APESP

 

 

 

 

 

Caixa de Assistência rejeita verbas do Ipesp

 

As entidades de advocacia de São Paulo protestam contra o projeto do governador José Serra que extingue a carteira de previdência dos advogados. O Projeto de Lei 236/09, do Executivo, foi apresentado em abril à Assembleia Legislativa, surpreendendo as associações que negociavam a manutenção dos pagamentos com o governo e já tinham como garantida a carteira.

 

O projeto prevê que, extinta a previdência exclusiva da classe, o saldo de ativos não reclamados pelos segurados inscritos será revertido para a Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (Caasp). Em nota pública, porém, os presidentes da Caasp, Sidney Uliris Bortolato Alves, e da seccional paulista da OAB, Luiz Flávio Borges D’Urso, repudiaram a solução.

 

“Tanto a Caasp quanto a OAB-SP jamais pleitearam tais recursos por entenderem que os mesmos são de absoluto direito dos advogados que contribuíram pensando em sua aposentadoria”, diz a nota. Segundo o PL 236/09, depois que a carteira for extinta, os 30 mil segurados terão 30 dias para reclamar a parte que cabe a cada um dos ativos acumulados das contribuições. Hoje, o valor chega a quase R$ 1 bilhão.

 

Depois da ducha de água fria no mês passado, a OAB-SP, o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e a Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) negociam com os deputados estaduais mudanças no projeto original do governo. Os acertos são guardados a sete chaves, mas a previsão é que uma definição saia até o dia 12 de maio.

 

Hoje numa função próxima à de previdência complementar, a Carteira de Previdência dos advogados foi criada em 1959 pelo governo estadual para ser sustentada pelas contribuições dos segurados e por parte das taxas judiciais recolhidas nos processos. O drama começou em 2003, quando a Lei Estadual 11.608 acabou com o repasse das taxas da Justiça à carteira — equivalentes a 85% das fontes de custeio — e a colocou a caminho do défict. A Emenda Constitucional 45/04, chamada de Reforma do Judiciário, deu o golpe de misericórdia ao cravar que o Judiciário é o único destinatário legítimo das custas judiciais recolhidas.

 

Como se não bastassem os problemas de liquidez, em 2007, a carteira perdeu ainda seu administrador, o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo (Ipesp). A Lei Complementar 1.010/07 determinou a extinção do instituto, que deve ser substituído pela São Paulo Previdência (SPPrev). Porém, a norma não atribuiu à sucessora a gerência da carteira, colocando os advogados aposentados e os que ainda contribuem numa contagem regressiva para a perda dos benefícios a que têm direito. A data marcada para o fim do Ipesp é o dia 1º de junho, quando vence o prazo de dois anos para que a SPPrev seja implantada.

 

Com o fim da carteira, as reservas atuais, de mais de R$ 930 milhões, serão divididas entre os 32,1 mil inscritos ativos e os 3,4 mil aposentados e pensionistas. O projeto prevê que a distribuição entre os inativos varie de R$ 50 mil até mais de R$ 450 mil. Os segurados ativos teriam valores de R$ 5 mil até mais de R$ 30 mil. Desde janeiro do ano passado, o Ipesp impede que novas inscrições sejam feitas.

 

Com a perda de 85% de suas fontes de custeio em 2003, depois do fim do repasse de 17,5% das taxas judiciárias, a carteira está em contagem regressiva para incinerar um caixa de R$ 1 bilhão e se tornar deficitária. Segundo estudo atuarial entregue pela Fundação Universa, de Brasília, a arrecadação de R$ 4,5 milhões não aguentará a despesa de R$ 6,2 milhões com benefícios pagos e, em 2019, passará a ter um défict de R$ 223,5 mil (clique aqui para ver o estudo).

 

De acordo com o estudo encomendado pelas entidades da advocacia paulista, mantidas as atuais condições de manutenção da carteira, a previdência dos advogados se tornará deficitária a partir de 2019, quando todo o caixa acumulado terá sido usado para a quitação dos benefícios, deixando um saldo negativo de R$ 223,5 mil. A arrecadação de contribuições terminaria em 2043, quando todos os beneficiários ativos passariam à condição de inativos, aumentando os gastos e reduzindo as fontes de recursos da carteira. O ciclo só começaria a regredir após 2050, quando o custo passaria a cair, conforme os segurados fossem morrendo. Mas a obrigação só zeraria depois de 2090, deixando um passivo de R$ 78,6 milhões.

 

Leia abaixo a nota pública da Caasp e da OAB-SP.

 

Nota Oficial

 

O Projeto de Lei 236/09, que extingue e liquida a Carteira dos Advogados do Ipesp, enviado unilateralmente pelo Governo do Estado de São Paulo à Assembléia Legislativa às vésperas do feriado da Páscoa e já repudiado publicamente pelas entidades representativas dos advogados, o que fez cessarem as negociações para solucionar o problema, de forma aleatória em seu Artigo 6º.  dispõe do dinheiro da advocacia a seu bel prazer.

 

O referido artigo estabelece que, uma vez liquidada a Carteira, os valores devidos não reclamados pelos beneficiários em até 30 dias após sua disponibilização administrativa serão destinados à CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo), o que é um absurdo. Cabe esclarecer que tanto a CAASP quanto a OAB-SP jamais pleitearam tais recursos por entenderem que os mesmos são de absoluto direito dos advogados que contribuíram pensando em sua aposentadoria. Em hipótese alguma a CAASP ou a OAB-SP aceitarão a posse de recursos que deveriam, como define a lei, ser diretamente destinados à aposentadoria dos advogados.

 

Unidas como em todas as ações empreendidas nesta gestão, a Caixa e a Ordem continuarão agindo contra a aprovação do PL 236/09 em sua totalidade, tomando as medidas judiciais necessárias para a defesa dos direitos dos advogados inscritos na Carteira do Ipesp.

 

Sidney Uliris Bortolato Alves - Presidente da CAASP

 

Luiz Flávio Borges D’Urso - Presidente da OAB-SP

 

Fonte: Conjur, de 9/05/2009

 

 

 

AGU processa Metrô e Via Amarela por negligência

 

A Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com processo na Justiça Federal contra o Metrô de São Paulo e o Consórcio Via Amarela (CVA) por suspeita de negligência com a segurança no trabalho nas obras de construção das futuras Estações Pinheiros e Oscar Freire da Linha 4-Amarela. São cobradas duas indenizações que somam R$ 1,05 milhão para ressarcir o INSS dos gastos com quatro trabalhadores mortos nas duas frentes de obras.

 

Em janeiro de 2007, ocorreu um desabamento no canteiro de Pinheiros, que matou sete pessoas. A Procuradoria da República encontrou falhas de segurança no local e utilizou como base para o processo a ação criminal já movida pelo promotor Arnaldo Hossepian Júnior, do Ministério Público Estadual de São Paulo. São requeridos R$ 850 mil para as vítimas Francisco Sabino Torres, Reinaldo Aparecido Leite e Wescley Adriano da Silva.

 

Na outra parte da obra, na Oscar Freire, são pedidos R$ 200 mil para o operário José Alves de Souza, que morreu em acidente em outubro de 2006. Todos os valores levam em consideração o tempo de vida que essas pessoas poderiam ter e os benefícios que deveriam auferir ao longo da vida.

 

Os dois processos contra Metrô e CVA integram uma ampla ação da AGU para recuperar cerca de R$ 55 milhões pagos pelo INSS para trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho em empresas que não teriam respeitado as normas de segurança previstas em lei no período entre 2007 e 2008. Desde a semana passada, a Advocacia abriu 341 processos no total, em todos os Estados brasileiros, a maioria nos setores de construção civil e do agronegócio. "Criamos uma força-tarefa para ajuizar esses processos. São 140 procuradores no País inteiro. Só na capital de São Paulo são quatro", conta Albert Caravaca, coordenador-geral de Cobrança e Recuperação de Créditos.

 

"A Lei 8.213/91 estabelece que, nos casos de negligência quanto às normas de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis. Encaminho levantamento dessas ações por unidades da Federação, regiões e setores da economia que mais provocaram ações da AGU", diz nota da organização federal.

 

O Consórcio Via Amarela informa por nota que somente irá se manifestar quando, e se, for oficialmente notificado pela AGU. Também por nota enviada por sua Assessoria de Imprensa, a Companhia do Metropolitano de São Paulo informa que aguarda a manifestação da Advocacia-Geral da União para qualquer esclarecimento. "Com relação ao acorrido em 2007, o Metrô esclarece que os poucos casos nos quais não houve acordo entre as famílias estão sendo discutidos perante o Poder Judiciário."

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 9/05/2009

 

 

 

Lei anti-fumo é contestada na Justiça

 

Duas entidades que representam bares e restaurantes recorreram ontem à Justiça para barrar a lei anti-fumo em São Paulo. Juntas, pedem que mais de 300 mil estabelecimentos em todo o Estado não sejam atingidos pela fiscalização. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE), órgão que defende o governo das ações, afirmou que até as 19 horas não havia sido comunicada oficialmente da ação.

 

Percival Maricato, diretor da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), recorreu à Vara da Fazenda com um mandado de segurança, solicitando que os cerca de 500 associados não sejam obrigados a banir o fumo. "Alegamos que a lei estadual é inconstitucional", afirmou. Em nome da Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi), Marcos Vinicius Rosa fez o mesmo pedido à Vara da Fazenda Pública para os 300 mil filiados (sindicatos e estabelecimentos). "Não há como existir uma lei estadual que exija esse tipo de restrição, quando já existe uma lei federal que prevê o fumódromo", rebateu.

 

Anteontem, dia da sanção da lei restritiva ao uso do tabaco, o governo de São Paulo afirmou ser previsível "uma guerrilha jurídica" contestando a lei. Por isso, tanto a PGE quanto a Secretaria de Justiça afirmaram estar preparadas para o enfrentamento. Apesar da publicação no Diário Oficial do Estado desta sexta-feira, o governo prevê que uma regulação para "operacionalizar a fiscalização" saia em 90 dias. As multas só serão aplicadas em agosto.

 

Em Campinas, o governador José Serra afirmou estar seguro quanto à constitucionalidade da lei anti-fumo. A declaração foi dada no encerramento do 18º Congresso de Presidentes, Provedores, Diretores e Administradores Hospitalares de Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo. Serra aproveitou para comentar as opiniões de especialistas, como Ives Gandra Martins, que consideraram a lei "inconstitucional". "Estamos com uma segurança jurídica muito grande. Agora: é direito daqueles que são a favor do cigarro entrar na Justiça. Aqueles que acham que os não-fumantes devem fumar indiretamente podem entrar na Justiça."

 

Mais cedo, em Araçatuba, Serra já havia criticado o noticiário sobre a sanção, por considerá-lo "enviesado". Segundo o governador, a imprensa deu a entender que a lei foi feita para fazer as pessoas fumarem menos, quando na verdade serve para proteger os não-fumantes. "Parece que a gente está querendo diminuir o fumo daqueles que já fumam. Claro que se o sujeito puder não ficar fumando, melhor, mas a lei é para proteger aqueles que não fumam e são mais prejudicados pela fumaça que sai dos cigarros", esclareceu.

 

O governador reclamou ainda da divulgação do valor das possíveis multas a serem impostas pelo governo para o comerciante que tolerar o fumo. "Quando a gente fala ?a multa é de R$ 700 a R$ 3 milhões?, a manchete é: ?Multa é de R$ 3 milhões?. No dia seguinte, aparece multa de R$ 3 milhões e a coisa vai se perdendo. Não acredito que vai haver nenhum dono de estabelecimento que vai ficar sofrendo multas crescentes. Só se for maluco", disse.

 

"O mesmo vale com relação à Polícia Militar prender os infratores", continuou o governador. "Não se trata disso. Imagina que alguém começa a fumar em lugar proibido, perto até de crianças, e não quer parar. Se for cumprir a lei, o sujeito tem de ser tirado do local. Mas não acredito que isso vá acontecer. Um ou outro indivíduo que queira ter seus 15 segundos de glória pode querer fazer isso para aparecer na mídia, mas não acho que esse vai ser um comportamento crescente."

 

Serra ainda citou uma pesquisa internacional e a experiência da proibição de fumo em aviões para se defender da reclamação de comerciantes que alegaram que terão prejuízos com a lei. "Em Nova York essa legislação até aumentou a frequência e ninguém deixou de viajar de avião."

 

Fonte: Estado de S. Paulo, de 9/05/2009

 

 

 

O STF e os dilemas da saúde

 

COMO RESOLVER o dilema que envolve a decisão que privilegia os direitos individuais em detrimento do direito coletivo? E a quem cabe tal decisão? Essas são duas perguntas de extrema importância que deveriam fundamentar as discussões e decisões em curso no STF. As respostas parecem óbvias nos dias atuais, ou seja: as restrições econômicas, as questões sociais, as limitações educacionais e de uso do conhecimento já disponível e o respeito aos direitos individuais e coletivos fazem com que as decisões que envolvem o dia a dia do ser humano precisem ser mais orientadas e justificadas. A decisão em nome do indivíduo afeta o coletivo, e a decisão coletiva impõe restrições aos indivíduos. Nesse cenário, certamente não deveria caber ao Judiciário fazer escolhas em um ambiente de recursos escassos. Aliás, a chegada de uma demanda a esse Poder simplesmente constata a falha do processo de decisão que envolve a liderança e os gestores do sistema de saúde. A decisão sobre o que (para quem e em que momento e circunstâncias) oferecer ao cidadão que precisa utilizar o sistema de saúde deveria ser eminentemente técnica e fundamentada nas melhores evidências científicas, reconhecendo, porém, a limitação de recursos existentes. Infelizmente (em qualquer país), não é mais possível oferecer tudo para todos. Escolhas precisam ser feitas, e dilemas e decisões difíceis, porém responsáveis, precisam ser técnica e socialmente tomadas. Importante frisar que o sistema de saúde é por natureza complexo, e decisões simples, rápidas e de curto prazo (que invariavelmente atendem a partes ou interesses imediatos) são equivocadas, erradas e aumentam a entropia (bagunça) do sistema. Embora seja um tema de difícil (mas possível) abordagem do ponto de vista prático, a única solução passa pela definição de políticas públicas fundamentadas em prioridades e estabelecidas de algumas formas: doenças mais importantes, mais frequentes, mais graves, com maior sofrimento, maior chance de prevenção; e que a literatura biomédica tenha evidências de que, com a intervenção -prevenção, diagnóstico, terapia e reabilitação-, haverá um alívio do sofrimento ou "redução" da doença. Doenças raras, sobretudo importantes e que afetam minorias, também não podem ser negligenciadas. Em outras palavras, num ambiente de escassez de recursos, não adianta ter políticas ou ações incompletas: diagnosticar e não ter tratamento para o paciente, seja por falta de conhecimento (não sabemos como tratar a doença), seja por um processo "capenga" (sabemos como tratar, mas não viabilizamos o tratamento). Em ambos os casos, desperdiçamos recursos e aumentamos a angústia. Dessa forma, temos alguns desafios: a definição de prioridades exige um sistema maduro, com profissionais competentes do ponto de vista técnico, honestos e que respeitem alguns valores éticos e morais estabelecidos pela própria sociedade. A carência de dados nacionais para orientar algumas dessas decisões e a qualificação dos profissionais envolvidos no processo são barreiras a transpor. Por fim, há o ônus político de aceitar publicamente que não dá para fazer tudo para todos. Infelizmente, pois não temos a "árvore do dinheiro", temos que assumir que somos um país em desenvolvimento, num mundo globalizado e cheio de tentações de consumo, inclusive na área da saúde. Apesar desses entraves, a melhor decisão em nome da sociedade deveria ser fundamentada por evidência e orientada pelas prioridades e políticas públicas coordenadas e sinérgicas, mas que assumam de forma clara e transparente alguns "nãos". Esses "nãos", se bem definidos e justificados, não deveriam legitimar demandas judiciais. Uma nova interpretação do artigo 196 da Constituição passa pelo reconhecimento da escassez de recurso do sistema de saúde e consequentes restrições, expressas antecipada e indistintamente, para todos os que dependem do sistema de saúde, todos os cidadãos. O que presenciamos atualmente é a fraqueza da liderança política (sentido amplo), o que nos impõe um tremendo ônus e estimula a troca de responsabilidades e decisões entre os Poderes constituídos e demais atores.

 

MARCOS BOSI FERRAZ, 51, médico e professor, é diretor do Centro Paulista de Economia da Saúde da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diretor de Economia Médica da AMB (Associação Médica Brasileira) e autor do livro "Dilemas e Escolhas do Sistema de Saúde".

 

Fonte: Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, de 9/05/2009

 

 

 

As verdadeiras causas e consequências

 

ESTÁ NA pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se o Poder Judiciário pode obrigar as secretarias da Saúde ao fornecimento de medicamentos necessários à preservação da saúde e da vida dos cidadãos que buscam a Justiça. Ficará decidido se a saúde prevalece sobre o orçamento estabelecido pelo poder público ou se o inverso. No último mês de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório escancarando a ineficiência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na garantia do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) -devido sempre que um usuário de plano de saúde é atendido pela rede pública.(Essa obrigação dos planos exemplifica a liberdade dirigida ditada pela Constituição, pela Lei Orgânica da Saúde, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Planos de Saúde, indicando a submissão do privado ao público.) Confirmando a incompetência da ANS já apresentada em relatório de 2006, o TCU agora revela que, de 2003 a 2007, a agência deixou de cobrar R$ 2,6 bilhões de ressarcimento por atendimentos de média e alta complexidade feitos pelo SUS a usuários de planos de saúde.

 

Uma compreensão restritiva e compartimentada da saúde não é capaz de relacionar um fato com o outro. Mas enfrentar o conjunto de questões que transitam entre o público e o privado é a chave para a solução de uma infinidade de problemas que assolam a saúde no país. No caso da judicialização de acesso aos medicamentos, à medida que a Justiça consagrou o direito constitucional dos cidadãos de receber os medicamentos de que necessitam, as secretarias da Saúde começaram a questionar o fenômeno.

 

Entre as principais críticas, estão o tratamento individualizado em prejuízo do coletivo, a desorganização dos serviços, os maiores preços pagos pelos medicamentos comprados para atender demandas individuais e o desrespeito a consensos terapêuticos. Sob o manto de zelar pelo bom uso do dinheiro público, essa retórica coloca sob os ombros dos cidadãos a culpa por terem que buscar na Justiça o reconhecimento do seu direito essencial ao medicamento garantido pela Constituição Federal.

 

Com todo respeito aos bem-intencionados em defesa do SUS, convém uma reflexão sobre a inversão da ordem das coisas. A população sofre com a escassez de medicamentos, leitos hospitalares e atenção básica não por causa dos recursos gastos para cumprir as determinações judiciais. O sofrimento desumano a que os cidadãos são submetidos é culpa dos governantes que não investem ou empenham corretamente o orçamento destinado à saúde; é devido à falta de racionalidade, organização, eficiência e vontade política. Sem o Poder Judiciário atuante, os governantes que já não obedecem a Constituição Federal e as leis ficariam mais à vontade para pisotear na saúde da população.

 

Portanto, as ações judiciais que reivindicam medicamentos não são contra o SUS, que é o sistema de saúde dos cidadãos, e não dos gestores de saúde. É interesse público que o direito à saúde e a dignidade humana de cada um, que nos lembra que o homem não tem preço, sejam respeitados. A independência e o equilíbrio entre os três Poderes são pilares da Constituição e servem, entre outras finalidades, para impedir que se cale a voz dos juízes e dos cidadãos.

 

É urgente que as três esferas do Poder Executivo busquem a melhor destinação dos recursos públicos, com eficiência e sem admitir desvios, além de atuar com rigor para fazer retornar aos cofres públicos os valores que a ANS não se empenha em exigir dos planos de saúde, para impedir os abusos dos laboratórios farmacêuticos, as concessões indevidas de patentes, as publicidades atentatórias à saúde da população (de alimentos, medicamentos, bebidas alcoólicas), que tantos ônus trazem para o SUS. Estaríamos apontando para o rumo correto, em vez de condenar o cidadão a não receber o medicamento de que precisa para se manter vivo.

 

ANDREA LAZZARINI SALAZAR, 36, advogada, é consultora jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".

KARINA BOZOLA GROU, 33, advogada, mestre em direito constitucional pela PUC-SP, é gerente jurídica do Idec e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".

 

Fonte: Folha de S. Paulo, seção Tendências e Debates, de 9/05/2009