Grandes empresas
e consórcios disputam amanhã em leilão o direito de
explorar por 30 anos o pedágio do Trecho Oeste do
Rodoanel. De acordo com o secretário dos Transportes
Mauro Arce, o objetivo é fazer a assinatura do contrato
já em junho. A empresa ganhadora deverá iniciar a
cobrança no final de 2008 ou no início de 2009.
Entre as
empresas que disputarão o leilão está a Companhia de
Concessões Rodoviárias (CCR), controlada pelas
construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez em
parceria com a portuguesa Brisa, que já controla 1.452
quilômetros de rodovias em todo País, como os sistemas
Anhangüera/Bandeirantes, Castelo Branco/Raposo Tavares,
Presidente Dutra, entre outros. Também é esperada a
participação da espanhola OHL que recentemente ganhou
licitações de rodovias federais. Também é esperada a
participação dos consórcios Ecorodovias, Triunfo,
BR-Vias, Cibe (Bertin-Equipav) e Odebrecht, segundo
analistas de mercado.
O edital,
publicado em janeiro, propõe tarifa máxima de R$ 3, e
ganhará a disputa quem oferecer o menor preço. O
vencedor também terá de pagar outorga de R$ 2 bilhões
nos dois primeiros anos de contrato.
Segundo a
Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp), a
empresa que ficar com o Trecho Oeste do Rodoanel será
obrigada a investir R$ 804 milhões ao longo dos 30 anos
do contrato. Nos três primeiros anos o contrato obrigará
investimentos de 35% do total, equivalente a R$ 280
milhões. Os investimentos previstos incluem a construção
de marginais entre as interseções da saída Padroeira e
Rodovia Raposo Tavares, além da construção de quinta
faixa adicional entre os acessos às rodovias Castello
Branco e Raposo Tavares, entre outras obras.
Circulam
diariamente 145 mil veículos, em média, nesse trecho.
Carros de passeio correspondem a 78% desse movimento,
caminhões 21% e ônibus 1%. O Trecho Oeste tem 32
quilômetros de extensão e faz a ligação entre as
rodovias Régis Bittencourt, Raposo Tavares, Castelo
Branco, Bandeirantes, Anhangüera e a Estrada Velha de
Campinas (Avenida Raimundo Pereira de Magalhães). O
Trecho Sul, que ligará a asa oeste ao sistema Anchieta/
Imigrantes, está em construção.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
10/03/2008
Licenciamento para novo aterro em São Paulo segue
suspenso pela Justiça
O licenciamento
ambiental para o aterro sanitário Central de Tratamentos
de Resíduos Leste, na capital paulista, está suspenso
desde o final de fevereiro. A liminar suspendendo o
processo foi concedida pelo juiz Victorio Giuzio Neto,
da 24ª Vara Federal Cível de São Paulo, a partir de ação
do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo.
Com a decisão,
de acordo com informações do MPF, a Secretaria do Meio
Ambiente (SMA), do governo estadual, fica obrigada a
aguardar a sentença ou nova decisão no curso do processo
judicial para expedir a licença prévia do
empreendimento.
A liminar também
veta que a Caixa Econômica Federal (CEF) formalize
contrato de financiamento com a empresa responsável pelo
projeto do aterro sanitário, Ecourbis Ambiental SA. A
alegação é que a Ecourbis pode captar recursos pelo
Ministério das Cidades, por meio de programa da
Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.
O aterro está
previsto para ser construído na zona leste da cidade,
divisa com o município de Mauá, numa área anexa ao
Aterro São João. Esse, também administrado pela empresa
Ecourbis, está fechado desde agosto após um
deslizamento.
Na decisão de
fevereiro, o juiz Giuzio Neto diz que o impacto
ambiental do aterro pode provocar efeitos mais graves no
município vizinho do que na capital. A procuradora da
República Rosane Campiotto, autora da ação ajuizada em
21 de fevereiro, manifesta a mesma opinião.
“Concordo com
ele nesse sentido: pelo fato de estar localizado bem na
divisa – está na ponta e distante do centro e da
população em geral –, atinge muito mais a população de
Mauá, que é uma cidade pequena, do que a de são Paulo”,
diz.
Segundo a
procuradora, a ação pede a anulação da última audiência
pública realizada em Mauá, em 24 de janeiro, por não ter
respeitado a legislação no que diz respeito a critérios
de publicidade, divulgação e adequação de espaço para
comportar os participantes. As audiências públicas são
previstas por resolução do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama).
Campiotto relata
que a audiência chegou a ser instalada e suspensa porque
não tinha condições de trabalho – segundo ela, o lugar
não comportava a quantidade de moradores que queriam
participar e dificultava o acesso das pessoas com
deficiência –, e remarcada para a semana seguinte. “Tem
que ter um intervalo de 20 dias úteis entre a convocação
e a realização da audiência. Não se pode atropelar a
legislação a pretexto de se fazer as coisas do dia para
a noite”, argumentou.
A procuradora
disse ainda que a medida não trata do empreendimento e
do estudo de impacto ambiental (EIA): “O estudo e a
viabilidade não são objetos desta ação. Se houver alguma
coisa errada a gente vai impetrar uma ação por essas
questões”.
A reportagem
entrou em contato com a SMA, mas, de acordo com a
assessoria de imprensa, ninguém do órgão estava
disponível para comentar a decisão da Justiça.
De acordo com a
assessoria de imprensa da Ecourbis, a empresa está
analisando a liminar e só se manifestará na quarta-feira
(12). A empresa informou que, além de trabalhar para
conseguir o licenciamento na área anexa ao São João,
analisa a possibilidade e condições para reabrir o
próprio aterro.
Fonte: Última Instância, de
9/03/2008
Diárias permitem que juiz de SP ganhe mais do que no STF
O pagamento de
diárias a juízes e promotores do Estado de São Paulo
permite que eles praticamente dobrem o rendimento no
final do mês e ganhem mais do que um ministro do Supremo
Tribunal Federal, a corte máxima do país.
Pela legislação
estadual, todo promotor ou juiz que for convocado a
trabalhar em outra cidade, independentemente da
distância, tem direito a receber diária de R$ 400,68
como ajuda de custo por despesas decorrentes do
deslocamento.
Isso faz com que
um juiz estadual substituto, que tem o salário mensal
(definido em lei) de R$ 12 mil líquidos (R$ 18 mil
brutos), acumule outros R$ 12 mil em dinheiro quando
convocado a trabalhar em outra cidade por 30 dias.
Um ministro do
Supremo ganha R$ 16,3 mil líquidos -sem contar
benefícios pessoais.
Para o
procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo,
Rodrigo Pinho, trata-se de uma distorção prevista em lei
(leia texto abaixo).
O pagamento de
diárias é diferente para os dois órgãos. Enquanto um
magistrado recebe por todos os dias que passar fora de
sua sede, inclusive sábados, domingos e feriados, o
promotor titular tem um limite de 15 diárias por mês
-pressupõe-se que ele dividirá o tempo entre as duas
promotorias de cidades distintas.
Já o promotor
substituto, que é quem mais viaja no Ministério Público,
recebe pelos dias úteis trabalhados em outra cidade, em
média 22 dias.
Somente em
janeiro, dos quase 140 promotores substitutos, pelo
menos 106 foram designados para outras cidades. Todos
receberam diárias.
Com um salário
fixo de R$ 12 mil líquidos, o promotor substituto que
trabalhar durante 30 dias fora da sede receberá um
acréscimo de R$ 8,8 mil, totalizando R$ 20,8 mil em
dinheiro no final do mês. É comum um substituto ganhar
mais do que o promotor titular que ele irá auxiliar, o
que causa descontentamentos internos.
Sobre o valor da
diária não incide Imposto de Renda nem desconto de
previdência. Também não é preciso apresentar notas
fiscais para justificar os valores gastos.
A reportagem
apurou que o pagamento da diária ocorre mesmo quando o
destino é a cidade vizinha, a menos de sete quilômetros
de distância. Há ainda casos de promotores que recebem a
ajuda de custo por deslocamento estando na cidade em que
residem.
Casos
É o que acontece
com Rodrigo Otávio Frank de Araújo e Melissa Kovac,
ambos promotores substitutos há seis e quatro anos,
respectivamente. A sede de trabalho dele é Batatais,
cidade a 352 quilômetros da capital. A dela é São
Bernardo do Campo, no ABC paulista.
Os dois
receberam diárias mesmo quando foram designados a
trabalhar o mês todo na cidade de São Paulo.
A Folha
telefonou para a casa de Araújo na cidade de São Paulo.
Uma mulher confirmou ser a residência dele. Quanto a
Kovac, a reportagem apurou que a promotora mora no
bairro do Morumbi.
As designações
para promotores substitutos ou titulares trabalharem em
outras cidades não são restritas a um ou dois meses. Ao
contrário, muitas vezes acontecem há anos.
Segundo
registros do "Diário Oficial", os promotores José Luiz
Saikali e Marcelo Santos Nunes, ambos titulares de Santo
André (ABC paulista), são designados praticamente todo
mês a acumular uma Promotoria nas cidades vizinhas.
Atualmente eles
estão em Diadema. Apesar de as duas cidades estarem a
menos de 12 quilômetros de distância, segundo o DER
(Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São
Paulo), ambos solicitam o pagamento de diárias.
Com um salário
bruto de cerca de R$ 21 mil cada um, eles ganham, no
final do mês, mais R$ 6 mil em dinheiro para ajuda de
custo pelo deslocamento.
Num dos casos
levantados pela Folha, o deslocamento que resultou no
pagamento de R$ 8,8 mil a uma promotora da Justiça
substituta de Itapecerica da Serra não passou de oito
quilômetros ou sete minutos de carro, segundo o DER.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
9/03/2008
Pagamento está na lei, diz procurador-geral
O
procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo,
Rodrigo Pinho, afirmou que a "distorção" existe porque a
lei define o pagamento de diárias.
"O pagamento
decorre da lei. Nós tivemos o cuidado de não aumentar o
valor da diária. Congelamos num valor que é menor do que
o fixado em lei", afirmou Pinho.
Pela Lei
Orgânica Estadual, de 1993, o valor da ajuda de custo
deveria representar um trigésimo do vencimento do cargo,
o que daria atualmente pelo menos R$ 600.
Para o
procurador-geral, que deixará o cargo no próximo dia 28,
a solução seria abrir concurso público.
"A forma de
corrigir essa distorção é o preenchimento de todos os
cargos vagos existentes na instituição. Em outubro de
2007, foi encaminhada ao Órgão Especial uma proposta de
abertura de concurso público", afirmou.
Segundo o
procurador-geral, há 251 cargos vagos no Ministério
Público do Estado de São Paulo, sendo 101 de promotores
substitutos, 34 de promotores de entrância inicial, 17
de entrância intermediária e 99 de entrância final.
O órgão tem hoje
201 procuradores e 1.621 promotores.
Procurado há
duas semanas pela reportagem, o Tribunal de Justiça de
São Paulo não forneceu informações específicas sobre o
pagamento de diárias.
Em nota enviada
à Redação na noite de sexta-feira, informou que "por ora
não há informação disponível sobre o número de
magistrados que receberam diárias em dezembro de 2007
[mês dado como referência pela reportagem] e dos valores
pagos".
Informou ainda
que o valor da diária é fixado pelo artigo 4º da Lei
Complementar nº 234, de 1980.
Procurado pela
reportagem, o promotor Marcelo Santos Nunes, titular de
Santo André (ABC paulista), que recebeu diárias mesmo
para cidades vizinhas, afirmou que se trata de um
direito previsto em lei.
"A diária não é
só para moradia e alimentação. Na verdade, não tem uma
destinação específica", afirmou Nunes, que não aceitou
falar qual a destinação específica dada à verba.
Nunes afirmou
que qualquer outra informação teria de ser prestada pela
Procuradoria Geral. "Ligue lá, eles têm todas as
informações", afirmou após ser questionado sobre há
quantos meses recebe diárias.
Os demais
promotores não foram localizados pela reportagem. A
assessoria do Ministério Público não forneceu os
respectivos telefones.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
9/03/2008
Ministério Público não é tucano, diz procurador-geral
O
procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo,
Rodrigo Pinho, 51, que se despede do cargo após duas
gestões, refuta qualquer tentativa de partidarização do
Ministério Público e desafia quem o acusa de usar a
instituição para favorecer os tucanos a apresentar
provas concretas. "O que absolutamente não existe." No
ano passado, Pinho chegou a ser alvo de representação no
Conselho Nacional do Ministério Público, por promotores
que questionaram a independência do Ministério Público
em relação ao governo estadual de José Serra (PSDB).
Procurador-geral
até o dia 28, Pinho afasta a possibilidade de assumir um
cargo no Executivo, como fez seu antecessor e secretário
estadual Luiz Antonio Marrey (Justiça). Diz também não
postular uma vaga no Superior Tribunal de Justiça. "Cada
vez me atribuem um cargo diferente. Pode escrever aí, eu
estou com saudades de dar parecer em processos."
FOLHA - Como o
sr. analisa a crítica, feita até mesmo por promotores,
de que o Ministério Público é tucano, que ações contra
Maluf ou o PT voam, mas contra o PSDB param?
RODRIGO PINHO -
É uma crítica improcedente. Se foi feita por colegas, o
foi de forma anônima. Na Procuradoria Geral, oferecemos
duas ações penais contra um ex-secretário [Saulo de
Castro, da gestão Geraldo Alckmin] e uma contra o líder
do governo na Assembléia [Barros Munhoz, do PSDB] por
fraude em licitação. E isso saiu do setor de Competência
Originária, subordinado a mim.
FOLHA - Não foi
anônima. O promotor Mário Christino disse isso no
conselho nacional quando representou contra o senhor.
Ele falou em "utilização de membros do Ministério
Público pelo Executivo".
PINHO - Bom,
você vai falar sobre isso... Em relação às
representações é importante observar que o conselho
prestigiou a posição da Procuradoria Geral da República
e entendeu que quem decide conflito de atribuição é o
procurador-geral.
FOLHA - Pergunto
sobre a crítica política, que, aliás, o conselho
encaminhou à corregedoria.
PINHO - A
decisão é boa para que os promotores apontem algum fato
concreto em que houve favorecimento, o que absolutamente
não existe.
FOLHA - O sr.
pensa em seguir a escolha de seu antecessor, que está
hoje no governo Serra? Existe a possibilidade de uma
vaga no STJ?
PINHO -
Encerrado o meu mandato, voltarei a trabalhar como
procurador de Justiça. Não vou para o Executivo nem para
nenhum outro cargo no Judiciário. Aliás, estou com
saudades dos meus processos.
FOLHA - O sr.
encerra a gestão com atitudes polêmicas. Comprou briga
com a OAB-SP, a quem atribuiu um modo de agir fascista,
e mandou arquivar inquéritos por nepotismo.
PINHO - No caso
da OAB, sem entrar na questão do adjetivo, entendemos
ser discriminatória a publicação de uma lista ["lista de
inimigos da advocacia"] com nomes de pessoas
desagravadas que deverão ter um tratamento especial no
futuro. É incabível. Tanto é que já existem decisões
judiciais excluindo juízes e promotores da lista.
FOLHA - O sr. se
arrependeu pelo uso do adjetivo?
PINHO - Não me
arrependo. A lista é discriminatória. Mas, em nenhum
momento, ataquei a instituição. Sobre o nepotismo, essa
é uma das prioridades do Ministério Público de São
Paulo. No caso concreto, o Tribunal de Contas do Estado
publicou uma resolução fixando o prazo de 90 dias para
que os parentes sejam demitidos. Essa norma antecipa
administrativamente o que demandaria anos na Justiça. Se
os parentes não forem demitidos, entraremos com uma ação
de improbidade. O prazo termina no dia 8 de abril.
FOLHA - Na
gestão do sr., o promotor substituto Thales Ferri
Schoedl matou um estudante em 2004; o titular Pedro
Baracat matou um motoqueiro neste ano; outro promotor
feriu acidentalmente um policial. Promotor deve andar
armado?
PINHO - O
promotor de Justiça deve ter a prerrogativa de andar
armado. Isso é necessário por segurança pessoal. Eu não
ando armado e posso assegurar que a maioria dos colegas
também não. Mas alguns andam e há situações que se
justificam.
Cada caso
precisa ser discutido de forma individual. No caso do
Thales, a Procuradoria entende que houve uso indevido da
arma, tanto é que foi oferecida uma ação por homicídio.
Em relação a Baracat, a situação está em exame. Mas ele
estava com uma pistola 9 mm, de uso restrito das Forças
Armadas.
FOLHA - Não é um
exagero até promotor substituto andar armado?
PINHO - A
Procuradoria baixou uma regulamentação proibindo
substituto de portar arma.
FOLHA - É um
dissabor deixar o comando do Ministério Público sem
resolver uma das maiores polêmicas da instituição, que é
definir se o promotor tem poder de investigação?
PINHO -
Obviamente gostaria de sair daqui com essa questão
resolvida, mas infelizmente o assunto ainda está
pendente de apreciação no STF. Proibir o Ministério
Público de investigar só vai contribuir para o aumento
da impunidade.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
9/03/2008
Justiça brasileira pede choque de gestão
ESTAMOS
ASSISTINDO , passivamente, a um crônico emperramento do
Poder Judiciário, causando-lhe o seu maior mal, que é a
morosidade. Esse fato, a cada dia que passa, se torna
mais grave e se alastra, em todos os graus e esferas de
jurisdição, em todo o país, sem que haja uma sinalização
que aponte caminho menos traumático para a necessária
aplicação da Justiça. Apontam-se várias causas para essa
situação, entre elas, a falta de juiz em algum rincão
qualquer; o desvio de comportamento de alguns agentes
envolvidos; a falta de condições financeiras, de
recursos humanos e/ou de recursos tecnológicos. Há,
porém, um fator fundamental para esse cenário caótico: o
problema de gestão.
Em verdade, os
chamados "operadores do direito" (juízes, promotores,
advogados), que cuidam da alma humana, costumam ter
aversão a números, a assuntos de natureza
administrativa. E, em determinados momentos, assumem a
direção de uma entidade como a Ordem dos Advogados do
Brasil, com milhares de funcionários, de associados, de
inúmeras subsecções. De igual modo, se vêem à frente de
um Poder Judiciário com um gigantesco Tribunal de
Justiça como o de São Paulo, tendo a obrigação de
administrar de forma a prestar um serviço de qualidade,
transparente e digno. Não é fácil. Elege-se um
desembargador, que passou toda a sua vida a julgar todos
os tipos de litígios, envolvendo os interesses e as
relações humanas, para comandar esse complexo por um
período determinado. Por sua exclusiva formação
humanística, não está preparado para lidar com a
administração.
Em decorrência
desses fatores, torna-se necessária a busca de uma
gestão profissional, altamente qualificada, nos
tribunais, para que possam conquistar maior eficácia. A
gestão profissional, para ter êxito, precisa se amparar
no conhecimento da mecânica processual, que deverá, aí
sim, ser orientada, pelos magistrados.
Hoje, 43 milhões
de processos se encontram na fila aguardando julgamento
da Justiça. Desse estoque de processos que dormitam nas
prateleiras do Judiciário, 32 milhões estão emperrados
ainda no primeiro grau de jurisdição. Ou seja, todos
eles poderão se tornar passíveis de receber os recursos
cabíveis, como determinam os códigos processuais. Temos,
assim, cerca de 32 milhões de processos que aguardam
decisão dos magistrados de primeiro grau das unidades
federativas e que irão desembocar nos Tribunais de
Justiça e de lá para os Tribunais Superiores,
aumentando, a cada dia, o caos.
O gargalo mais
apertado do sistema judiciário está no primeiro grau da
Justiça Estadual, onde a via-crúcis processual tem
início e pouca solução ágil. Com um estoque de processos
carregados de muitos anos, da ordem estimada de 29,5
milhões de autos e com mais de 10 milhões de novos casos
ajuizados em 2007, os tribunais estaduais só conseguiram
julgar 8 milhões de causas, exibindo uma taxa de
congestionamento que beira os 80%.
Dos 32 milhões
de processos que estão empoeirando os tribunais
estaduais, 12 milhões se encontram em São Paulo, o
Estado mais rico do país. Pior: a Justiça paulista
inicia 2008 tendo que administrar um orçamento com um
corte de cerca de 40% na proposta inicial encaminhada
pelo Tribunal de Justiça ao governo estadual.
O caos poderia
ser, pelo menos, minimizado, se a Constituição Federal
fosse cumprida e respeitada. A arrecadação da taxa
judiciária, permanecendo com quem é de direito, tornaria
o Judiciário de São Paulo auto-suficiente em recursos.
Em alguns lugares, como no Rio de Janeiro, o sistema é
modelo. Um dos motivos é que o Poder Judiciário do Rio
recebe dinheiro das custas judiciais. Mas, por que os
outros Estados não recebem? Por que não usam a mesma
sistemática?
Urge rever esse
cenário. A crise de gestão é tão antiga quanto o
Judiciário, um Poder que tem de ser exercido e
respeitado. Conheço o expediente forense desde quando se
costuravam os processos com barbante e alfinetões
enormes. Fiz muitas dessas costuras. O controle dos
processos era feito ou pela memória do escrevente ou por
fichinhas nem sempre bem elaboradas ou atualizadas. É
incrível constatar que, após mais de meio século, ainda
usamos esses métodos.
O acesso à
Justiça é condição "sine qua non" para se fomentar a
cidadania e fortalecer a democracia e só se torna
efetivo quando há resposta em tempo razoável. É hora de
mudar, enquanto for possível curar o doente. O
Judiciário está à espera de um choque de gestão.
RUBENS APPROBATO
MACHADO , 74, advogado, é ex-presidente do Instituto dos
Advogados de São Paulo, da OAB-Seccional de São Paulo e
do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
9/03/2008
Fé na Justiça
Ellen Gracie
Northfleet encerra, no próximo dia 26, seu período de
dois anos como presidente do Conselho Nacional de
Justiça. Um mês mais tarde, ela também deixa a
presidência do Supremo Tribunal Federal. Seu mandato à
frente das duas instituições foi movimentado. Denúncias
sobre nepotismo e a necessidade de ajustar os salários
dos magistrados ao teto do funcionalismo público puseram
o Judiciário sob crítica. O STF esteve no centro do
noticiário ao acolher a denúncia contra os envolvidos no
mensalão e também ao impor aos políticos a fidelidade
partidária – o que causou atritos com o Legislativo. Na
semana passada, outra causa polêmica entrou em pauta:
aquela que vai decidir sobre a validade dos artigos da
Lei de Biossegurança que autorizam a pesquisa científica
com embriões humanos. O julgamento foi adiado, mas Ellen
Gracie antecipou seu voto, rejeitando a ação de
inconstitucionalidade. A ministra, de 60 anos, se define
como pragmática. Nesta entrevista, mostra sua paixão
pela "carpintaria administrativa" que permitirá à
Justiça superar os seus gargalos e se modernizar.
Veja –
Na semana passada, a senhora considerou que a lei que
autoriza o uso de embriões humanos na pesquisa
científica é constitucional. Qual a justificativa desse
voto?
Ellen Gracie – Eu não enxerguei, nos artigos
da Lei de Biossegurança que falam sobre embriões, nada
que ferisse a ordem constitucional. Meu raciocínio parte
do princípio de que nosso sistema jurídico protege duas
entidades, o "nascituro" e a "pessoa". Esses conceitos
têm um significado muito preciso no direito. O
nascituro, a criança que aguarda o nascimento no ventre
da mãe, tem algumas expectativas de direito – no campo
da herança, por exemplo. Já a pessoa, do ponto de vista
do nosso ordenamento, só passa a existir no instante do
nascimento com vida. É aí que surge a personalidade
jurídica, segundo o nosso Código Civil. Ora, o embrião
criado in vitro não é nascituro, pois não foi implantado
no útero da mãe, nem pessoa, no sentido técnico. Ele não
desfruta as garantias que se aplicam aos dois casos.
Quanto ao princípio constitucional do direito à vida, eu
creio que ele não é ferido no caso das pesquisas com
embriões que seriam descartados ou permaneceriam
congelados indefinidamente. Essas pesquisas, a médio ou
a longo prazo, devem resultar em benefício para um
grande número de pessoas. Elas também têm o objetivo de
proteger a vida – uma vida íntegra e saudável para
portadores de doenças. Sigo aqui uma linha de raciocínio
que tem uma longa história no campo jurídico – aquela
que, no conflito aparente entre normas, opta pelo bem
maior, produzido com o menor sacrifício possível.
Veja –
Em algum momento no curso desse julgamento a senhora se
viu num dilema por causa de convicções religiosas?
Ellen Gracie – Eu sou católica, estudei em
colégio de freiras. Mas não sou juíza do Supremo para
expressar minhas crenças religiosas, e sim para analisar
as leis à luz da Constituição e do restante do sistema
jurídico.
Veja –
Outro caso complexo sob análise do STF é o do mensalão.
Procede a idéia de que o tribunal não tem estrutura para
lidar com um processo desse tipo, que envolve uma
extensa coleta de provas?
Ellen Gracie – A idéia de que o Supremo não
atua bem em causas penais é falsa. Na verdade, somos um
foro criminal muito célere. Atualmente, temos 81
processos penais nesta casa, 70% com menos de um ano de
tramitação. O processo do mensalão vem transcorrendo de
maneira ágil. Uma das principais razões para isso se
deve ao fato de estarmos digitalizando todos os seus
documentos. Já são mais de 70.000 páginas escaneadas.
Imagine o que aconteceria se não tivéssemos feito isso.
Cada vez que o advogado de um dos réus pedisse vista do
processo, haveria uma delonga. E estamos falando de
quarenta réus. Com a digitalização, todos os envolvidos
podem ter acesso aos autos simultaneamente. Além disso,
estamos conduzindo a fase de depoimentos de maneira
rigorosa. Recebi vários pedidos de adiamento durante o
mês de fevereiro, mas julguei que nenhum deles era
procedente. Logo deveremos encerrar a oitiva dos réus.
Veja –
Nas próximas fases do processo, haverá dezenas de
testemunhas a ouvir. E os advogados de defesa certamente
usarão todos os recursos disponíveis para retardar o
momento da sentença. Teremos um festival de réus
livrando-se do processo por causa da prescrição?
Ellen Gracie – Esse é um risco que faz parte
do jogo. Podemos criticar nossas leis processuais pelo
número exagerado de recursos à disposição dos advogados.
Mas, enquanto as regras forem essas, não haverá o que
fazer. Mais do que a faculdade, os advogados têm o dever
de lutar pelo interesse de seus clientes usando todas as
armas da lei. E o Poder Judiciário não pode saltar
etapas em um julgamento nem agir de maneira que
desrespeite o devido processo legal. Todos gostaríamos
que o processo no Brasil fosse mais ágil e enxuto. Para
que isso aconteça, é preciso reformar a legislação.
Veja –
Quando a denúncia contra os "40 do mensalão" foi
apreciada, alguns ministros sugeriram que a imprensa e a
opinião pública punham "uma faca no pescoço do Supremo".
A atenção do público incomoda?
Ellen Gracie – O tribunal está acostumado com
isso. Nós atuamos de portas abertas, o que é raríssimo:
só acontece na Suíça, no México e no Brasil. Temos um
canal de televisão que transmite os julgamentos, e até
nossas sessões administrativas são franqueadas aos
interessados. Isso deixa espantados juízes estrangeiros
que vêm nos visitar. Se o tribunal não tem segredos, não
há por que temer a atenção do público, mesmo nos
momentos em que ela é mais aguda.
Veja –
Na semana passada, o presidente Lula disse que seria
muito bom se o Poder Judiciário "só metesse o nariz" nos
seus próprios assuntos. O Judiciário brasileiro avança
na seara dos outros poderes?
Ellen Gracie – O Judiciário é um poder inerte.
Ele só age quando provocado pelas vias legais. Quando
recebemos uma ação, contudo, temos de dar uma resposta –
e isso às vezes significa estabelecer uma regra, ou
ampliar o escopo de uma lei que já existe. Foi o que
fizemos recentemente, por exemplo, ao aplicar às greves
do serviço público as normas que valem no setor privado.
Ou ao afirmar que o mandato de um parlamentar pertence
ao seu partido. Seria mais confortável para nós não ter
de lidar com esse tipo de dificuldade. Mas às vezes as
questões se arrastam por anos no Congresso e acabam
desaguando no Judiciário. Esse fenômeno da
judicialização da política não acontece só no Brasil. É
uma tendência em muitos lugares, um resultado da
dificuldade de obter consenso sobre certos temas no
plano do Legislativo. Outra fonte de tensão entre os
poderes nasce da troca de opiniões em público. Alguns
presidentes falam bastante, outros são mais quietos. O
mesmo vale para juízes e parlamentares. Tudo bem – não
se faz democracia com pensamento único. Enquanto a
tensão entre os poderes for pontual, ela será saudável.
É isso que acontece no Brasil.
Veja –
O presidente Lula já nomeou sete ministros da corte.
Notadamente, substituiu os últimos ministros indicados
pelo regime militar. Isso significou uma mudança
profunda no perfil do STF?
Ellen Gracie – Eu considero muito injusta
essa divisão entre os nomeados pelo governo militar e os
nomeados pelos governos posteriores. Mesmo durante a
ditadura, a corte seguiu funcionando. Submetida a
pressões, soube garantir os direitos do cidadão. Há um
trabalho acadêmico interessante sobre o papel do
Judiciário nas ditaduras na América Latina. Ele conclui
que o número de vítimas da repressão no Brasil foi menor
porque aqui os conflitos eram judicializados, ou seja,
havia espaço para que eles fossem tratados no âmbito
institucional. Recordemos o caso Herzog, em que um
jornalista preso por razões políticas foi encontrado
morto em sua cela. Em pleno período militar, foi um juiz
federal de primeira instância que comandou o julgamento
e condenou a União. O Brasil tem esse diferencial e deve
valorizá-lo. Em 2008, comemoramos os 200 anos de
Judiciário independente no Brasil. Com a vinda da
família real portuguesa para cá, nossos tribunais
deixaram de se submeter a Lisboa. Eu diria que é isto
que estamos celebrando: um Judiciário isento e autônomo
na pessoa dos seus juízes. Novos integrantes sempre
virão ao Supremo, cada um com sua bagagem. Mas o que eu
vejo é uma grande continuidade.
Veja –
Pensando no futuro, qual o maior desafio para o
Judiciário brasileiro?
Ellen Gracie – É o de se reestruturar. Já
está provado que não adianta simplesmente aumentar o
número de juízes e o número de varas. A longo prazo, a
tática do "mais do mesmo" não torna o Judiciário nem
mais ágil nem mais moderno. Só com a criação de novos
procedimentos encontraremos uma saída para os nossos
problemas. E estamos vencendo esse desafio. Às vezes,
mexer só um pouquinho nas praxes dá um resultado imenso.
Por exemplo, decidimos que a presidência do STF poderia
descartar recursos com vícios formais. Desde que a
medida foi tomada, descartamos 26.000 processos. Ao
impedirmos que eles avançassem, poupamos tempo e
mão-de-obra. Isso sempre é importante, se lembrarmos que
70% do tempo de um processo é gasto com burocracia.
Outro exemplo de mudança estrutural, mais ambicioso,
está na criação dos juizados especiais. Eles têm se
mostrado muito eficientes. Sua taxa de congestionamento
é de 33%, contra 75% da Justiça comum. Eu diria que um
segundo desafio é levar a população a uma mudança de
mentalidade. Num país de 186 milhões de habitantes,
temos 34 milhões de causas pendentes. É uma
litigiosidade altíssima. Por isso lançamos no ano
passado uma campanha pelo uso de meios alternativos de
solução de conflitos, como a conciliação e a mediação.
Veja –
Recentemente foi criado o processo judicial eletrônico.
Qual o impacto dessa medida?
Ellen Gracie – Enorme. Creio
que esse projeto, batizado de Projudi, é o mais
revolucionário na alçada do CNJ. Sem exagero, eu diria
que ele tem potencial para mudar a face da Justiça
brasileira, tão criticada pela lentidão. O sistema é
bastante inteligente e flexível – podemos, por exemplo,
reparar facilmente o software a distância. E alguns dos
juizados eletrônicos estão em lugares de difícil acesso.
Onde implantamos o sistema, o tempo médio entre o
ajuizamento de uma ação e a sentença de primeiro grau
tem ficado em 33 dias, o que é extraordinário.
Veja –
A adoção das súmulas vinculantes, que obrigam as demais
instâncias do Judiciário a seguir o entendimento do
Supremo num determinado tema, foi saudada como um
avanço, no sentido de diminuir o volume de processos nos
tribunais. Mas em 2007 o Supremo só promulgou três
súmulas. Ele foi tímido no uso da ferramenta?
Ellen Gracie – Tímido não, cauteloso.
Analisamos oito temas no ano passado e concluímos que só
em três deles o consenso era maduro o bastante para ser
traduzido em súmula vinculante. Sabemos que a ferramenta
é poderosa, mas o enunciado tem de ser muito claro e
preciso para que os resultados sejam os melhores. Ao
tornar-se obrigatória não apenas para as diversas
instâncias do Judiciário, mas também para a
administração pública, uma boa súmula pode de fato
diminuir o número de processos. Na medida em que vincula
o poder público a um certo entendimento em questões
tributárias ou previdenciárias, por exemplo, ela
diminuirá os casos em que o contribuinte sentirá
necessidade de recorrer à Justiça. Gostaria de ressaltar
que a súmula vinculante também aumenta a segurança
jurídica. Acabam aquelas situações em que, num mesmo
assunto, um cidadão recebe uma sentença e o seu vizinho,
a sentença oposta.
Veja –
No ano passado, uma reportagem de VEJA revelou
que ministros do Supremo temiam ser alvo de escutas
ilegais. Como esse episódio influiu na rotina da corte,
e na sua em particular?
Ellen Gracie – Creio que alguns colegas
tiveram maior cautela nas suas conversas telefônicas. E
isso foi tudo. O mais importante é que o país está
enfrentando essa questão no âmbito de uma CPI, cujo
objetivo é dar segurança a todos os cidadãos, coibindo o
uso das escutas indevidas, que a certa altura pareceu
estar fora de controle. Como integrante do Supremo,
reitero o óbvio sobre esse assunto: nenhuma prova obtida
de forma ilícita tem valor em juízo.
Veja –
Criado há cerca de três anos, o Conselho Nacional de
Justiça logo se tornou uma espécie de arena para brigas
administrativas. Foi para isso que ele foi criado?
Ellen Gracie – Num primeiro momento, juízes e
funcionários que tinham alguma reclamação contra órgãos
do Judiciário inundaram o CNJ com demandas e o
transformaram, de fato, numa espécie de segunda
instância administrativa. Quando percebemos essa
tendência, passamos a combatê-la. Querelas individuais
não estão mais sendo julgadas, só aquelas que têm
alcance geral. A idéia de um conselho no Brasil foi uma
tentativa de copiar o que já existia em muitos países da
América Latina, bem como na Espanha e em Portugal.
Ocorre que nesses lugares o Judiciário não é considerado
um poder de estado. Ele é altamente vinculado ao
Executivo ou ao Legislativo. Nesse contexto, um conselho
tem o papel de aliviar a pressão dos outros poderes
sobre a magistratura. No Brasil, o Judiciário é um poder
autônomo. Por isso, creio que a melhor vocação do
conselho é ser uma instância de reflexão e planejamento
para o Judiciário. E é isso que ele está se tornando.