Defensoria de São Paulo
nomeia 120 servidores
A Defensoria Pública de São Paulo vai nomear 120 servidores
na quinta-feira (15/01). Os novos oficiais, aprovados no I Concurso feito
pela instituição, devem ocupar 104 cargos que antes eram comissionados.
A função dos oficiais será auxiliar defensores públicos nas
áreas administrativa e de atendimento ao público. A jornada de trabalho é de
40 horas semanais e o salário inicial é R$ 1,1 mil.
No dia da posse, eles escolherão as vagas de atuação.
Depois, deverão passar por treinamento. O início da atuação está previsto já
para esta sexta (16/1).
Com a contratação de novos funcionários, a Defensoria
encerra o empréstimo de 67 servidores da Procuradoria-Geral do Estado (PGE),
que durou três anos.
Fonte:
Conjur, de 14/01/2009
Carteira dos Advogados: um tema caro para a Classe
Há muitos anos alguns especialistas da área do Direito
Previdenciário previam que a Carteira de Previdência dos Advogados poderia
tornar-se inexeqüível. Muitos deles defendiam a tese de que a Carteira teria
que ser fechada, porque quanto mais pessoas entrassem, pior seria. Contudo,
ela permaneceu aberta e continuou o incentivo para que novos contribuintes
passassem a integrá-la, o que, de certo modo, agravou ainda mais a sua
situação. Cálculos atuariais feitos àquela época já apontavam alguns
problemas, sendo o principal deles o acompanhamento puro e simples do
reajuste da Carteira pelo salário mínimo, quando nenhum plano de previdência
tem seu reajuste com base nesse índice.
Tudo isso foi agravado em 2003, com a Lei 11.608, que
deixou de destinar 17,5% do total da arrecadação das custas judiciais,
representando perda de 80% da arrecadação de receita da Carteira. Quando
veio a lei, a advocacia deveria ter entrado imediatamente com uma ação na
Justiça questionando como é que o Estado tira a principal fonte de custeio
da Carteira e não coloca outra no lugar. Nada foi feito e a situação, que
era difícil, tornou-se inviável. Mas onde estavam as entidades que nos
representam? Por que nada fizeram? Haveria interesse de uma migração em
massa para as OABPrevs? Por que os dirigentes das entidades de Classe não
convocaram imediatamente os especialistas
em Direito Previdenciário
que compõem seus conselhos e comissões para debaterem o tema à exaustão?
Afinal, este sério problema atingia em cheio a vida de 34 mil advogados e
suas famílias, muitos deles contribuintes da Carteira há anos, tendo nela
sua tábua de salvação para uma aposentadoria mais digna.
Outro problema veio algum tempo depois: a decretação do fim
do Ipesp, que deverá ser extinto em junho do próximo ano (em conformidade
com a Lei Complementar 1.010, mesma lei que criou o São Paulo Previdência —
SPPrev). Assunto preocupante, na exata medida em que deixa no ar a pergunta:
quem vai gerir a Carteira dos Advogados com o fim do Instituto?
Só mais recentemente, quatro ou cinco anos depois do
derradeiro golpe desferido contra a Carteira, foi que surgiram algumas
sugestões mais concretas por parte de lideranças da categoria. Fala-se na
possibilidade de negociação com o governo do estado para que ele assuma a
gestão da carteira; em aprovar na Assembléia Legislativa lei que prorrogue o
funcionamento do Ipesp; e na entrega da gestão da Carteira para a Secretaria
da Fazenda.
A extinção do Ipesp exigirá, é claro, a constituição de um
gestor para a Carteira, que deverá ser definido pelas entidades de Classe.
Embora não seja especialista na área previdenciária, mas
dada a importância do tema para a Classe, ouso fazer aqui algumas sugestões:
constituição de um Conselho formado por aqueles que conhecem o assunto em
profundidade para que estudem a situação e tirem desse encontro um documento
que deverá ser apresentado à Classe com indicações dos caminhos a serem
seguidos para solucionar o problema (levando em consideração os excelentes
pareceres dos professores Wagner Balera, Arnold Wald e Adilson Dallari); que
consideremos a possibilidade de terceirização da gestão da Carteira e da
portabilidade para seus integrantes. Sendo que o mais importante é não
deixarmos, sob hipótese nenhuma, a Carteira nas mãos do Estado, pois creio
que basta a triste experiência que estamos vivenciando.
É importante também que as entidades responsáveis pelos
destinos da Carteira, que sempre tiveram assento
em seu Conselho, mantenham os advogados informados sobre suas decisões, iniciativas,
ações, encontros e reuniões, utilizando-se para isso exaustivamente dos
veículos próprios da categoria, para que se evite desse modo o uso político
da situação, e também não se crie um ambiente de expectativa e preocupação
para os advogados contribuintes, além daquelas que já os sobrecarregam no
dia-a-dia do exercício profissional.
Rui Celso Reali Fragoso advogado, ex-presidente do
Instituto dos Advogados de São Paulo, ex-Conselheiro da OAB-SP, ex-Diretor
da Faculdade de Direito da FMU-SP .
Fonte:
Conjur, de 14/01/2009
Supremo deverá barrar lei da videoconferência
O presidente da República, mesmo em descanso, sancionou,
transformando em lei, o projeto que previa a possibilidade de realização de
interrogatório e outros atos processuais por sistema de videoconferência
(Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009). A lei entra em vigor na data da
publicação, ou seja, no dia 9 de janeiro do ano corrente.
O projeto original advém do deputado paulista Carlos
Sampaio, ilustre membro do Ministério Público. Era seco. Durante a
tramitação, foi recebendo emendas, transformando-se no texto final aprovado.
Atende-se, com a publicação da lei nova, a reivindicação emanada sobretudo
do estado de São Paulo, sabendo-se que já houve, nos setores competentes,
provisão adequada a que o instrumental apto a videoconferências seja posto a
funcionar na plenitude, havendo, é certo, experiências postas aqui e ali em
uma ou outra vara criminal da capital do Estado. Há, nos debates, vozes
entusiasmadas defendendo a implantação definitiva da novidade, nisto
sobressaindo, na classe dos advogados, o culto ex-juiz Luiz Flávio Gomes,
provavelmente habituado ao valimento da mídia eletrônica, pois trabalha
habitualmente com o sistema (cursos virtuais).
Já houve oportunidade de experiência prática do sistema,
destacando-se a ação penal número 977/2006, da 13ª Vara Criminal de São
Paulo. Houve, no transcurso da audiência feita pelo método de
videoconferência, episódio tragicômico, porque o técnico encarregado da
aparelhagem, irritadíssimo, queria proibir o advogado de se movimentar, pois
o causídico escapava à angulação das lentes. No contexto, os réus a serem
interrogados se encontravam recolhidos em local diverso. Seus advogados
estavam, fisicamente, próximos do juiz. Havia um telefone à disposição para
que o defensor e seu constituinte se comunicassem. Aquilo tudo funcionava
sinuosamente, assemelhando-se a uma ficção. Daí o uso, hoje corrente, da
expressão “virtualidade”.
Poderia haver, em alternativa, a hipótese de o advogado
estar no presídio, com o réu, correndo o ato de interrogatório e a própria
instrução criminal a seiscentos ou mais quilômetros de distância,
afastando-se o juiz do acusado e do defensor em igual dimensão. Mais ainda,
encerrado o defensor nos limites do presídio, ficaria o mesmo privado de
consultar os autos. Há muito, desde o surgimento da tentativa de inovação,
os subscritores se põem contra a mesma, entendendo-a inconstitucional,
porque, no frigir dos ovos, havia e há violação do artigo 5º, inciso LV, da
Carta Magna.
Aliás, há várias medidas em tramitação no Supremo Tribunal
Federal e no Superior Tribunal de Justiça visando a demonstração de ofensa
incidental à Constituição brasileira. Enquanto a disputa se acirrava no
Poder Judiciário, o projeto de lei respectivo tramitava, assumindo, agora,
forma impositiva, prevendo que o interrogatório de réu preso possa ser
realizado em sala própria no estabelecimento em que estiver recolhido, desde
que esteja garantida a segurança do juiz, do membro do Ministério Público e
dos auxiliares, bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.
Isso está no parágrafo 1º do artigo 185 do Código de
Processo Penal, assim modificado. Bem examinada, a previsão referida é
saudável, pois leva o juiz a um contato mais íntimo com o réu e com o
cárcere, conhecendo-se a dificuldade existente na concretização de tal
proximidade. De certa maneira a inovação estimularia o princípio da
imediatidade, circunstância posta hoje objetivamente na Lei 11.719/08, mas
de duvidosa execução, porque sempre se encontrará, no meio tempo, uma forma
de suavisação da exigência, como tudo o que acontece no trato das garantias
individuais.
O parágrafo 2º do artigo 185, posto na lei nova, permite ao
juiz realizar, por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico
de transmissão de sons e imagens em tempo real, o interrogatório de réu
preso, desde que se pretenda prevenir risco à segurança pública quando
exista fundada suspeita de que o réu preso integre organização criminosa ou
de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento
Há outra hipótese para a opção, ou seja, aquela de se
viabilizar a participação do réu no interrogatório se houver dificuldade
relevante para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra
circunstância pessoal. Uma outra alternativa: impedir a influência do réu no
ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o
depoimento destas por videoconferência, nos termos do artigo 217 deste
Código.
Por fim, há outra situação hipotética, consistente em texto
esquisitíssimo: “... responde a gravíssima questão de ordem pública”. Quanto
a tal dispositivo, pode-se entender que haja a preocupação de repercussões
do fato na comunidade. Melhor explicação não há. Vale apenas, por enquanto,
o horror deixado nos comentaristas pela extravagante crase posta no texto:
“... responde à gravíssima questão de ordem pública”. Frente a tal
excrescência, os subscritores conferiram o texto no Diário Oficial da União,
verificando que o sinal gráfico ali está, lancetando o vernáculo.
Obviamente, não compete ao Presidente da República verificar a exatidão do
texto que subscreve, mormente estando em merecido descanso em paradisíacas
praias brasileiras. Tocante à Lei 11.900, teria apenas determinado que sua
assinatura eletrônica fosse aposta, merecendo lembrar que, embora sendo bom
criador de metáforas, o dignatário não tem na gramática sua maior qualidade.
Suas virtudes, de resto bem conhecidas, sobressaem com vantagem.
O parágrafo 3º do artigo 185 permite ao réu preso, quando
for interrogado por videoconferência, acompanhar, pelo mesmo sistema, a
realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de
que tratam os artigos 400, 401 e 531 deste Código. Note-se a particularidade
consubstanciada em “poderá acompanhar”. Isso significa que o recluso também
pode não acompanhar, não se sabendo como, cuidando-se o interrogatório de
meio de defesa e exercendo o réu, este sim a atividade defensiva, sendo o
advogado um mero intérprete de tal comportamento, pode o acusado ser
dispensado de tal participação. Na verdade, é da antiga jurisprudência que o
réu preso precisa ser requisitado para acompanhar os atos de instrução.
Aqui, o tratamento outorgado à indispensabilidade da presença do réu
significa claramente que o acusado, no contexto, se torna um pacote incômodo
que a lei, astutamente, procura colocar numa gaveta empoeirada,
prosseguindo-se, pragmaticamente, na tramitação do procedimento.
No parágrafo 5º do artigo
185, a lei prevê a
garantia ao réu do direito de entrevista prévia e reservada com seu
defensor, prevendo-se, se realizado o ato por videoconferência, o direito a
acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que
esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do fórum e
entre este e o preso. Cuida-se de escrito com interpretação nebulosíssima
porque, em princípio, o texto parece afirmar que a comunicação telefônica se
faria entre um advogado presente à audiência e outro posto no presídio e, em
seqüência, uma comunicação entre o último advogado e o preso. Dentro desta
alternativa, o recluso teria um defensor no presídio a ouvi-lo e outro
advogado na audiência, comunicando-se os dois causídicos para depois — e só
depois — o último preposto entrar em comunicação com o réu. Isto é cômico.
Não se preocuparam os subscritores em saber qual foi o autor da
extravagância, mas a hermenêutica judicial há de ter trabalho insano para
assentar a inteligência do texto. Um esforço sincero de análise do teor do
parágrafo referido pode levar à conclusão de que deve haver um advogado
junto ao acusado, no presídio, e outro defensor no fórum, ambos cuidando da
atividade defensiva, servindo o primeiro de intermediário entre o recluso e
o segundo causídico. Os atos de comunicação seriam consubstanciados por uma
linha telefônica reservada aos advogados e, obviamente, ao réu ausente, numa
espécie de telefone vermelho.
Nas contingências do momento histórico vertente, com
advogados sendo espiolhados nos parlatórios e nas comunicações com clientes,
dificilmente um defensor terá tranqüilidade suficiente para se comunicar com
o réu preso durante a instrução criminal, mesmo havendo garantia de
manutenção da intimidade. Infelizmente, e independendo mesmo da
confiabilidade que o Poder Judiciário pode e deve ter, há uma expressão
popular afirmando que “gato escaldado não põe a pata em água quente”. É
trágico, é dramático até, mas é peculiaridade que precisa ser muito bem
assentada dentro da verrumação do texto questionado.
Os parágrafos sexto, sétimo e oitavo da lei nova cuidam, o
primeiro, de fiscalização do sistema pelos juízes, pelo Ministério Público e
pela Ordem dos Advogados; o segundo admite a requisição de réu na hipótese
de não se realizar o ato por videoconferência; o terceiro amplia a
videoconferência, permitindo-lhe a aplicação nas acareações, reconhecimento
de pessoas e coisas ou inquirições. O parágrafo 9º garante ao acusado e seu
defensor o acompanhamento dos atos processuais.
A alteração do artigo 222 do Código de Processo em vigor
foi sancionada com dois vetos e promulgação do parágrafo 3º. Este, cuidando
da oitiva da testemunha por carta precatória, admite a consumação via
videoconferência, havendo aquilo que o intérprete pode classificar como ato
de benevolência do legislador, afirmando-se que “é permitida a presença do
defensor”. Prevê-se a possibilidade de realização da videoconferência por
precatória no entremeio da realização da audiência de instrução e
julgamento. Pretendeu-se, no contexto da lei nova, enfrentar, em atividade
processual manquitolante, as modificações trazidas pela Lei 11.719, enquanto
se pretende, ali, a concentração do procedimento numa audiência só.
No entretempo, prevêem os subscritores desta síntese uma
tarefa hercúlea a ser desenvolvida na Suprema Corte. Percebe-se, na verdade,
que o Supremo Tribunal Federal tem, hoje, sobremaneira, a missão de manter
os paradigmas estipulados na Constituição Federal. O Estado Democrático de
Direito tem seus termômetros balizados, sobretudo, nos indicadores do
tratamento outorgado ao Direito Penal e ao procedimento persecutório. Sempre
foi assim. Quando se pretende saber qual a vocação democrática ou
autoritária de uma nação, pesquisa-se a maneira pela qual as perseguições
são materializadas e a atividade defensiva é garantida.
O Estado brasileiro vem correndo muito sério risco de
desequilibrar, ideológica e concretamente, as relações entre o Poder e a
cidadania. Verifica-se isso com a investida irada contra as garantias
constitucionalmente outorgadas ao cidadão, desviando-se a perseguição
reiteradamente no descarnamento da intangibilidade do advogado enquanto se
laceia, com enorme dose de falta de vergonha, a imaculabilidade do segredo
profissional.
O Brasil, nesta peculiaridade, vai muito mal. Tocante ao
aspecto ideológico, o próprio cidadão foi convencido de que circunstâncias
ligadas a uma ou outra hipótese acusatória podem justificar a restrição às
prerrogativas constitucionalmente asseguradas, instilando-se entre os
próprios juristas, muito deles respeitados, o veneno do denominado “Direito
Penal do Inimigo” ou, para alguns, o sinônimo de “Direito Penal do Autor”.
Isso é coisa velha. Vem, entre outras ideologias corrosivas, do
neo-socialismo nazi-fascista. Os jovens juristas brasileiros correm,
inclusive, risco sério de contaminação dessa vertente significativa de um
vitupério ao Direito Penal clássico.
As observações derradeiras se entranham nas justificativas
postas no próprio projeto de origem. Admite-se, ali, que o Estado-Acusação
não tem meios materiais para a imposição de celeridade aos processos,
resultando disso relaxamentos de prisão e prejuízo sobre o acusado. A
admissão de tais defeitos transforma o Estado, sim, em ativador de uma outra
espécie de auto-delinqüência (pessoas jurídicas se alheiam ao Direito
Penal), porque o retardamento do trato dos direitos do preso constitui, o
mais das vezes, exercício arbitrário de função pública ou abuso de poder.
Não pode a autoridade exigir comportamento adequado dos
jurisdicionados enquanto se comporta com agressão aberta e direta à própria
lei que lhe delimita a atividade persecutória. Angustiadamente, percebem os
intérpretes que o conflito entre o perseguidor e o perseguido transforma uns
e outros em duas classes de infratores, empunhando cada qual a bandeira de
uma cor diversa. Resta à Suprema Corte, insista-se, encargo poucas vezes
divisado na história da nação, ônus este que vem sendo cumprido com imensa
galhardia, resistindo os ministros a agressões insidiosas e tentativas
fortíssimas de denegrimento da toga dos juízes, agressões estas advindas,
agora, de um ou outro legislador ansioso por quebrar, insanamente, a
vitaliciedade dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
A legislação correspondente à videoconferência é exemplo
típico da confissão de negligência no tratamento outorgado aos presos
brasileiros. Nunca, no Brasil, houve porcentagem maior de condenações em
alternativas atinentes a crimes graves.
O Poder Judiciário brasileiro, ressalvadas exceções que,
por serem exceções, são minoritárias, tem na conduta jurisdicional,
seguidamente, o influxo do medo. Alguém já afirmou – os subscritores não se
lembram de quem foi – que o medo incha como o almoço desavisado ou vinho de
má estirpe. O medo da crítica, o pavor da investida desonrosa, o receio da
increpação de má-conduta é dos piores defeitos que o magistrado pode ter.
Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal tem comportamento absolutamente
imaculado. Dentro da advocacia criminal, advogados e juízes não podem ser
ligados por laços outros que não sejam o respeito mútuo, a elegância e a
educação.
Em outros termos, as relações entre uns e outros nem sempre
são cordiais. Vale, entretanto, a análise externa da forma pela qual os
magistrados se apresentam à coletividade. Já se disse isso e já se escreveu
outro tanto na literatura atinente à espécie. Agora, repita-se, a Suprema
Corte brasileira desenvolve com extrema proficiência a tarefa de manter
intocados os pressupostos que fazem da nação um Estado Democrático de
Direito e não servo do autoritarismo insuflado pelos ares de padrões
advindos do Velho Mundo. Um dos sintomas do combate é, certamente, a lei que
instituiu a videoconferência. O Supremo Tribunal Federal saberá lidar com
isso. Para melhor interpretação do conflito jurisprudencial existente,
leia-se o Habeas Corpus 88.914-0, de São Paulo, sendo relator o ministro
Cezar Peluso e impetrante a advogada Patrícia Helena Massa Arzabe.
Paulo Sérgio Leite
Fernandes é advogado criminalista em São Paulo.
Rogério Seguins
Martins Junior Advogado criminalista
Fonte:
Conjur, de 14/01/2009
Defensoria Pública, três anos
Neste último dia 9 de janeiro, comemorou-se o terceiro ano
da criação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, pela promulgação da
Lei Complementar Estadual nº 988/2006. Fruto da luta de centenas de
entidades da sociedade civil, iniciada em
2002, a criação da
Defensoria em São Paulo veio suprir a omissão do Estado, que, após 18 anos da Constituição
federal, era a antepenúltima Unidade da Federação que ainda não havia criado
a instituição responsável pela prestação de assistência jurídica às pessoas
carentes.
A demora, ao menos, permitiu que a lei afinal aprovada
fosse a mais avançada do Brasil, criando não apenas um "escritório de
advocacia para pobres", mas um órgão preocupado com o fortalecimento da
cidadania das pessoas. É com este espírito que a Defensoria tem como missão
o ensino e a conscientização da população excluída sobre seus direitos,
realizando orientação preventiva com vista à prevenção de conflitos, bem
como prestar atendimento interdisciplinar, procurando enfrentar os problemas
vividos pelas pessoas não apenas na sua faceta jurídica, mas também social e
psicológica, além de atuar na defesa coletiva dos grupos sociais
vulneráveis, inclusive por meio de ação civil pública nos casos em que as
violações são graves e atingem grande número de cidadãos.
Por outro lado, a Defensoria de São Paulo apresentou-se
como a mais moderna e transparente instituição jurídica do País, pois criou
inéditos mecanismos de participação da sociedade civil na sua gestão e
fiscalização. É o primeiro órgão jurídico do Brasil - seja tribunal,
Ministério Público ou qualquer outro - a ter uma Ouvidoria ocupada por
pessoa de fora da carreira, indicada por entidades de direitos humanos para
participar da gestão da instituição e da fiscalização da qualidade dos
serviços prestados. A Ouvidoria conta com assento permanente no Conselho
Superior do órgão e recebe e encaminha críticas e sugestões dos usuários e
da sociedade. O plano anual de atuação da Defensoria Pública - que define a
estratégia e as metas de atuação da instituição e norteia também sua
proposta orçamentária - é instituído a partir de conferências regionais e
estadual, realizadas a cada dois anos, que envolvem os defensores públicos e
um sem-número de entidades organizadas e cidadãos.
Mas a Lei 988/2006 não criou a Defensoria Pública do sonho
dos paulistas. Compreendendo-se que se dá um passo de cada vez, a sociedade
civil paulista comemorou a aprovação da referida lei mesmo sabendo que o
número de defensores nela previsto - 400 - era extremamente insuficiente
para atender à demanda de todo o Estado, que tem cerca de 2.200 juízes e
desembargadores e 1.700 promotores e procuradores de Justiça, nas suas mais
de 360 comarcas. Acreditou-se, naquela época, que o governo do Estado iria,
paulatinamente, ampliando o número de defensores, bem como igualando seus
vencimentos aos níveis das demais carreiras jurídicas estaduais.
Infelizmente, o governo José Serra, que se iniciou em 2007,
quando a Defensoria estava completando um ano, não honrou essa expectativa.
Hoje, os 400 defensores públicos do Estado nem sequer conseguem dar conta de
todos os processos nas 22 cidades em que estão presentes. Nas demais
cidades, a Defensoria é obrigada a custear um convênio firmado pelo governo
do Estado há cerca de 20 anos, para pagar advogados particulares que aceitam
defender as pessoas pobres. Esse convênio tem custado, em média, quase R$
300 milhões por ano, enquanto o salário dos 400 defensores não chega a um
sexto disso. Em outras palavras, com esses R$ 300 milhões seria possível
designar o número necessário de defensores públicos em cada comarca do
Estado e ainda se economizaria dinheiro público. Mas a criação de cargos de
defensor público é ainda de competência exclusiva do governador, que, sem
apresentar nenhuma justificativa, simplesmente ignora um anteprojeto enviado
pela Defensoria desde maio de 2008 prevendo a criação gradual de meros cem
cargos de defensor por ano, pelos próximos quatro anos. Sem mais cargos, a
Defensoria permanece nesse círculo vicioso, no qual não pode ampliar seus
serviços e tem de gastar cada vez mais dinheiro com o convênio com a OAB-SP.
É assim que se "comemoram" os três anos da Defensoria
Pública, que, apesar do avanço da idade, mantém o mesmo tamanho dos anos
anteriores - o mesmo, não, porque também tem sofrido com a saída constante
de defensores públicos recém-nomeados. Nestes três anos, já se evadiram
quase 80 ingressos, cerca de 20% da carreira, que procuram outros concursos
com salários melhores, pois um defensor público ganha menos de um terço que
um juiz ou promotor e metade do que ganha um procurador do Estado.
A Defensoria Pública tem muito a mostrar e a comemorar
nestes três anos, como inúmeras ações judiciais coletivas garantindo o
direito a creche de milhares de crianças e impedindo o despejo abrupto de
milhares de famílias; a atuação extrajudicial no caso da cratera do Metrô
em São Paulo, que beneficiou quase todas as famílias atingidas; sem contar que 75%
dos habeas-corpus concedidos pelo Superior Tribunal de Justiça foram
impetrados por defensores públicos paulistas.
Enquanto não houver ao menos um defensor público em cada
comarca do Estado, atuando ao lado dos juízes e promotores, o valor do
acesso universal à Justiça se manterá inalcançável. Há ainda pouco a
comemorar quando as pessoas pobres que moram em 93% das comarcas do Estado
nunca viram - nem vão ver tão logo - um defensor público na frente.
Antonio José
Maffezzoli Leite, defensor público, ex-terceiro subdefensor-geral do Estado
(2006-2007), foi coordenador do Movimento pela Criação da Defensoria Pública
em São Paulo
Alberto Silva Franco,
desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi presidente
do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
Fonte:
Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 14/01/2009 |