual, nas ruas e espaços ao ar livre. O Decreto 54.311, de
maio de 2009, institui a política estadual para o controle do fumo.
O
decreto pretende reduzir o risco de doenças provocadas pela exposição
à fumaça do tabaco, acabar com os fumantes passivos e criar ambientes de
uso coletivo livres do cigarro. O estado se compromete a fornecer informações
sobre o consumo de cigarros e oferecer assistência terapêutica e
medicamentos antitabagismo aos fumantes.
Os
comerciantes que se depararem com um cliente que se recusa a apagar o
cigarro podem chamar a Polícia, de acordo com o decreto, “para a
imediata retirada do fumante”. Com informações da Assessoria de
Imprensa do Supremo Tribunal Federal.
Fonte:
Conjur, de 13/05/2009
A
venda de precatórios e compensação de débitos
Podem
existir situações nas quais duas pessoas sejam, simultaneamente, credora
e devedora uma da outra. Em tais hipóteses, nosso sistema jurídico
permite que os respectivos créditos e débitos sejam objeto de compensação.
A compensação pode ser interpretada como uma espécie de acerto de
contas entre credores e devedores recíprocos, que acabam deixando de
praticar uma dúplice ação: a cobrança e o pagamento.
Quando
envolve obrigações entre particulares, a compensação é automática e
sua utilização praticamente não gera controvérsias (art. 368 do Código
Civil). No entanto, este entendimento torna-se discutível quando uma das
partes na relação é o Estado, o que atrai a incidência de normas
imperativas de direito público, as quais são, por sua natureza, indisponíveis.
Neste
contexto, um tema que vem despertando polêmica é o que trata da compensação
de débitos tributários próprios com créditos oriundos de precatórios
judiciais, muitas vezes adquiridos de terceiros, mediante cessão deste crédito.
Como
é sabido, o precatório é documento expedido após uma decisão judicial
definitiva, proferida em um processo no qual a fazenda pública foi
derrotada, garantindo ao seu titular direito de crédito em face do
respectivo ente. Com a condenação judicial e, havendo a liquidação da
sentença apurado seu quantum (valor), o juiz expede um ofício ao
presidente do tribunal comunicando seu montante e solicitando a ele que
requisite a quantia necessária ao pagamento do crédito.
Uma
vez efetuada a requisição por meio do presidente do tribunal, é obrigatória
a inclusão orçamentária de numerário suficiente para atender tais
pagamentos (art. 100, § 1º da CF/88). Se a inclusão se der até o dia 1º
de julho de cada ano, o pagamento deverá ser efetuado até o último dia
do ano seguinte. Se for após o dia 1º de julho, o precatório deverá
ser pago até o final do ano subsequente àquele em que foi efetuada a
requisição.
Ressalte-se
que existe uma ordem cronológica de pagamento, a fim de que se evite o
uso político dos precatórios ou o preterimento de credores mais antigos.
Ou seja, os primeiros créditos requisitados sempre terão preferência àqueles
credores mais recentes.
No
entanto, a prática mostra que há muito tempo a Fazenda Pública deixou
de cumprir suas obrigações e hoje está devendo muito além de sua
capacidade de pagamento. Registre-se que não é apenas o pagamento dos
precatórios que não tem sido feito. Com exceção da União, que vem
pagando seus precatórios em dia, a maior parte dos demais entes federados
sequer tem incluído os precatórios nas suas respectivas leis orçamentárias.
Mas
o motivo central desta inadimplência é político, posto que os governos
que se sucedem não objetivam pagar dívidas que “ficaram para trás”,
contraídas em mandatos anteriores. O objetivo é vincular os recursos públicos
apenas em “obras faraônicas”, que coloquem os governantes em evidência
para seu eleitorado.
Quem
acaba sofrendo com esta atitude eleitoreira é o credor do Estado, que
sofre grande desconforto e insegurança por possuir um crédito sem a mínima
previsão de recebimento. Diante desta terrível situação, ganhou espaço
um novo nicho de mercado: o da compra e venda de precatórios.
Nesta
situação, é comum o titular de um precatório já vencido “vender”
a uma terceira pessoa o seu crédito, através de uma escritura pública
de cessão. Mas, para efetuar este negócio, o cedente se vê obrigado a
conceder enormes descontos (deságio), caso queira abandonar a terrível e
famigerada “fila dos precatórios”.
Por
outro lado, o terceiro que possui débitos tributários adquire o crédito
de precatório com descontos significativos e, em seguida, tenta requerer
sua compensação na esfera administrativa ou, o que é mais comum,
judicialmente, face à reiterada resistência dos fiscos para sua aceitação.
Do
ponto de vista jurídico, entende-se firmemente que apenas as prestações
atrasadas de que trata o artigo 78 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (precatórios parcelados em até 10 anos) é
que podem servir para compensação tributária.
Para
estas hipóteses, é desinfluente a condicionante do artigo 170 do Código
Tributário Nacional (o qual exige lei específica do ente federado para
autorizar a compensação), pois é norma de hierarquia inferior que não
pode restringir onde a Constituição não o fez. Tanto o STF como o STJ têm
decidido de forma a conferir plena eficácia ao precitado dispositivo
constitucional.
No
entanto, é temerário tentar a compensação com créditos oriundos de
precatórios que não se subsumam ao que estabelece o artigo 78 do ADCT,
pois há entendimento do STF que em tais hipóteses ocorre efetivamente a
quebra da ordem cronológica prevista no artigo 100 da CF/88, já que
assim o beneficiário da compensação utilizará o crédito antes de
outras pessoas, titulares de precatórios mais antigos.
Outra
solução que tem sido reiteradamente aceita no Judiciário é a nomeação
a penhora destes créditos em sede de execução fiscal, ainda que o fisco
exequente não seja o próprio devedor do precatório. Com a formalização
da penhora, o contribuinte executado passa a ter o direito de se defender
(através dos Embargos à Execução) e, ao final, caso sucumbente, o
fisco fica sub-rogado no direito de crédito representado pelo precatório,
ocorrendo uma espécie de compensação indireta.
Esta
sistemática tem sido interpretada como uma maneira de “amenizar” o
problema dos precatórios. No entanto, aqueles que dela se utilizam têm
sido criticados em virtude do deságio que o cedente deve oferecer ao
cessionário.
Esse
raciocínio parte de uma falsa premissa e de um completo desconhecimento
dos princípios jurídicos que regem as relações entre Estado e seus
administrados. No âmbito privado, o artigo 5º, II da CF/88 é claro ao
dispor que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão
em virtude de lei. Como é cediço, não há nenhuma lei vedando a cessão
de créditos, seja qual for sua origem.
Ao
contrário, há um capítulo inteiro no Código Civil autorizando este negócio
jurídico (arts. 286 ao 298). No máximo, cabe ao prejudicado defender a
existência de alguma nulidade e/ou ilicitude do ato, por violação a
alguma das hipóteses do Código Civil (como o abuso de direito, por
exemplo, previsto no art. 187).
Com
efeito, a única conclusão restante é a de que o deságio na cessão de
créditos de precatórios tem por responsável exclusivamente o Estado,
pois este vem há anos desrespeitando flagrantemente as normas
constitucionais que obrigam a inclusão orçamentária dos precatórios e
o seu respectivo pagamento, conforme as regras acima especificadas.
Com
base nesta premissa do deságio, tramita no Senado um projeto de emenda
constitucional pelo qual o titular de um precatório receberá seu
pagamento tanto mais rápido quanto maior for o desconto que oferecer ao
ente devedor, ou ainda quanto menor for seu crédito. Ou seja, aqueles que
ganharam na justiça grandes condenações, em virtude de terem sofrido
grandes violações a seus direitos, vão ter que abdicar de parte
considerável de seus créditos se quiserem, em vida, “ver a cor do
dinheiro”.
Conforme
afirmou em entrevista à Gazeta Mercantil o ministro do STF Marco Aurélio
de Melo, a questão dos precatórios tem se convertido em um horrendo
“calote institucionalizado”[1]. Esta proposta, no entanto, vem
reiterar e legitimar este calote, violentando de forma irreversível
pedras fundamentais do Estado Democrático de Direito.
De
início, verifica-se grave ofensa ao manto protetor da coisa julgada. Mas
o pior não é isso. Esta proposta esconde em si a idéia absurda de que o
Estado pode ofender a vontade os direitos de todos porque posteriormente
terá como negociar vantajosos descontos para quitar sua responsabilidade
civil. Salta aos olhos pensar que o Senado pôde aceitar algo
juridicamente tão monstruoso.
Por
fim, triste é saber que o “ovo da serpente” nasceu onde o exemplo de
respeito à Constituição deveria ser o principal objetivo a ser seguido.
Caso esta proposta venha a ser aprovada — o que a bem do mínimo bom
senso sequer cogita-se acreditar — restará ao Poder Judiciário, mais
uma vez, zelar pelos princípios maiores que representam a última ratio
para o cidadão brasileiro.
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[1]
Gazeta Mercantil. Matéria: STF cobra o pagamento dos precatórios, publ.
10 de abril de 2000.
Fonte:
Conjur, de 13/05/2009
Previdência
de advogados vira desafio para Serra
Vence
daqui duas semanas o prazo para a gestão José Serra (PSDB) e entidades
representantes de advogados de São Paulo fecharem um acordo sobre o
futuro da Carteira de Previdência dos Advogados, administrada pelo
governo. Criada em 1970, ela tem hoje um patrimônio de R$ 1,1 bilhão,
3.500 aposentados e pensionistas e 32 mil contribuintes.
O
centro da discussão é um projeto de lei de autoria do governador que
propõe a extinção da carteira - que é privada e não conta com
recursos do Tesouro estadual - e a repartição de seu patrimônio entre
os segurados. O governo diz que a estrutura não pode mais ser gerida pelo
Estado por força das regras atuais da Previdência. "Faz 20 anos que
estão mudando as regras (da Previdência) e eles não ajustaram a
carteira", afirmou o diretor-presidente da São Paulo Previdência
(SPPrev), Carlos Henrique Flory, que cuida das aposentadorias dos
servidores públicos.
A
carteira, embora administrada pelo Estado, tem um conselho formado pela
OAB, Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e a Associação dos
Advogados de São Paulo (AASP), que é o responsável pelas adequações
à legislação.
"Esse
projeto é um desastre para a advocacia. Se não houver acordo, as
entidades vão entrar na Justiça", reage o presidente da OAB-SP,
Luiz Flávio Borges D?Urso.
O
embate entre governo e advogados começou no mês passado, quando o
projeto chegou à Assembleia Legislativa. A história de irregularidades
da carteira tem mais de 20 anos. Começou em 1988, quando a Constituição
proibiu o uso do salário mínimo para indexar aposentadorias. Até hoje,
a carteira atrela o benefício ao piso.
Onze
anos mais tarde, com a reforma da Previdência, novas regras foram
definidas e, de novo, a carteira não se ajustou. Pelas normas atuais, os
advogados devem ser segurados do Regime Geral da Previdência - o INSS.
Se
a carteira continuar sob gestão do governo, São Paulo corre o risco de
ver suspensos seus repasses de recursos federais. O prazo para resolver a
questão termina no dia 31.
AVAL
Uma
proposta de consenso formulada por deputados, governo e entidades da
categoria foi enviada ao Ministério da Previdência. O objetivo é obter
um aval para reformular e deixar a carteira sob gestão da SPPrev.
"Acredito
que na sexta (amanhã) ou segunda tenhamos uma resposta", disse o
presidente da Assembleia, Barros Munhoz (PSDB). "Se não houver
entendimento, vamos votar o projeto", afirmou o líder do governo,
Vaz de Lima (PSDB).
A
gestão Serra garante que há recursos na carteira para pagar os
aposentados e pensionistas. "Todos vão receber o capital suficiente
para, se aplicado em um plano de previdência privado, garantir o benefício
até o fim da vida", disse Flory. Os valores seriam de R$ 50 mil a
mais de R$ 450 mil. O que sobrar seria dividido entre os da ativa.
D?Urso
contesta: "Os números são de 2008. Hoje não dá para pagar
todos."
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 14/05/2009
Vergonha
permanente
PELA
TERCEIRA vez, utiliza-se emenda constitucional para prorrogar pagamentos
de precatórios, isto é, títulos que representam dívidas públicas
resultantes de condenação judicial. O precatório, por si só, já é um
calote. Só surge quando o poder público -União, Estados e municípios-
deixa de pagar dívidas e obriga credores a recorrer ao Judiciário, que,
como todos sabem, é o mais lento paraíso dos devedores em geral.
Essa
escandalosa mentalidade brasileira de não pagar o que deve e esperar a
condenação judicial foi consagrada pela Constituição, que assegurou a
liquidação dos precatórios em ordem cronológica. A regra está no
artigo 100.
Com
a Constituição de 1988, a Assembleia Constituinte editou uma regra
transitória que esticou um pouco mais o dever de pagar as dívidas objeto
de condenação judicial. No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
enfiou o artigo 33, que concedeu oito anos de prazo (oito prestações
anuais) para o pagamento dos precatórios que estivessem pendentes na data
da promulgação da Carta.
Concedeu-se
mais: as entidades devedoras poderiam emitir títulos da dívida pública
para pagar aqueles precatórios adiados. Foi uma farra. Alguns Estados e
municípios emitiram letras muito acima dos valores dos precatórios e saíram
por aí vendendo-as por dinheiro vivo aplicado por alguns investidores
incautos, que acreditavam em títulos públicos.
A
imoralidade resultou na CPI dos Precatórios, com escandalosos noticiários
de TV, rádios e jornais. Alguns espertos governantes das entidades
devedoras tiveram a ideia, diante do escândalo, de não pagar até os títulos
públicos emitidos para pagamento dos precatórios.
Alguns
tribunais de justiça estaduais (a letra minúscula é de propósito)
anularam os títulos e obrigaram os credores a propor ações ordinárias
para cobrarem outra vez os respectivos créditos. Mais 20 anos.
Resumindo
a ópera: alguns dos créditos de precatórios vencidos em 1988, adiados
por oito anos e transformados em letras dos Tesouros devedores, não foram
pagos até hoje.
Doze
anos depois, o Congresso editou nova emenda constitucional, enfiando, nas
disposições transitórias, o artigo 78, que deu aos precatórios, então
existentes na fila, mais dez anos para serem pagos em dez prestações
suaves e anuais. Teve o cuidado de ressalvar, desse escandaloso benefício,
os precatórios do artigo 33 e suas complementações.
Mas
desferiu o segundo permissivo de calote por meio de reforma
constitucional. Outra disposição constitucional transitória (artigo 86)
excluiu os precatórios de pequeno valor. O direito constitucional passou
a ser usado como instrumento de comércio.
Agora
já se prepara o terceiro calote. Por emenda apresentada pelo senador
Renan Calheiros (PMDB-AL) e aprovada pelo Senado no simbólico dia 1º de
abril, sob a velocidade da luz apagada, está-se introduzindo mais um
artigo nas disposições transitórias que dará aos devedores de precatórios
mais 15 anos de prazo. Façam as contas. Oito anos no primeiro calote, dez
no segundo e 15 no terceiro.
A
Constituição tem apenas 20 anos, mas os calotes nela introduzidos já
somam 33. E, com a teratológica situação de quem, há 20 anos, recebeu
títulos públicos para pagar os precatórios então existentes, teve que
entrar em juízo para cobrar esses títulos e receberá novos precatórios
com prazo de 15 anos. Ou aceita completar esses 35 anos ou terá que se
submeter a situações mais vexatórias, pois, desta vez, alteram-se as
disposições permanentes do artigo 100.
Estabelece-se,
agora, um mercado para os títulos, que os credores venderão com deságio.
Haverá o economista que o chamará de "unpaid debt trade". A
maluquice maior institui leilão para os credores. Em vez de fila cronológica,
pagar-se-á quem, no leilão, der maior desconto. O leilão também será
limitado, pois dependerá de percentual da receita do devedor.
Credor
de precatório que não concordar com o leilão vai para o fim da fila. A
emenda está na Câmara dos Deputados, que terá a oportunidade de salvar
a testada do Congresso Nacional. O escândalo de criar um mercado do
calote por meio de disposição constitucional é desmoralizar por
completo (vale o cacófato) o poder constituinte residual do Congresso.
Transforma-o
em poder desconstituinte dos mais elementares fundamentos da moralidade,
em que pese a pressão dos prefeitos e governadores para o Congresso
cometer mais este pecado mortal: usar o direito constitucional como
instrumento de assalto. Por meio de disposições transitórias,
institucionalizar uma vergonha permanente.
JOSÉ
SAULO PEREIRA RAMOS , 79, é advogado. Foi consultor-geral da República e
ministro da Justiça (governo Sarney). É autor do livro "Código da
Vida".
Fonte:
Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, de 14/05/2009