Direitos
Humanos terão jurisprudência global
Apesar
de o Direito Internacional viver espremido entre as diferenças culturais
dos povos e um padrão mínimo de garantias fundamentais essenciais ao ser
humano, a professora e procuradora do Estado de São Paulo Flávia Piovesan
aposta na solidificação de uma jurisprudência global sobre Direitos
Humanos. Para tanto, a ausência de uma força militar que garanta a
efetividade das decisões das cortes internacionais não faz tanta falta. A
credibilidade que as cortes regionais — como a Europeia, a Interamericana
e a Africana — já têm é
meio caminho andado, acredita. “O Estado de Direito é aquele em que o
‘poder desarmado’, que é o Judiciário, tem a última palavra. Não é
a faca, não é a bala, é a caneta, o que pode ser ampliado a todas as
esferas: local, regional e global.”
A
visão otimista é de uma estudiosa que tem dedicado a vida a pesquisar os
Direitos Humanos. Professora doutora da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e do Paraná, Flávia Piovesan divide seu tempo entre a
Procuradoria do Estado de São Paulo, as aulas no Brasil e palestras e
estudos ao redor do mundo pela Organização das Nações Unidas. Seu
trabalho foi reconhecido este ano pela comunidade jurídica, que cogita seu
nome para ocupar uma possível vaga a ser deixada pela ministra Ellen Gracie
no Supremo Tribunal Federal. Em entrevista à Consultor Jurídico, no
entanto, a procuradora disse não acreditar que vai ser convidada para ser
ministra. "Meu compromisso é com os Direitos Humanos, área em que
tenho competência para trabalhar. Tenho que aprender muito ainda para lidar
com as outras áreas."
A
procuradora explica que a aceitação multilateral de uma Justiça global
passa por uma redução da disparidade econômica entre as nações. Um
desenvolvimento menos desigual entre os povos, nesse caso, garantiria
vantagens econômicas e sociais de uma forma geral, contrariando a velha máxima
de que, para haver ricos, é necessário que haja pobres. Segundo Flávia, o
mundo chegou a um ponto da História em que as plataformas econômicas e
sociais começam a convergir.
No
campo dos Direitos Humanos, o ganho é ainda maior. Temas que antes eram
reputados como de competência exclusiva de políticas públicas, como o
combate à pobreza, ganham espaço nas definições quanto aos direitos
fundamentais do homem. “A pobreza já foi vista como crime de vadiagem.
Hoje, há projetos que tentam colocar a pobreza como violação aos Direitos
Humanos. Direitos sociais devem ser vistos como direitos, não como
generosidade, compaixão ou caridade”, afirma a especialista.
Flávia
considera que a falta de recursos financeiros é um dos fatores que mantêm
o abismo entre a população e o Judiciário. Segundo a procuradora, apenas
30% dos brasileiros têm acesso à Justiça, a maioria deles das regiões
Sul e Sudeste, onde as taxas de Índice de Desenvolvimento Humano são as
maiores do país. “Isso tem haver com educação e percepção dos
direitos.” Flávia é favorável a ações afirmativas como a Lei de Cotas
para negros nas universidades públicas. O fato de 74% dos pobres serem
afrodescendentes, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada, são motivo suficiente para a tomada de medidas que abram acesso
imediato a centros de pesquisa e de discussões intelectuais a esses
desprestigiados.
Em
entrevista à Consultor Jurídico, a procuradora também comentou a recente
abertura do Supremo Tribunal Federal aos temas ligados aos Direitos Humanos
e se disse devota da proposta de revisão da Lei de Anistia.
Leia
abaixo a entrevista.
ConJur
— A senhora está entre os nomes cogitados para ocupar uma vaga no Supremo
Tribunal Federal. Acredita que vai ser convidada para a próxima vaga
aberta?
Flávia
Piovesan — Não. Eu fico muito honrada com a possibilidade, mas meu
compromisso é com os Direitos Humanos, área em que tenho competência para
trabalhar. Tenho que aprender muito ainda para lidar com as outras áreas.
ConJur
— A agenda do Supremo dá o espaço necessário a temas ligados aos
Direitos Humanos?
Flávia
Piovesan — Há seis anos, uma pesquisadora norteamericana que acompanha o
trabalho das cortes supremas brasileira e argentina na temática dos
Direitos Humanos me indagou quais eram as principais discussões dessa
natureza no Brasil e eu fiquei constrangida em perceber que poucos eram os
casos impactantes referentes a direitos fundamentais que já haviam sido
enfrentados pelo Supremo. Mas isso mudou. A pauta do Supremo se torna cada
vez mais instigante nesse sentido. Temas afetos à cidadania chegam com
grande voracidade à corte. Hoje, há debates como a demarcação da reserva
indígena Raposa Serra do Sol, violência contra a mulher, uso de células-tronco
embrionárias em pesquisas, união homoafetiva, direito à informação e
acesso aos arquivos do período do regime militar, reclamados em ação
contra a Lei 11.111/05, que criou documentos ultra-secretos.
ConJur
— Por que houve essa mudança de cenário?
Flávia
Piovesan — Reputo a três fatores. Um é a extensão da legitimação para
o uso de institutos como a Ação Direta de Inconstitucionalidade. O rol dos
legitimados para entrar com essas ações foi ampliado. Outro fator foi a
maior agilidade e transparência do Supremo. A TV Justiça, por exemplo,
tornou o tribunal mais palpável, o que encoraja a sociedade a provocar mais
a corte. O terceiro fator são as audiências públicas e a figura do amicus
curiae.
ConJur
— Foi um despertar tardio?
Flávia
Piovesan — Nós tivemos a transição política em um ritual lento e
gradual em direção à democracia. Vários países, quando fizeram o mesmo
ritual de passagem, fortalecem suas instituições, criaram novos textos e
também novas cortes constitucionais. Nós não. Adotamos um pacto jurídico
que é a Constituição, mas não alteramos, na ocasião, o órgão guardião
da Constituição. Ele foi herdado do passado, com as suas potencialidades e
heranças de épocas sombrias, ditatoriais. Teve uma composição
marcadamente civilista, com a liderança do ministro Moreira Alves que, no
entanto, nunca viu o tema com o coração aberto, com um sentimento
constitucional. Mudamos tudo com a Constituição, mas a entregamos a um
guardião antigo. Esse novo órgão renasce hoje — talvez a partir da
reforma [a Reforma do Judiciário, promulgada pela Emenda Constitucional
45/04] — com uma nova configuração, uma nova composição. Como
professora de Direito Constitucional, fico muito feliz em debater temas
sobre os quais as únicas referências eram de cortes de outros países.
Hoje é o nosso Supremo quem está fazendo a diferença.
ConJur
— O Judiciário ganhou importância na medida em que o Legislativo perdeu
crédito?
Flávia
Piovesan — Em certo grau, sim. Há temas que se deslocam da arena do
Legislativo para a arena jurisdicional. A união homoafetiva, por exemplo,
é um tema que não ganhou consenso no Legislativo, por isso foi para a
esfera jurisdicional. A Lei de Anistia, que tanto se falou em revisão, mas
não houve acordo, foi ao Judiciário por meio de ADPF [Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental] do Conselho Federal da OAB. Sempre
que grupos humanitários se sentem derrotados no Legislativo, vão ao
Supremo. O próprio presidente do Senado Federal reconheceu que o poder não
convive com o vácuo. Esses temas acabam sendo enfrentados em outra arena.
ConJur
— O Judiciário ocupa esse lugar adequadamente?
Flávia
Piovesan — Sim. É fascinante ver uma líder indígena tomar a palavra em
uma audiência e fazer sustentação oral, como no julgamento da reserva
Raposa Serra do Sol. Este é um Supremo muito mais accessível e
transparente. Os indígenas, embora não estejam no rol de legitimados para
propor ADI, chegaram à corte por meio de Ação Popular. Foram ao Supremo
como cidadãos, para o exercício de um direito político.
ConJur
— É possível haver uma jurisprudência internacional sobre Direitos
Humanos?
Flávia
Piovesan — Há dois extremos nesse debate: aqueles que sustentam ser a
cultura a fonte dos direitos e aqueles que sustentam ser o valor da
dignidade humana, esse mínimo ético irredutível que seria compartilhado,
em maior ou menor grau, por todos. De um lado estão os universalistas, que
pregam a existência de uma moral universal, e do outro, os relativistas,
que entendem que isso é uma visão eurocêntrica e que, na verdade, diante
do pluralismo cultural, cada cultura teria o seu próprio sistema de valores
e de moralidade. Há também posições intermediárias, assim como
universalistas chamados de radicais, fortes ou fracos. Eu me reputo como uma
universalista, não etnocêntrica, mas pluralista e aberta ao diálogo
intercultural. Para termos um entendimento correto, nós temos que passar da
lente que demarcou o “pós 11 de setembro”, que era o choque civilizatório,
para o “dialogue civilization”.
ConJur
— Como as cortes internacionais podem fazer cumprir suas decisões?
Flávia
Piovesan — Há uma crítica ao Direito Internacional de que ele não teria
garras e dentes, capacidade satisfatória. Hoje, há um crescente processo
em que o Direito Internacional passa a adquirir garras e dentes, com a criação
de cortes internacionais, como o Tribunal Penal Internacional, a Corte Européia
e a Corte Interamericana. Nas cortes regionais, por exemplo, como a
Europeia, a Interamericana e a Africana, como a base regional é mais
uniforme, há um grau maior de legitimidade. Hoje o tema do Direito
Constitucional é essa crescente abertura ao diálogo, inclusive com outras
jurisdições. É comum na Europa a corte espanhola se fundamentar em
julgados da corte alemã, ou o tribunal português fazer menção a julgados
da corte espanhola.
ConJur
— O Brasil está no mesmo caminho?
Flávia
Piovesan — O sistema interamericano está em uma posição intermediária,
assim como o sistema africano, mais debilitado e mais recente também. Há
insistentes esforços para a criação do sistema asiático e árabe. Na África,
há o caso do Sudão, que se nega a cumprir ordens do Conselho de Segurança
da ONU de entregar genocidas. A Justiça internacional, na figura do
Tribunal Penal Internacional, deveria combater a impunidade de crimes como
esses, mais graves. Hoje, os únicos quatro casos que há no TPI são do
Congo, Uganda, República Centro-Africana e Sudão. São países que tiveram
uma descolonização muito recente. Em 1945, havia apenas dois países na África.
Hoje, depois que a ONU foi criada, há mais de 54. Mas a Justiça não pode
ser seletiva. Não pode haver qualquer sombra de neocolonialismo.
ConJur
— O fim da prisão em Guantánamo é um passo nessa direção?
Flávia
Piovesan — Estou à espera da concretização da plataforma Obama, que fez
questão de ter como primeiro ato público o aviso ao mundo sobre o
fechamento de Guantánamo, prisão que simboliza a negativa da lógica dos
Direitos Humanos. Os acusados nem têm ideia do porquê estão lá. Não têm
acesso a advogados, ao contraditório, à ampla defesa ou ao devido processo
legal. O fechamento de Guantánamo significa não só a restauração da
legalidade do Estado de Direito, esse despertar para a razão pública, mas
também simboliza o fim da era Bush, aquela ideia do Ato Patriota, que é
expressamente a negativa de direitos ao chamado combatente inimigo, com a
autorização para interrogatórios duros e tortura moderada. O fechamento
de Guantánamo, em outras palavras, significa tortura nunca mais.
ConJur
— Guantánamo foi tratado pela comunidade internacional com condescendência?
Sob esse prisma, a reação dos africanos às decisões da ONU não é
compreensível?
Flávia
Piovesan — Houve derrotas importantes sofridas por Bush no Judiciário
americano, que invalidaram os tribunais militares de Guantánamo. O papel do
Judiciário foi decisivo para coibir os piores abusos. Os Estados Unidos
também sempre obstaram juridicamente que o assunto fosse discutido na Corte
Interamericana.
ConJur
— Essa disparidade de tratamentos entre diferentes nações não é um
exemplo de que uma atuação efetiva de um tribunal internacional ainda está
longe de acontecer?
Flávia
Piovesan — Estamos assistindo a um esforço embrionário de criação da
Justiça internacional no campo penal. Eu me recordo de quando dava aulas em
1994 e falava sobre a campanha mundial da Anistia Internacional para a criação
do Tribunal Penal Internacional. Nem os mais otimistas imaginariam que, em
1998, haveria consenso para que ele fosse criado e que, já em 2002, já
tivessem as 60 ratificações necessárias ao Estatuto de Roma. Há um
grande desafio do TPI para firmar a sua identidade nestes primeiros anos.
Durante esse início, ele deve atuar com firmeza, integridade e ética para
ganhar credibilidade. É instigante pensar que 108 Estados já aderiram ao
estatuto, sendo que ainda não há um julgado ou sentença, apenas ordens de
prisão esparsas. Aos que criticam, eu digo que é isso ou a lei da selva,
ou é isso ou é a lei de Darwin, é o forte contra os fracos. O
multilateralismo, por mais debilidades e limitações que tenha, também tem
algumas potencialidades e reduz o largo mar de discricionariedade. O Estado
de Direito é aquele em que o poder desarmado, que é o Judiciário, tem a
última palavra. Não é a faca, não é a bala, é a caneta, o que pode ser
ampliado a todas as esferas, local, regional e global.
ConJur
— Essa já é uma ideia consentida mundialmente?
Flávia
Piovesan — O distanciamento está se tornando um pouco menor porque a política
Bush de unilateralismo começa a ser enterrada. Não há mais espaço para
ataques preventivos sem qualquer constrangimento por causa da hegemonia bélica
militar dos Estados Unidos. O discurso de Obama e Hilary Clinton é buscar o
multilateralismo. Em seu livro The Paradox of American Power, o professor
Joseph Nye reconhece que, se os Estados Unidos têm um projeto de poder a médio
ou longo prazo, isso não é sustentável só na bala. Ele deve partir para
a soft law, para negociações, para a diplomacia. A Hilary tem se valido
desse autor para determinar a linha da política de Estado. É o poder
inteligente, capaz de negociar, de ouvir, de dialogar. A política externa
norte-americana tem se guiado pela importância do diálogo. Os primeiros
discursos do Obama foram: “Nós temos que ouvir os outros, ouvir os mulçumanos,
reconhecer as diversidades”.
ConJur
— A efetividade do Tribunal Penal Internacional depende de uma redução
na disparidade econômica entre os países?
Flávia
Piovesan — Este é um tema em que eu tenho trabalhado bastante. Vou
representar a América Latina em uma força tarefa da ONU voltada à
implementação de direito ao desenvolvimento. Um comitê formado por cinco
pessoas irá discutir como avançar na pauta do desenvolvimento. O grupo será
liderado pelo professor norte-americano Stephen Marks, da Harvard School of
Public Health. Há também um professor da Holanda, representando a Europa,
uma professora do Japão e outra da África. Nós estamos trabalhando com três
perspectivas: acesso a medicamentos essenciais — como para tuberculose,
malária e Aids, áreas em que o Brasil tem política exemplares —; alivio
da dívida, sobretudo a países atendidos pelo FMI, Banco Mundial (Bird) e
Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid); e transferência de
tecnologia. A ideia hoje é que não há ricos sem pobres. Mas será que não
é possível um desenvolvimento em que todos sejam incluídos ou será que nós
teremos os subintegrados e os superintegrados? Dados da Organização
Mundial de Saúde apontam que a pobreza é a maior causa de mortes do mundo.
É fundamental, quando se fala em desenvolvimento, não só pensar em políticas
domésticas, mas também nessa relação entre o Hemisfério Norte e o
Hemisfério Sul, no papel de cada nação nessa nova arquitetura mundial.
ConJur
— Já há em quem detém o poder uma preocupação com uma polícia mais
igualitária?
Flávia
Piovesan — Temos hoje uma arena muito privilegiada para se pensar isso. Eu
participo todos os anos do Fórum Social Mundial. No primeiro que foi
realizado, o presidente Lula acabara de ser eleito e os participantes
estavam emocionadíssimos. As plataformas econômicas e sociais, antes
totalmente divergentes, pela primeira vez tinham uma convergência.
Recentemente, a revista The Economist, que embora liberal, é consistente,
publicou uma matéria de três páginas louvando propostas do Fórum Social
Mundial em três frentes: repensar o papel do Estado diante do colapso
financeiro internacional, repensar os papéis do setor privado e dos
mercados e elaborar uma nova arquitetura financeira internacional. Cuba e
China já defendem uma convenção sobre direito a desenvolvimento, querem
algo mais duro, mais firme. Há outros países que entendem não ser
adequado classificar esse tema como direito. O desenvolvimento seria uma
concepção mais abrangente.
ConJur
— Não há como falar em Direitos Humanos hoje sem considerar o
desenvolvimento econômico?
Flávia
Piovesan — É isso. No Brasil, por exemplo, a pobreza já foi vista como
crime de vadiagem. Hoje, há projetos que tentam colocar a pobreza como
violação aos Direitos Humanos. Direitos sociais devem ser vistos como
direitos, não como generosidade, compaixão ou caridade. Essa é a voz do
Hemisfério Sul. Quando fiz doutorado em Harvard, em 1995, meu orientador
dizia que Direitos Humanos são civis e políticos, como liberdade de
expressão e direito à vida. Direitos sociais, para ele, eram um tema
transitório, que dependiam de políticas públicas e não estavam na gramática
do Direito. Nós vivemos em uma ordem macroeconômica muito assimétrica, em
que os 15% mais ricos detêm 85% da renda e os 85% mais pobres ficam apenas
com 15% dela. A América Latina, embora não seja a mais pobre, é ainda a
região mais desigual. E nela, o Brasil é onde a desigualdade é maior que
em todos os outros.
ConJur
— Isso deságua no Judiciário?
Flávia
Piovesan — Sim. Há certo estranhamento recíproco entre o Judiciário e a
população. Para a população, o grande problema da Justiça é que ela é
inacessível. Para o juiz, o problema é o mesmo: a população é distante.
Dados do IBGE mostram que apenas 30% da população têm acesso à Justiça.
Estudos da pesquisadora Maria Tereza Sadek apontam que há uma relação
entre IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] e litigância. As regiões que
mais litigam são a Sul e a Sudeste porque litigar tem haver com educação
e percepção dos direitos.
ConJur
— A interpretação dada pelo Supremo quanto à hierarquia
infraconstitucional e supralegal dos tratados internacionais de Direitos
Humanos anteriores à Reforma do Judiciário atende às expectativas
internacionais?
Flávia
Piovesan — A Constituição de 1988 criou um regime jurídico misto, que
trata de forma diferente os tratados de Direitos Humanos e os demais
tratados tradicionais. Os de Direitos Humanos têm hierarquia constitucional
e incorporação automática a partir da ratificação. Os tratados
tradicionais têm hierarquia infraconstitucional e incorporação não automática.
Isso porque deve-se tratar distintamente uma convenção pela abolição da
pena de morte e uma convenção de exportação de abacaxis. Até 1977, o
Supremo defendia o primado do Direito Internacional em detrimento do Direito
interno, até que houve o julgamento do Recurso Extraordinário 80.004. O
Supremo encarou o assunto com uma Constituição do passado e em relação a
um tema não ligado a Direitos Humanos. A disputa era a Convenção de
Genebra sobre notas promissórias e notas de câmbio e um decreto-lei
posterior que era incompatível com essa convenção. Em um longo julgado, não
unânime, entendeu-se que o decreto-lei merecia a prevalência,
entendendo-se que havia paridade hierárquica entre tratado e lei e,
portanto, norma posterior revoga a anterior. Os internacionalistas ficaram
indignados porque há um ritual para se entrar no jogo internacional e outro
para sair, que não é simplesmente descumprir um tratado, mas se retirar
solenemente por meio do instrumento da denúncia. Princípios como boa-fé
foram esquecidos. Isso durou de 1977 até 1995. Então surgiu no STF um
pedido de Habeas Corpus tratando de prisão civil para o depositário
infiel, que invocava a Convenção Americana de Direitos Humanos. O relator
foi o ministro Celso de Mello, de quem eu sou admiradora, mas com quem
fiquei decepcionada nessa ocasião. Ele herdou a posição do julgado de
1977 e levantou a tese da paridade, que foi majoritariamente aceita pelo
Supremo. Foram votos vencidos os ministros Carlos Velloso, Marco Aurélio e
Sepúlveda Pertence. Às vezes, os votos vencidos acabavam aderindo à tese
majoritária e o placar para esse tema era oito a três ou 11 a zero a favor
da prisão civil.
ConJur
— A virada no ano passado foi radical, então?
Flávia
Piovesan — No julgamento do Recurso Extraordinário 466.343, o placar foi
de 11 a 0 contra a prisão civil, inclusive com um voto maravilhoso do
ministro Celso de Mello que, humildemente e com grandeza humana, reavaliou
sua posição. O Supremo, hoje na voz dos 11 ministros, acolhe a tese do
regime jurídico misto. Isso é consenso. O dissenso é qual seria o status
privilegiado dos tratados de Direitos Humanos. O ministro Gilmar Mendes,
liderando a maioria dos ministros, entende que a hierarquia seria supralegal
e infraconstitucional. A outra corrente defende a hierarquia constitucional.
ConJur
— Já dá para saber quais os resultados práticos dessa mudança?
Flávia
Piovesan — Desde dezembro até hoje nós temos um novo momento. Isso terá
um impacto muito grande, primeiro, na divulgação dos tratados e na sua
aplicação. A primeira convenção que nós tivemos aprovada no novo
ritual, e que portanto tem status formal de emenda à Constituição, é a
Convenção para a Proteção dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Isso aconteceu em julho do ano passado, quando o Decreto Legislativo 186/08
foi promulgado, em 10 de julho. O Supremo ainda pode avançar nesse tema
porque a votação foi apertada em relação à hierarquia.
ConJur
— Como lidar com movimentos sociais quando eles extrapolam os limites da
lei, como no caso dos assassinatos cometidos por integrantes do Movimento
dos Sem Terra?
Flávia
Piovesan — Eu vejo com muita preocupação a tentativa de criminalizar os
movimentos sociais. Não há dúvida de que a atuação dos movimentos deve
se dar com responsabilidade. A sociedade brasileira foi reinventada na
democratização, quando explodiu o número de organizações não
governamentais. Os movimentos são novos atores hoje, que sabiam atuar muito
bem durante a ditadura porque a defesa de Direitos Humanos era contra o
Estado, denuncista. Com a democratização, houve uma crise de identidade de
muitos movimentos, que ao invés de denunciar, passaram a ser colaboradores
do Estado. A discussão agora é como ter autonomia e independência, mas
também ser prepositivo. À luz dos novos fatos e valores, nós temos que
nos reinventar sempre. Por outro lado, vejo com preocupação essa inclinação
em tratar o movimento social com bala. Isso não é compatível com o regime
democrático. Os excessos têm que ser controlados, mas de uma maneira menos
truculenta.
ConJur
— Qual o enfoque adequado para a questão da revisão da Lei de Anistia e
da punição a torturadores?
Flávia
Piovesan — Os países que tiveram as experiências mais exitosas na
passagem para o regime democrático, que tiveram melhor consolidado seu
Estado de Direito, foram aqueles que percorreram a Transitional Justice em
quatros dimensões: acesso às informações, reparação, reformas
institucionais e Justiça, que significa punições. Se nos compararmos com
a Argentina, o Uruguai e o Chile, nós ficamos para trás.
ConJur
— Por quê?
Flávia
Piovesan — Há uma proibição internacional absoluta com relação à
tortura. Ninguém pode admitir tortura e impunidade com relação à
tortura. É dever do Estado investigar, processar, punir e reparar. Há dois
casos recentes, um peruano e outro chileno, em que a Corte Interamericana
invalidou leis de anistia por significarem a perpetuação da impunidade,
uma injustiça continuada e permanente e por violarem parâmetros mínimos.
Eu corroboro o que diz o ministro Paulo Vannuchi [da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos] quando ele diz que esse não é um tema do passado, mas do
presente. Eu, que já era convencida dessa causa, fiquei quase que devota
quando, no dia 31 de julho do ano passado, em uma audiência pública do
Ministério da Justiça sobre o tema, me sentei ao lado de uma professora
aposentada, de cerca de 75 anos de idade, que disse ter três irmãos
assassinados na ditadura, um deles com indícios de ter tido a cabeça
decepada entregue como prêmio a militares. Eu saí de lá me perguntando se
caberia indiferença com esse passado. Será que essa mulher, como a Antígona
de Sóflocles, não teria o direito sagrado ao luto? É uma tortura psicológica
não poder enterrar seus familiares. Em qualquer cultura, esse é um ritual
sagrado. Há povos que enterram, outros que queimam, outros lançam flores,
mas a ritualização da morte é sagrada. Isso também se relaciona com o
desarquivamento das informações militares do regime. É nosso direito
coletivo saber quem somos, qual a nossa História. Não havendo isso, há um
continuísmo autoritário dentro da democracia.
ConJur
— Que ainda legitima a tortura como aceitável em certos casos?
Flávia
Piovesan — Há um ano, um orientando meu em doutorado, delegado, professor
da academia de Polícia, me apresentou um projeto. A questão que ele
levantava era “Por que a tortura persiste sendo a principal forma de
investigação nas delegacias?” Eu quase caí de costas. Não era Anistia
Internacional falando, era um delegado assumindo a prática. Isso tem a ver
com um ranço do passado, que nós não conseguimos cortar. Temos que
colocar o dedo nesta ferida porque incomoda. Nenhum presidente da República
quis enfrentar este tema. Todos dizem que é delicado. Ninguém quer
enfrentar as Forças Armadas, há uma acomodação conveniente. Enquanto em
outros países há militares que perdem a aposentadoria por esses abusos,
aqui eles dão nome a praças. O Brasil destoa em relação ao direito à
verdade.
ConJur
— Como a sociedade percebe essas consequências?
Flávia
Piovesan — No início de março, uma reunião do Conselho dos Direitos da
Pessoa Humana, em Brasília, contou com autoridades do Rio de Janeiro para
debater as milícias no Rio de Janeiro. Há uma promiscuidade de forças, em
que o Estado monopoliza a força e mantém uma relação com o crime
organizado. É por isso que são necessárias reformas institucionais. Há
dados que apontam que 22% das armas localizadas com os bandidos no Rio de
Janeiro vêm das Forças Armadas. Nós herdamos o aparato repressivo tal
como ele existia, com poucos nuances de mudanças.
ConJur
— Se a Lei de Anistia tem de ser revista quanto aos atos dos torturadores,
também não deve rever o perdão dado a militantes de esquerda por ações
terroristas?
Flávia
Piovesan — São dois atos diferentes. De um lado, indivíduos atuavam em
nome do Estado. Ou seja, a população se desarma, entrega suas armas ao
Estado, que monopoliza a violência, recebe impostos e tortura essa população.
Isso não tem sentido. Houve abusos por parte das resistências, mas não
podemos equiparar. Tortura não pode ser entendida como crime político, então
não poderia ser alvo de anistia.
ConJur
— A comparação com o regime militar de outros países e em um contexto
histórico diferente não é desproporcional?
Flávia
Piovesan — Sem dúvida isso deve ser levado em conta, mas a tortura é
inadmissível sob todos os pontos de vista. O Estado, garantidor de
direitos, se transforma em assassino. Também não é possível alegar que o
sujeito seguiu ordens, como se tivesse perdido a capacidade de refletir,
como se lhe tivesse sido eliminado o juízo ético de identificar o que é
justo, certo ou errado. A tortura é inescusável. Não há tempo o que
apague.
ConJur
— A lei de cotas também é uma forme de reparação plausível?
Flávia
Piovesan — Eu defendo as ações afirmativas, mas elas não são o único
caminho. Também é fundamental apostar em políticas universalistas, educação
e saúde para todos. Mas é preciso aliviar, remediar uma situação pretérita
de um forte padrão discriminatório, e também transformar o presente e o
futuro. Como professora da PUC [Pontifícia Universidade Católica] devo
ter, em média, 200 alunos. Se entre eles dois ou três forem negros, já é
muito. O número de afrodescendentes em universidades públicas no Brasil é
inferior a 3%, um dado pior que os da África do Sul pós-Apartheid. Então,
nossos territórios são brancos. Por isso é importante democratizar o
caminho. Se eu, como procuradora, quero ter mais colegas afrodescendentes na
minha instituição; se como professora da PUC quero ter mais colegas, médicos,
dentistas, engenheiros negros, o requisito é o diploma universitário. É
paliativo, mas é uma porta de democratização. Pelo ângulo jurídico é
absolutamente sustentável, já que a convenção racial permite a adoção
de medidas especiais temporárias para acelerar o processo de construção
da igualdade. Além disso, conviver com o diverso é o melhor exercício
para você se questionar, porque aí se chega a uma grande conclusão. Essas
construções rompem com a passividade de que isso sempre foi assim e não
vai mudar.
ConJur
— Essa questão da política de igualdade não insere uma disputa racial
que não existia antes?
Flávia
Piovesan — Vai haver tensões, sem dúvida. Basta ver o número de
Mandados de Segurança pedidos por estudantes brancos que tiveram pontuação
maior nos vestibulares, mas foram afastados em prol de grupos vulneráveis.
Por outro lado, a racialização e etinização já existem. A pobreza é
racializada e etinizada. Segundo o Ipea [Instituto de Pesquisas Econômicas
Avançadas], 74% dos pobres são negros. Meus amigos militantes negros
sempre dizem que não existe essa história de não saber quem é negro
porque a Polícia sabe quem é negro quando quer bater. Outro argumento do
Ipea é que as políticas universalistas não dão conta de estreitar a distância
que há entre brancos e negros no Brasil. A distância que havia na época
dos nossos bisavós hoje é a mesma, ainda que a curva seja ascendente, ou
seja, que um número maior de brancos e negros tenha acesso a educação e
à saúde. Nada garante que essas políticas vão resolver, mas vale a pena
arriscar. Obama, sua mulher Michelle, Colin Power, Condolezza Rice e tantos
outros foram frutos de ações afirmativas nos Estados Unidos. Lá elas
foram adotadas desde o final da década 1950. Em quatro décadas, triplicou
a classe média negra. Aqui, as medidas foram adotadas depois em 2001. Ainda
é cedo para avaliarmos os impactos, mas o que eu tenho acompanhado é que
os cotistas têm tido uma performance muito positiva, talvez até pelo peso
da responsabilidade de ter entrado por essa porta.
ConJur
— Não seria mais adequado usar o critério econômico para as cotas, e não
o racial?
Flávia
Piovesan — Eu sou favorável a que se mesclem critérios econômicos e
raciais, ainda que eles se confundam, se nós avaliarmos os dados do Ipea.
Mas, mesmo assim, a distância ainda é evidente. Temos uma maratona, em que
o ponto de chegada é o mesmo. Só que os brancos largam na frente, então
é lógico que vão chegar antes. Há urgência em criar as oportunidades.
Fonte:
Conjur, de 4/04/2009
OAB
pede que TJ de São Paulo diminua valor de cópia autenticada de processos
A
seccional paulista da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) solicitou que a
Corregedoria do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) reexamine o valor
cobrado para tirar cópia autenticada de processos. De R$ 0,80 por folha
autenticada, o preço subiu para R$ 2,10, aumento de 168% .
Segundo
a assessoria da OAB, a entidade considera o aumento excessivo e incompatível
com uma economia estabilizada. “Tal aumento vem dificultar o acesso à
Justiça e ao exercício profissional”, afirma o presidente da seccional,
Luiz Flávio Borges D´Urso.
O
ofício, assinado pela vice-presidente, Márcia Regina Machado Melaré, pede
que o Tribunal reconsidere o aumento no preço da extração de cópias
reprográficas de processos.
“Solicitamos
um reexame do aumento face à situação de crise financeira que vive o país
e um retorno aos valores anteriormente praticados”, explica Melaré. De
acordo com o OAB, os advogados reclamaram do aumento.
Fonte:
Última Instância, de 4/04/2009
Nova
Luz terá mil moradias populares
Uma
das contrapartidas exigidas pela gestão Gilberto Kassab (DEM) dos futuros
concessionários da Nova Luz, no centro de São Paulo, será a construção
de moradias populares para 1 mil famílias nos dois terrenos de 15 mil m² já
desapropriados, nas Ruas Vitória e Aurora. Cerca de 3.500 pessoas moram na
região. A diretriz deve ser incluída nas propostas que serão recebidas
dos moradores e comerciantes da área até terça-feira. O projeto, a maior
vitrine da segunda gestão do prefeito, será votado em segundo turno no dia
17, conforme definiu ontem a Comissão de Política Urbana, sob protestos de
entidades da região e do PT.
A
rapidez no trâmite do substitutivo do projeto Nova Luz enviado pelo
Executivo à Câmara na semana passada e já votado em primeiro turno segue
causando indignação nas associações de moradores e em entidades contrárias
à concessão urbanística de bairros inteiros. "Não se tem hoje
nenhuma garantia de como vão ficar os moradores da Luz. As pessoas poderão
ser desapropriadas pelos futuros concessionários, da forma como o texto está",
criticou o vereador Chico Macena (PT). As propostas de alterações no
substitutivo serão definidas na terça-feira, na sede da Associação de
Comerciantes da Santa Ifigênia.
"Deram
muito pouco tempo para a tomada de decisões tão importantes. O governo
colocou a carroça na frente dos bois", disse Paulo Garcia, que
representa os comerciantes da Santa Ifigênia - apesar de uma diretriz
indicar que os oito quarteirões do tradicional reduto de venda de produtos
eletrônicos devem ser excluídos da desapropriação, os lojistas querem
que a meta seja explicitada em um novo artigo no projeto.
O
líder de governo, José Police Neto (PSDB), adiantou que uma das mudanças
será a construção de moradias populares pelos futuros gestores. Sobre o
comércio, o líder disse que "o objetivo é incrementá-lo, não
substituí-lo". "São dois terrenos desapropriados que já servirão
para a construção de moradias populares. Também não existe e nunca
existiu a intenção de tirar os moradores do bairro", explicou.
Ao
todo, serão desapropriados 750 imóveis na região da Cracolândia, com
previsão de R$ 2 bilhões de investimentos e criação de 25 mil empregos.
"Muitos inquilinos e moradores estão em imóveis históricos que não
conseguiram ser recuperados. Esperamos que a concessão seja um instrumento
para resgatar o valor histórico desses imóveis", acrescentou Police
Neto.
O
governo quer aprovar ainda, até o fim de abril, a proposta que concede os
incentivos fiscais aos futuros concessionários de bairros. A experiência
da Nova Luz deve ser estendida para áreas degradadas das zonas leste e
oeste, conforme prevê o governo. O projeto de concessão urbanística também
precisa passar em segunda votação no Legislativo.
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 4/04/2009
Pró-Justiça
contra o calote de precatórios
Quando,
na década de 90, os bancos se encontravam em situação delicada e qualquer
abalo no sistema financeiro poria em risco toda a economia brasileira, o
governo Fernando Henrique Cardoso criou o Programa de Estímulo à
Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer),
um programa de defesa do sistema financeiro que capitalizou os bancos públicos
e privados do Brasil.
Tal
programa custou o equivalente a 2,5% do PIB do País, hoje avaliado em R$
2,7 trilhões. Certamente, o Proer terá permitido que nestes anos de
2008-2009, na crise do sistema bancário internacional, o Brasil fosse um
dos poucos países que tenha saído ileso à quebradeira global. Não é de
hoje que há, no Brasil, outra ameaça de desorganização geral,
necessitando do socorro público: trata-se da chamada "crise dos precatórios".
O
precatório, como todos sabemos, é o instrumento pelo qual a Justiça, por
meio de uma sentença final, determina que os Executivos federal, estadual e
municipal paguem o credor importância determinada.
O
tema jurídico dos precatórios é antigo como instituto do Direito pátrio
e tem suas origens nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas
surgidas por volta do ano 1500. Já em 1898, o decreto nº 3.084 regulou a
matéria, porém sem dar garantia de pagamento ao credor. Tornou-se, no
entanto, objeto de texto constitucional a partir da Constituição de 1934
(artigo 182). Propugnava-se lá a disciplina da ordem dos precatórios. Foi,
no entanto, na Constituição de 1988, em seu artigo 33 dos atos e disposições
transitórias, que houve o primeiro calote oficial à Justiça e a suas
determinações, preceituando que o pagamento dos precatórios até então
existentes ocorresse em 8 anos (prestações anuais, iguais e sucessivas).
O
segundo grande "calote constitucional" ocorreu com a promulgação
da Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, que determinou
novamente que as dívidas da União, dos Estados e municípios, frutos de
precatórios até aquele momento julgados, fossem pagas em até 10 anos. Os
entes federativos nem mesmo assim cumpriram a Lei Maior.
Hoje,
segundo calcula Flávio Brando, presidente da Comissão de Precatórios da
OAB-São Paulo, os três entes federativos - União, Estados e municípios -
devem em conjunto algo perto de R$ 100 bilhões.
O
projeto de Emenda Constitucional nº 12, de autoria do senador Renan
Calheiros (PMDB - AL), no dia 1º de abril foi aprovado por unanimidade pela
Comissão de Constituição e Justiça do Senado e, no mesmo dia, no plenário,
em dois turnos, com "aprovação a toque de caixa", seguindo agora
para votação na Câmara dos Deputados. Vai-se configurar, assim, se
aprovada, mais um estrondoso calote constitucional, determinando que o
credor, segundo o presidente da OAB federal, Cezar Britto, leve "100
anos para receber".
Mas
não é, efetivamente, o instituto do "precatório" que está em
questão neste momento, mas sim a figura da própria Justiça, cujas decisões
terminativas não são cumpridas há muitos e muitos anos, solapando seu
respeito e sua dignidade. Neste momento em que o Brasil pretende ser uma
ilha de saúde num mundo doente, como poderemos sê-lo se a própria Justiça
não tem autoridade para fazer prevalecer suas decisões? Que se dirá da
efetivação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), esse programa
tão caro ao presidente Lula, que deu-lhe até uma mãe, a ministra Dilma
Rousseff, para à sua frente protegê-lo? O que assegurará que os parceiros
do PAC serão ressarcidos num eventual descumprimento do programa pela
autoridade pública?
Acredito,
pois, que o governo federal deva realizar de imediato o "pró-Justiça",
injetando R$ 100 bilhões na economia, o que promoverá o necessário
saneamento da Justiça com a volta do respeito à cidadania. Alguns dirão
que R$ 100 bilhões é cifra exagerada e que a economia não suportará o
aumento dos meios de pagamento (o "M4", no linguajar técnico). Em
fevereiro, o M4 totalizava R$ 2,25 trilhões. Vê-se, portanto, que R$ 100
bilhões para o saneamento da Justiça significará menos do que 5% (cinco)
dos meios de pagamento globais do País.
Neste
momento em que o mundo inteiro procura manter o consumo firme e irredutível,
a fim de que a economia continue bombando, os Estados Unidos concederam,
ainda no governo George W. Bush, para simples gastos dos contribuintes, US$
168 bilhões. Felizes os brasileiros, que são credores de R$ 100 bilhões
do seu erário, e não devedores de seus cartões de crédito, como nos
Estados Unidos.
Penso
que R$ 100 bilhões terão um significado muito salutar na economia e
promoverão, por consequência, o pagamento de muitas dívidas dos próprios
consumidores com o sistema bancário e com os crediários, o recolhimento de
impostos em benefício dos governos federal, estadual e municipal, bem como
a promoção do consumo saudável e do investimento agora tão necessário.
Em
artigo de autoria de Antônio José Toffoli, advogado-chefe da Advocacia
Geral da União (AGU), publicado no jornal Valor Econômico de 4 de
fevereiro, afirmou ele que "a Advocacia Geral da União garantiu à
população mais de R$ 255 bilhões para a execução de políticas públicas
nos dois últimos anos".
Se
a AGU arrecada tantos bilhões para a execução de políticas públicas, não
é hora de um retorno de R$ 100 bilhões para os credores da Justiça? Ou a
Justiça só vale para o bem da União?
Roberto
Ferrari de Ulhôa Cintra, advogado, doutor em Direito pela Universidade de São
Paulo, especialista em Administração de Instituições Financeiras pelo
IBMEC e pela New York University, é autor do livro A Pirâmide da Solução
dos Conflitos, editado pelo Senado Federal E-mail: ulhoa@yahoo.com.br
Fonte:
Estado de S. Paulo, seção Opinião, de 4/04/2009
74%
do aumento a servidor é irreversível
O
governo só poderá cortar R$ 6 bilhões nas despesas com a folha de
pagamentos dos servidores neste ano, caso adie os reajustes prometidos. A
Folha apurou que, dos R$ 23 bilhões de crescimento nesses gastos, só 26%
correspondem a reajustes que ainda não entraram em vigor e, portanto,
poderiam ficar para depois.
Os
outros R$ 17 bilhões representam aumentos que já foram incorporados ao
contracheque dos servidores federais e vão impactar o caixa do governo ao
longo do ano. A despesa com os 2,1 milhões de funcionários é estimada em
R$ 157,019 bilhões em 2009.
O
adiamento nos reajustes é uma das medidas que a equipe econômica levou ao
presidente Lula para equilibrar o Orçamento de 2009 sem precisar aumentar
os cortes de R$ 25 bilhões já anunciados.
A
decisão sobre adiar os aumentos foi postergada, mas a proposta voltará a
ser analisada em maio, quando o governo será obrigado a reestimar receitas
e despesas. O pagamento, de acordo com o cronograma acertado entre o governo
e os sindicatos de servidores, começará a ser feito em julho.
As
carreiras que podem ser afetadas por eventuais adiamentos são justamente as
mais organizadas do funcionalismo público (Banco Central, Receita, Tesouro,
entre outros). Isso aumentará o desgaste político do governo com a decisão.
Também há o temor de disputas jurídicas, já que os reajustes estão
previstos em lei.
A
pressão criada pelos gastos com salários de servidores não é recente,
mas seus efeitos começam a ficar mais claros com a crise econômica e a
queda de quase 10% na arrecadação.
Dados
do Tesouro mostram que a despesa que mais cresceu no primeiro bimestre foi
exatamente a com folha de pagamentos: chegou a R$ 27,6 bilhões e
representou um acréscimo de 25% em relação ao mesmo período de 2008.
A
principal explicação para a elevação nas despesas é o aumento no salário
dos servidores. Desde seu início, em 2003, o governo Lula concede reajustes
generosos ao funcionalismo. A política de "reestruturação de
carreiras" teve dois momentos altos, em 2006 e 2008.
Às
vésperas da reeleição, o governo editou uma medida provisória que
concedeu reajuste a mais de 160 mil servidores (do BC, professores e fiscais
agropecuários, entre outros). O custo naquele ano foi de R$ 1,3 bilhão, e,
em 2007, de mais R$ 1,6 bilhão.
Em
2009, outras três MPs beneficiaram cerca de 90% dos funcionários federais
(1,9 milhão de servidores). É parte desse reajuste que o governo deve aos
servidores neste ano.
Essas
revisões fizeram com que carreiras como a de advogados da União -que, em
2002, entravam no serviço público recebendo R$ 3.500- tenham garantido
agora um salário inicial de R$ 14 mil.
Concursos
A
folha de pagamentos também inchou pela contratação de servidores por meio
de concursos públicos, embora o impacto seja muito menor do que os
reajustes. Foram autorizados mais de 100 mil processos de seleção e foram
admitidos quase 90 mil novos servidores entre 2003 e 2008.
A
substituição de terceirizados por servidores concursados também é
apresentada pelo governo como uma das justificativas para o aumento de
gastos. Acordo feito com o Ministério Público Federal prevê a troca de
12.500 servidores até dezembro de 2010.
O
governo já autorizou concursos para 5.000 das substituições previstas e
até o final do ano deve chegar a 7.500. O restante será selecionado no ano
que vem.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 4/04/2009
129
servidores estão no topo salarial
O
topo da pirâmide na distribuição dos salários do serviço público é
composto por 129 servidores federais. Nesse já seleto grupo de servidores
do Executivo, há ainda quatro funcionários que têm direito a desrespeitar
a Constituição.
Amparados
por decisões judiciais, esses servidores podem receber salários mais altos
que os R$ 24,5 mil pagos aos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal)
-teto estabelecido na Constituição para os salários pagos pelo governo no
país.
O
maior contracheque da administração pública está na Universidade Federal
do Ceará. Lá, um servidor com salário de R$ 9.700 conseguiu incorporar
benefícios de R$ 33,6 mil mensais à sua remuneração.
O
governo não chega a pagar os R$ 43,3 mil por mês porque tem direito a
aplicar uma lei de 1994 que desconta dos contracheques os valores que
excedem o teto do STF.
Dessa
forma, o salário de quase R$ 10 mil do servidor cearense sobe para os R$
24,5 mil permitidos em lei. É um aumento de 152% em relação ao salário
previsto.
Entre
os que têm salário ilimitado, está um servidor do Ministério do
Trabalho. Ele recebe R$ 29,4 mil por mês -duas vezes e meia o salário do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Justiça determinou que fossem
incorporados benefícios de R$ 11,7 mil ao salário e feitos cortes de R$
44,93.
Outros
três servidores também estão nessa categoria. Um no Centro Federal de
Educação Tecnológica da Paraíba (R$ 26,8 mil mensais), outro na
Universidade Federal de Minas Gerais (R$ 25,3 mil) e mais um na Universidade
Federal de Uberlândia (R$ 25 mil).
Nesses
casos, o Ministério do Planejamento informa que as sentenças determinaram,
explicitamente, que não poderia haver desconto para adequação ao teto de
R$ 24,5 mil.
O
teto para o funcionalismo foi criado em 1998, por meio de emenda
constitucional. Para evitar dribles à regra, o governo acabou também com
as vantagens salariais. Mas o limite só passou a ser aplicado a partir de
2005, quando foi aprovada lei sobre o assunto.
Na
prática, sempre que os salários dos ministros do STF são reajustados, há
um efeito em cadeia nos gastos com pessoal, especialmente no caso do Judiciário,
em que os salários de juízes e procuradores dependem do valor pago no
Supremo. Há uma diferença de 5% entre as instâncias. O teto de R$ 24,5
mil foi fixado em janeiro de 2006.
SERVIDORES
129
servidores
federais fazem parte do topo da pirâmide na distribuição dos salários do
serviço público 4 deles,
amparados por decisões judiciais, têm direito a receber salário superior
ao de um ministro do STF (R$ 24,5 mil), teto previsto na Constituição para
salários pagos pelo governo 152%
é o aumento no salário de um servidor
cearense, que deveria ter renda mensal de R$ 9.700.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 4/04/2009
Serra
exporta vitrines de sua gestão e amplia presença nacional
Um
dos principais nomes colocados na disputa eleitoral para a Presidência da
República em 2010, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), tem
nacionalizado marcas de sua gestão no Estado e exportado para prefeitos e
governadores projetos que são considerados vitrines de sua administração.
O
governo paulista tem promovido encontros e recebido técnicos e secretários
de Estado, além de prefeitos e governadores, para detalhar iniciativas
locais e repassar informações. Em alguns casos, disponibiliza
gratuitamente materiais, como o sistema da nota fiscal eletrônica e o
aplicativo para a sessão pública do pregão presencial.
Não
tem sido rara a participação de técnicos do governo em reuniões pelo País,
onde expõem os projetos paulistas, em setores como educação, economia e,
principalmente, gestão. É nessa área, aliás, que os tucanos se colocam
como especialistas. O governador mineiro, Aécio Neves, outro nome do PSDB
que pretende estar na disputa do ano que vem, tem como carro-chefe de seu
governo o chamado "choque de gestão".
Em
junho, haverá um seminário na cidade de São Paulo, para o qual foram
convidados os secretários da Fazenda de todo o País. O objetivo é
divulgar a Nota Fiscal Paulista, um dos principais projetos tucanos na área
tributária - ele prevê a devolução ao consumidor de 30% do ICMS
recolhido pelo estabelecimento -, e firmar parcerias para implementá-la nos
Estados interessados.
São
Paulo também passou a fechar acordos com outros governos, exportando o
programa de substituição tributária aplicado no Estado, na tentativa de
criar mecanismos que minimizem os efeitos negativos da ausência de uma
reforma tributária ampla. O programa de substituição tributária interna
(no qual o recolhimento do ICMS é feito no começo da cadeia) passou a ser
o parâmetro de parcerias firmadas com outros governadores na área tributária.
Desde
2007, quando Serra assumiu o Palácio dos Bandeirantes, foram assinados 13
acordos que estendem para outros Estados princípios da substituição feita
em território paulista, que adota o cálculo de margem de valor agregado
(para calcular o valor do imposto recolhido antecipadamente) e contempla
mais setores, como o de cosméticos, bebidas e alimentos. Minas será o próximo
Estado com quem São Paulo fechará um acordo. "Esse método se
espalhou pelos protocolos firmados com outros Estados. Assim há uma
uniformidade de regras adotada por todos, o que é o cunho de uma reforma
tributária", disse Guilherme Rodrigues Silva, coordenador adjunto de
administração tributária da Secretaria da Fazenda paulista.
"Os
políticos hoje sabem que não adianta fazer programa secreto. Eles querem
maximizar e dar visibilidade aos seus projetos", afirmou o cientista
político Ricardo Caldas, da UNB.
Considerada
uma das áreas mais complicadas do governo estadual, a educação também
tem nacionalizado projetos. A secretária de Educação da cidade do Rio,
Claudia Costin, adotou os chamados jornais de recuperação, distribuídos
para os alunos paulistas desde o ano passado. Uma coordenadora adaptou o
material, batizado lá de Caderno de Apoio Pedagógico, para os alunos
cariocas - e um capítulo sobre a dengue foi incluído. "Agora estamos
analisando o bônus por desempenho. Aqui, daremos um bônus maior para os
professores que atuam nas áreas conflagradas onde há presença do narcotráfico",
declarou Claudia Costin.
A
Sabesp também tem "exportado" programas na área de saneamento.
Desde 2007, a companhia fechou convênios de cooperação com cinco
concessionárias nacionais. A Companhia Espírito Santense de Saneamento
(Cesan), por exemplo, adquiriu o Aqualog - uma tecnologia que pretende dar
eficiência à produção de água - para a automação dos sistemas de dois
municípios capixabas.
GESTÃO
Mas
é na área de gestão que os programas tucanos têm tido mais visibilidade
nacional. O atual governo distribuiu gratutitamente pelo País mais de 7 mil
cópias em CD do sistema de acompanhamento da sessão do pregão presencial,
usado para compras públicas.
Em
março de 2007, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), visitou de
surpresa um Poupatempo, programa criado pelo governador Mário Covas (morto
em 2001) e uma das marcas dos tucanos. Dois meses depois, o secretário de
Gestão Pública, Sidney Beraldo, foi ao Rio fazer uma apresentação do
programa aos secretários.
Na
seara tucana, o repasse de projetos tem sido mais natural. Recentemente, o
subsecretário de Planejamento de Minas, Frederico Melo, veio a São Paulo
conhecer a Rede Intragov do governo. A governadora do Rio Grande do Sul,
Yeda Crusius (PSDB), também firmou um convênio para utilizar o cadastro Pró-Social,
sistema de gestão de programas sociais.
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 5/04/2009
Defensoria
entra na Justiça para reduzir fila de espera em postos médicos de SP
A
Defensoria Pública do Estado de São Paulo propôs, na última semana, uma
ação civil pública na Justiça para reduzir a fila de espera para
consulta com médicos especialistas na rede de saúde municipal, da zona sul
da Capital.
De
acordo com a defensoria, em cada Unidade Básica de Saúde da região há em
média de 1.000 a 2.000 pacientes aguardando consultas, exames e
procedimentos cirúrgicos com especialistas e a espera pode chegar até dois
anos.
O
pedido liminar é para que a prefeitura, no prazo de 90 dias, realize os
exames, consultas e cirurgias com especialistas daqueles pacientes que
aguardam por prazo superior a 90 dias na fila da rede pública municipal, na
região sul e também daqueles que necessitam de atendimento médico de urgência.
A
ação foi proposta após a Defensoria Pública receber relatos de usuários
da rede municipal de saúde da demora no atendimento por médicos
especialistas. Uma das pacientes, por exemplo, aguarda há 10 meses uma
cirurgia para retirada de vesícula. Antes de levar o caso para a Justiça,
a defensoria buscou, sem sucesso, diálogo com a prefeitura, visando
solucionar a questão.
Os
defensores baseiam o pedido na Constituição Federal e na legislação
nacional, argumentando que “o acesso a um sistema de saúde eficaz,
adequado ao mínimo existencial, é um direito do indivíduo e um dever do
Estado”. E também nos números obtidos em informações oficiais da
prefeitura.
De
acordo com a Prestação de Contas do 3º Trimestre de 2008 da Prefeitura de
São Paulo, por exemplo, foram contabilizados quase 5 milhões de consultas
médicas e apenas 20.094 com especialistas. Os números, segundo os
defensores públicos, “demonstram de forma incontroversa a
desproporcionalidade entre atendimento inicial e continuidade do
tratamento”.
Fonte:
Última Instância, de 4/04/2009
Assembleia
de SP ignora crise, cria cargos e mantém regalias
Em
tempos de crise econômica e de debate nacional sobre o inchaço dos
Legislativos, os deputados estaduais de São Paulo parecem seguir alheios ao
combate do desperdício de dinheiro público. Nos últimos dois meses, a
maior Assembleia do País promulgou atos que aumentaram cargos na Mesa
Diretora e mantiveram antigas regalias para deputados, como gabinetes
especiais para ex-presidente, ex-primeiro-secretário e ex-segundo-secretário,
com carro oficial e cargos de confiança.
No
Palácio 9 de Julho, os parlamentares que ocupam a vaga de membros titulares
no comando da Casa (presidente, primeiro-secretário e segundo-secretário)
não voltam à "vala comum" dos deputados quando seu mandato na
Mesa termina. Eles têm direito ao gabinete de "ex" pelos dois
anos seguintes. O benefício existe desde 2003 e não exige que se abra mão
da antiga sala de deputado "comum". Os parlamentares acumulam as
duas estruturas e as respectivas regalias.
Para
o funcionamento da sala de "ex", cada deputado pode nomear até
cinco assessores, no caso do ex-presidente, e até quatro, no caso dos
ex-secretários. É obrigatório que apenas um funcionário seja concursado.
No
apagar das luzes de 2008, em 29 de dezembro, a Casa, em uma única canetada,
mais que dobrou esse quadro de funcionários. No último dia 26, uma nova
publicação recuou aos patamares anteriores.
Os
três ex-dirigentes também têm à disposição um veículo oficial, além
do que já é concedido a todos os 94 deputados, e cotas de material, xerox,
correspondência e telefone.
O
custo desses gabinetes é mantido em sigilo. O Estado apurou que apenas o
gasto com os funcionários é de, ao menos, R$ 11,5 mil para cada sala. Em
2008, a Assembleia custou aos contribuintes R$ 569,9 milhões, sendo R$
471,1 milhões gastos com pessoal.
O
curioso é que nem sempre os gabinetes são ocupados por essas três
ex-autoridades. No último ano, quem despachou na sala de ex-presidente foi
o deputado Eli Correa Filho (DEM). Ele recebeu a sala do ex-presidente
Rodrigo Garcia (DEM), que assumiu uma pasta na Prefeitura de São Paulo. Os
antigos (Eli, Fausto Figueira e Geraldo Vinholi) e atuais beneficiários
(Vaz de Lima, Donisete Braga e Edmir Chedid) dessas estruturas foram
procurados, mas nenhum deles atendeu aos pedidos da reportagem.
O
acúmulo de gabinetes para ex-integrantes da Mesa é uma invenção
paulista. Nem o Senado e a Câmara Federal, que estão no epicentro da polêmica
sobre o descontrole de gastos públicos pelos Legislativos, adotam essa prática.
VICE-PRESIDÊNCIA
O
retrato do desperdício não para por aí. Em fevereiro, a Assembleia
decidiu engordar os cargos da Mesa Diretora. Foram criados dois gabinetes
para vice-presidentes, apesar de já existirem outros dois. Na época, o então
presidente, Vaz de Lima, alegou que era preciso mais substitutos para casos
de ausência do presidente.
Neste
mês, a nova Mesa Diretora, sob o comando de Barros Munhoz (PSDB), deu o
passo seguinte na criação dessas estruturas. Definiu as cotas de
correspondências, telefonia, materiais e xerox e criou os seus respectivos
cargos, usando aqueles remanescente das salas dos "ex". As vagas
existiam no quadro da Casa, mas não estavam preenchidas. Por isso, a
incorporação delas às vice-presidências resultará, inevitavelmente, em
aumento de despesas.
Munhoz
não considera as medidas um desperdício. "Claro que temos defeitos,
mas eles são tão pequenos perto das aberrações que vemos na imprensa
sobre o Congresso."
Outra
regalia, mas esta ao alcance também dos funcionários, é a comodidade de
ter um consultório de cardiologia na Casa, além do ambulatório médico de
clínica-geral. Ele atende não só casos de emergência, mas faz consultas
e alguns exames. Foi criado inicialmente para atender apenas deputados e está
estrategicamente alocado ao lado do plenário, palco das discussões políticas.
Há alguns anos, por causa da baixa demanda, o serviço foi estendido a
todos. A Assembleia não oferece plano de saúde aos servidores.
Também
saltam aos olhos as cifras com despesas comuns, como correspondências e
xerox. Um único contrato da Assembleia com os Correios, no valor de R$ 18,5
milhões, autoriza o envio de até 3,54 milhões de cartas simples por ano.
Isso representa uma média de 9.698 unidades por dia. Além disso, cada
deputado pode pagar e pedir reembolso via verba indenizatória por despesas
com correios. Apenas em fevereiro - último lançamento de despesas feito
pela Casa - eles solicitaram ressarcimento de R$ 48 mil para esse tipo de
despesa.
Isso
sem falar nos gastos com xerox, cópias de documentos e material gráfico,
que totalizaram reembolsos a deputados de R$ 240,5 mil no mesmo período,
apesar de todos os gabinetes terem copiadoras e a Casa ter um departamento
exclusivo para xerox, administrado por um diretor - a Assembleia tem 67
diretores, média de 2 para cada 3 parlamentares.
LAPTOP
Os
deputados paulistas recebem um laptop quando assumem o mandato. Só precisam
devolver o equipamento se deixarem o cargo. O mesmo vale para os veículos
oficiais. Um caso curioso chamou a atenção no início do ano. Um dos veículos
apareceu no estacionamento com as rodas originais substituídas por outras
de estilo mais esportivo. O veículo, modelo Corolla, ano 2009, foi comprado
no fim do ano passado pela Casa por R$ 48 mil. Foram gastos R$ 7,2 milhões
com a nova frota.
"Uma
das rodas trincou ao cair num buraco. Ela foi consertada e todas estão
guardadas. Quando tiver de devolver, eu coloco novamente. Comprei as rodas
com meu dinheiro e não há nada errado nisso", disse o deputado
Luciano Batista (PSB). Segundo o Departamento de Transportes, nada proíbe
os deputados de mudarem acessórios desde que permitidos por lei. A exigência
é que o carro, ao ser devolvido, tenha a configuração original.
Fonte:
Estado de S. Paulo, de 6/04/2009
Promotoria move ação contra 4 ex-diretores da Nossa Caixa
A
Promotoria de Justiça do Estado de São Paulo moveu ação de improbidade
contra quatro ex-diretores da Nossa Caixa, entre os quais dois
ex-presidentes do banco, e duas agências de propaganda contratadas em 2002
para promover ações de marketing e de patrocínio do banco no governo
Geraldo Alckmin (PSDB).
As
irregularidades foram reveladas pela Folha numa série de reportagens
publicadas a partir de dezembro de 2005.
Segundo
a acusação, durante um ano e oito meses, a Nossa Caixa operou sem contrato
formal com as agências Full Jazz Comunicação e Propaganda Ltda. e Colucci
& Associados Propaganda Ltda. O Ministério Público também sustenta
que as agências prestaram serviços por valores que superam os limites da
Lei de Licitações.
A
ação, distribuída à 12ª Vara da Fazenda Pública, foi proposta contra
Valdery Frota de Albuquerque, presidente do banco à época dos fatos;
Waldin Rosa de Lima, seu assessor informal; Carlos Eduardo da Silva
Monteiro, ex-diretor jurídico e ex-presidente; Jaime de Castro Junior,
ex-gerente de marketing do banco, e contra as empresas de propaganda.
O
Ministério Público pede que todos façam o ressarcimento de R$ 49,2 milhões,
além do pagamento de multa de R$ 98,5 milhões, perdas de eventuais funções
públicas e suspensão de direitos políticos.
Denúncia
anônima enviada à Promotoria em setembro de 2005 apontava duas suspeitas:
a operação sem contrato, e o fato de que deputados da base aliada do
governo tucano teriam sido beneficiados na distribuição de recursos para
publicidade do banco. A ação trata apenas da primeira suspeita.
Em
abril de 2006, o Tribunal de Contas do Estado rejeitou a tese de "erro
formal" nos contratos com as agências Full Jazz e Colucci. A tese foi
sustentada pelo ex-governador Alckmin, quando os fatos foram publicados pelo
jornal.
Em
decisão unânime, o TCE julgou que houve "afronta à legalidade e
moralidade" nos "ajustes verbais" com as duas agências. Também
entendeu que houve "desvio de finalidade" na veiculação de anúncios
da Nossa Caixa "em veículos ligados a deputados estaduais".
De
acordo com os promotores Roberto Antonio de Almeida Costa e Sérgio Turra
Sobrane, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, os
contratos entre o banco e as duas agências de propaganda foram firmados em
15 de março de 2002, pelo prazo de 18 meses, e deveriam ter vigência até
14 de setembro de 2003, mas foram executados até junho de 2005, sem
prorrogação formal dos prazos.
Durante
a vigência do contrato, as duas agências prestaram serviços em valores
30,88% maiores que o total contratado, o que contraria a Lei de Licitações.
Entre setembro de 2003 e junho de 2005, elas prestaram serviços sem
cobertura contratual no valor total de R$ 45,5 milhões. A Promotoria pede
ainda a anulação dos atos administrativos.
Fonte:
Folha de S. Paulo, de 6/04/2009
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