Discussão sobre tortura não
se restringe ao passado, diz Flávia Piovesan
Flávia Piovesan, prestes a completar 40 anos,
é considerada um dos maiores expoentes da nova geração do Direito, sobretudo
aquele trata dos direitos humanos. Por trás de um currículo de promotora e
integrante do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a defesa dos Direitos
da Mulher e que hoje carrega obras como o recém-lançado Código de Direito
Internacional de Direitos Humanos Anotado, da DPJ Editora, está a mulher com
uma filha de pouco mais de um ano, que adora praia, cinema, música clássica
e viagens e cujos livros de Sofia de Melo, Manoel de Barros, José Saramago e
Clarice Lispector não saem da cabeceira.
Nesta entrevista concedida para o primeiro
número da revista “Última Instância Livraria”, ela comenta sobre direito
internacional, direitos humanos, Lei de Anistia, Constituição e tortura,
questões atemporais que, segundo ela, não devem ser separadas em passado,
presente e futuro.
Leia a entrevista
Última Instância — Por que um Código de
Direito Internacional de Direitos Humanos?
Flávia Piovesan — Porque, na realidade, o que
se observa é que há uma multiplicação, uma proliferação de normas, decisões,
recomendações que afetam os direitos humanos. Das mais diversas ordens. Da
esfera local, regional e global. E não havia, até então, uma obra que
pudesse compilar, sistematizar e organizar esse repertório normativo e
jurisprudencial. O Código de Direito Internacional de Direitos Humanos tem
esta vocação. De um lado, identificar os principais parâmetros protetivos de
Direitos Humanos, seja da ONU, da OEA, sistema de Direito Americano, sistema
Africano e Europeu. Mas também o Código trabalha com uma visão holística,
incluindo a dimensão trabalhista e ambiental. Sejam os parâmetros da OIT,
sejam os parâmetros ambientais, penais, do Tribunal Penal Internacional, e
também ligados aos refugiados. Cada vez mais, na ordem contemporânea a marca
é a do diálogo horizontal ou vertical. Ou seja, que as decisões do nosso
Poder Judiciário possam levar em consideração decisões, por exemplo, da
Corte Européia, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Possam levar em
consideração recomendações do comitê da ONU sobre a discriminação à mulher.
Última Instância — Isso cria um, ou muitos,
conflitos dentro dos países. Essa matriz é única? É a mesma matriz de
direitos humanos para todos os povos?
Flávia Piovesan — Os documentos internacionais
de direitos humanos costumo dizer que fixam parâmetros protetivos mínimos.
Admitem um piso mínimo, e não um teto máximo de proteção. Ou seja, se a
legislação doméstica for além daqueles parâmetros, excelente. O que não pode
é estar aquém. Eles irradiam essa consciência ética contemporânea sobre o
mínimo ético irredutível. Qual o impacto dessa normatividade no Brasil?
Temos diversas situações. A primeira, quando há coincidência. Cada vez mais,
ao estudar os parâmetros internacionais, observamos a incorporação deles no
âmbito brasileiro. Basta notar o artigo 5° da Constituição e a Declaração
Universal de Direitos Humanos. Há uma coincidência. Quer dizer, a bagagem da
declaração, o seu legado, se mostra esculpido aqui. Quer dizer, uma sintonia
entre a ordem interna e a internacional. Há casos em que a ordem
internacional preenche lacunas. Por exemplo, no Brasil não há nenhuma regra
definindo o que é discriminação racial, mas aderimos a um convênio, a uma
convenção, que prevê o que é isso. Quanto à tipificação da tortura, houve um
julgado do Supremo que disse que temos a definição internacional decorrente
deste tratado e, quando houver conflitos, aplica-se sempre a norma mais
protetiva, a mais favorável ao ser humano.
Última Instância — Há juízes no Brasil que não
adotam essa compreensão, que dizem “temos uma questão de soberania e não
posso usar como parâmetro o internacional”. Como se consegue resolver? É só
com uma palavra final do Supremo que vai sanar essas diferentes
interpretações?
Flávia Piovesan — Sem dúvida o Judiciário
ainda se mostra refratário, resistente a esses parâmetros. Mas fico feliz de
poder responder isso hoje, porque o Supremo passa por um momento muito
estratégico, em que revisita a sua jurisprudência sobre essa matéria. A
decisão anterior do Supremo era: a Constituição está acima. E os tratados,
versem eles sobre a exportação de abacaxis, versem sobre a abolição de pena
de morte, têm paridade com a lei federal. Hoje, o Supremo revisita esse
tema, na voz de seu presidente Gilmar [Mendes]. É urgente que o Supremo
reassuma uma nova posição e que rompa com essa jurisprudência do passado. E,
à luz de uma leitura dinâmica e evolutiva da Constituição, permita avançar e
celebrar esse processo de internacionalização dos direitos humanos. Em voto
recente de março deste ano, o ministro Celso de Melo tem a hombridade de
confessar que está reavaliando a sua posição inicial, para defender a
hierarquia constitucional dos Tratados de Direitos Humanos. Ou seja, é como
se o nosso código completasse, em boa parte, a Constituição original de
1988. Teria status constitucional e viria a ampliar o que a gente chama de
bloco de constitucionalidade.
Última Instância — Em que tempo isso poderia
se dar?
Flávia Piovesan — Veja, nesse campo há uma
divergência grande na doutrina e na jurisprudência. Mas o que creio é que
uma posição do Supremo afirmativa, por exemplo, do status privilegiado desse
tratado, o que posso dizer é que há dois consensos. Um: a leitura passada
merece ser revisitada criticamente; dois: não podemos, diz o Supremo,
emprestar-se aos tratados de direitos humanos o mesmo regime jurídico dos
tratados tradicionais. Estes são os dois pontos consensuais. O ponto de
dissenso é: qual é o status desses tratados? Para alguns ministros, seria de
norma constitucional. Para outros, seria de norma intra-constitucional, mas
supralegal. Já é um avanço. Estive recentemente, em junho, em um debate até
com um ministro da Suprema Corte argentina, Raul Zafaroni, na Câmara dos
Deputados, discutindo esse assunto. E o professor Zafaroni disse muito bem.
A reforma que passou a Carta argentina em 1994, quando foi emendada e nela
passou a constar que os Tratados de Direitos Humanos têm hierarquia
constitucional, teve impacto extraordinário, porque a partir de então o
Judiciário não mais discutia o assunto, passou a incorporar como norma
constitucional e ponto final. Acabaram as dúvidas, as controvérsias. E aqui
[no Brasil] nós ainda vivemos um celeuma que é compreender a Emenda 45/04,
no que pertine a inclusão no Parágrafo 3° do Artigo 5°, que prevê que os
tratados sobre os direitos humanos, aprovados em cada Casa do Congresso em
dois turnos, três quintos dos votos dos membros, serão equivalentes às
emendas à Constituição. Todo o celeuma se atém ao alcance interpretativo
desse dispositivo. Mas penso que já houve um grande avanço o Supremo
entender que há de ser repudiada a visão anterior.
Última Instância — Dá para esperar algum tempo
para se classificar isso?
Flávia Piovesan — Esse é um tema que eu tenho
trabalhado muito, até porque o meu doutorado em 1996 foi sobre ele, então há
pelo menos 13 anos acompanho pari passo. O que aconteceu? Um tema sensível,
que tem a ver com essa questão: a prisão civil do depositário infiel. Há um
tratado, que o Brasil ratificou, que é a Convenção Americana, que proíbe a
prisão civil por dívidas e a Constituição também proíbe a prisão civil por
dívidas, salvo alimentos e depósito infiel. Há um conflito. Esse conflito
chegou ao Supremo. Em 1995, o que o Supremo diz? Que a Convenção Americana
era incorporada em grau inferior à Constituição. Prevalecia, portanto, a
Constituição e negado era o habeas corpus e mantinha a prisão civil do
depositário infiel. Placar: 8 a 3 favoráveis à prisão e em outros julgados
11 a 0, porque por vezes a minoria se rende à maioria. Saltemos da história
13 anos, 2008. O placar até agora com relação ao mesmo tema é 8 versus 0 até
agora, pois faltam três votos a serem definidos, contrários à prisão civil
por dívida. Então, podemos ter um placar oposto ao que tínhamos em 1995. É
muito alentador e percebemos que, se há uma constante do mundo, é que o
mundo se transforma. Ainda bem.
Última Instância — Neste ano a Declaração
Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos. De lá para cá, a gente
presenciou no Brasil um regime militar e suas práticas e hoje um debate
sobre a existência ou não de um estado policial no Brasil. No campo
internacional, apenas para citar um caso, temos os horrores frescos na
memória de Abu Ghraibe. Olhando à primeira vista, a impressão que dá é que
avançamos no tempo, mas recrudescemos nos desrespeitos aos direitos humanos.
É isso mesmo?
Flávia Piovesan — Penso que há dois
referenciais jurídicos fundamentais para este debate. Um deles é a
Declaração Universal, que completa 60 anos, o outro é a nossa Constituição
de 1988, que completa seus 20 anos no dia 25 de outubro. Costumo dizer que
há o direito brasileiro pré e pós 1988, ao menos no campo dos direitos
humanos. Porque a Constituição permitiu reinventar o marco normativo afeito
a esses direitos. Por exemplo, a mais vasta legislação aprovada para o
efetivo dos direitos humanos veio no pós-1988, em sua decorrência e sob sua
inspiração. A lei que tipifica a tortura como crime é de 1997; a lei que
pune o racismo é de 1989; o Estatuto da Criança e do Adolescente é de 1990;
o Código de Defesa do Consumidor está completando a sua maioridade. Em suma,
temos um repertório normativo. Qual é o impasse? Tivemos séculos e séculos,
por exemplo, em que a tortura e o racismo eram permitidos. E agora nós temos
o quê? Vinte anos, às vezes 15 anos. A violência contra a mulher, a Lei
Maria da Penha é de agosto de 2006. Ou seja, pavimentamos eticamente a ordem
jurídica, esse é o primeiro passo, mas o passo mais dificultoso é a
introjeção de mudanças culturais, é transformar cabeças e mentes para a
abertura à causa dos direitos humanos. Porque por vezes temos o referencial
jurídico, mas temos a prática, o costume, de violar direitos humanos.
Última Instância — Por que a gente ainda ouve
muito a crítica à defesa dos direitos humanos e a classificação dessa defesa
como sendo a defesa dos direitos dos bandidos?
Flávia Piovesan — É uma pena. Começo a minha
aula do curso de direitos humanos na pós e na graduação com essa pergunta. O
conceito e o pré-conceito sobre direitos humanos. De fato, uma visão
pré-conceituosa é essa distorcida de que a defesa dos direitos humanos é a
defesa dos criminosos. E para nós não. Penso que é importante reforçar a
idéia de quem defende os direitos humanos defende o direito de todos. E de
todos os direitos. À saúde, à educação, ao trabalho, ao lazer, à
alimentação, à proibição da tortura, à vida, à liberdade e assim por diante.
Creio que é fundamental, e o Código Internacional de Direitos Humanos
reforça esse propósito, contribui extraordinariamente para esse propósito,
reforçar essa visão de que os direitos humanos envolvem essa visão
holística. Direito ao meio ambiente. Quem defende o meio ambiente defende os
direitos humanos; quem defende uma educação de qualidade defende os direitos
humanos. Isso é fundamental.
Última Instância — Em certo sentido, dá para
dizer que os organismos internacionais parecem ter perdido força diante da
atuação de grandes nações, mais especificamente dos Estados Unidos, com
relação à defesa dos direitos humanos. Um grande exemplo disso é o papel da
ONU relegado a segundo plano durante o conflito no Iraque, que ainda
persiste. Como mudar essa situação? É difícil de falar hoje de uma
humanidade una?
Flávia Piovesan — Creio que as Nações Unidas
mereçam uma profunda reforma. A ONU ainda reflete a geopolítica de seu
tempo, de 1945, vide a formação do Conselho de Segurança, quem são os
membros permanentes, e assim por diante. A ONU foi criada em um cenário em
que o mundo era habitado, em média, por 70 Estados. E hoje nós temos 200.
Última Instância — Você acha que tem que
acabar o Conselho de Segurança?
Flávia Piovesan — Não. Temos que redefinir a
ONU. Sou do time que defende uma ONU melhor. É melhor um mundo com ela do
que sem ela. Mas ela vive uma crise de identidade ao longo desses anos. O
que eu penso que é necessário? A ONU se inspira em três propósitos básicos:
manter a paz e a segurança internacional; promover a integração
internacional no campo social e econômico; e promover os direitos humanos.
Só que não há a paridade desses três propósitos. O orçamento da ONU está
muito mais na repressão às guerras, no tema da guerra e segurança, do que
dos direitos humanos. Lembro de ter participado de uma seção da ONU quando
Sérgio Vieira de Melo estava presente e dizia que o orçamento da ONU para
direitos humanos era de 2,8%. E não há melhor política preventiva a
conflitos do que apostar nos direitos humanos. Então, esse é o primeiro
ponto, balancear melhor os seus três propósitos. Segundo, a ONU teria que se
tornar um órgão mais democrático e mais um reflexo da geopolítica de 2008.
Como? Revitalizando a Assembléia Geral, que é o nosso Senado mundial, que é
o nosso mosaico em que todos os Estados têm representatividade. Fortalecendo
sua justiça, a Corte Internacional de Justiça até hoje só tem acesso Estados
e penso que teria que ser aberto a outros campos, como as organizações
governamentais. E revisando o Conselho de Segurança, porque a estrutura é
absolutamente não-democrática. Por aí já seria um ótimo caminho para uma
agenda de fortalecimento da credibilidade das Nações Unidas. Também tem
outro aspecto muito debatido aos direitos humanos. Como eu dizia, há um
mundo pré e pós-1988 no Brasil; no mundo ocidental, um mundo pré e pós-1945.
Por exemplo, no campo internacional, o direito aos direitos humanos veio no
pós-1945, em resposta às barbáries totalitárias da era Hitler. Isso acaba
envolvendo a necessidade de refletir sobre a soberania estatal, porque os
direitos humanos se projetam na arena global, como tema de legítimo
interesse da comunidade internacional, isso demanda uma releitura de
soberania. Até porque [Jürgen] Habermas [filósofo alemão] menciona: quem é
soberano? É o Estado, é o povo? A soberania deve respeito também aos
direitos humanos? Há esses debates. Mas saímos de uma época em que havia o
princípio da não-intervenção dos Estados, em nome da soberania absoluta,
passamos para uma segunda fase em que há o direito de ingerência e hoje há
uma terceira fase em que se questiona muito as omissões da ONU em que se
fala na international responsibility to protect [literalmente,
responsabilidade internacional de proteger]. Ou seja, não mais em um direito
de ingerência, mas quase um dever de ingerência quando há graves violações
de direitos humanos. Gravíssimas violações de direitos humanos, como
genocídios, não hão de merecer a indiferença internacional.
Última Instância — Isso se junta também com um
debate recente, que impera no Brasil, que é a questão da Lei da Anistia. A
sra. tem defendido o argumento de que tortura é um crime contra a humanidade
e que, por isso, é imprescritível. Por quê?
Flávia Piovesan — A tortura, pela sua
gravidade, aponta a uma perversidade, no prisma internacional. O Estado que
garante direitos e passa a ser assassino e delinqüente, porque, no âmbito
internacional, o crime de tortura é um crime próprio, que demanda que o
sujeito ativo seja alguém ligado direta ou indiretamente ao Estado. Veja
bem: no Estado Democrático de Direito, quem tem o monopólio da força é o
Estado. Nós nos desarmamos e entregamos as armas ao Estado. Pagamos
impostos, tributos. E esse mesmo Estado se vale dessas armas para nos
torturar. Então, penso que é um crime de extrema gravidade, que viola a
ordem internacional, que afronta a humanidade e, por isso, é um crime
imprescritível, insuscetível de anistia. É a visão que tenho. Isso
corroborado em convenções internacionais, no costume internacional, na
jurisprudência internacional. E também entendo que o Brasil tem um débito. O
que se chama de transitional justice [da justiça de transição]. A pergunta
é: como é que saio de um regime autoritário e percorro esse ritual de
passagem para uma ordem democrática? Trago o trabalho da Katherine Seeking,
que aponta em uma pesquisa extremamente consistente, à luz de todo o Cone
Sul, que os países que fizeram essa transição e que trabalharam com os
mecanismos da transitional justice permitiram fortalecer o regime de
direitos humanos, o Estado de Direito e o Regime Democrático. O que seria a
justiça de transição? Envolveria, de um lado, o direito à verdade, o acesso
aos arquivos em nome de um bem coletivo e de um bem individual. Permitiria o
direito à justiça, que é investigar, processar e punir aqueles algozes
daquele regime. Em uma notinha de rodapé, em duas semanas, a Justiça
argentina condenou à prisão perpétua militares que torturaram. Sou contra a
prisão perpétua, mas lá esse é o debate. Enquanto que aqui eles continuam
sendo nome de praças, de ruas e assim por diante. Além do direito à verdade
e à justiça, um terceiro aspecto seria o direito à reparação. Indenizações.
Nisso o Brasil têm feito algo, com as comissões de anistia. E um quarto
aspecto, que me parece bastante importante, é o das reformas institucionais,
porque na ordem democrática herdamos instituições como Forças Armadas,
Polícia Civil e Polícia Militar. Incólumes, como se nada houvesse se
passado. Penso que reformas de instituições são fundamentais para uma
solidez democrática. E aquele perigo que muitos assinalam: “Ah! Mexer com
isso é mexer com o passado! Isso vai causar instabilidade, golpe etc”. O que
essa pesquisadora comprova, neste consistente estudo, é que não. Mostra o
oposto, mostra que a população crê na lei, no Estado de Direito porque vê
que a lei alcança não só os ordinários cidadãos comuns, mas as autoridades,
que não são mais blindadas. Isso reforça a ética republicana. Também aquele
que vai ingressar na instituição, por exemplo, Forças Armadas ou polícia,
vai saber que torturar é algo do passado. No Brasil, temos ainda um
continuísmo autoritário na ótica democrática. Por que a tortura persiste?
Como diz o ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, essa não é uma
discussão que tem a ver só com pagar contas do passado, é uma discussão do
presente e do futuro. Qual é o presente que queremos e o futuro que
queremos? Para isso, temos que olhar para trás.
Última Instância — E os críticos que dizem que
essa visão é, em certo sentido, uma visão revanchista?
Flávia Piovesan — Entendo que não haveria
qualquer revanche, até porque boa parte daqueles que reagiram ao regime
ditatorial foram torturados. De alguma maneira, foram sancionados de forma
arbitrária no sistema. O que nós queremos? Revelar essa verdade. Isso
permite um amadurecimento no que tange a construção da nossa identidade
coletiva. Pelo menos os arquivos. E digo mais: se não fizermos, alguém o
fará. Exemplo: a Justiça italiana, no final do ano passado, determinou a
prisão de três militares brasileiros. Por terem participado ativamente da
operação Condor, entregando três ítalo-argentinos à Argentina e lá eles
desapareceram forçosamente. Já está aberto o caso no âmbito internacional
com base na convenção contra a tortura. Uma outra saída é, ora, os crimes de
desaparecimentos forçados são crimes continuados, permanentes, enquanto não
houver informação precisa dos corpos, das circunstâncias desses crimes etc.
Se não há a abertura dos arquivos, se há, pasme, uma lei, a 11.111/05, que
cria a categoria dos documentos ultra-secretos, que podem permanecer em
sigilo eterno, esses crimes se tornam crimes abertos, uma injustiça
continuada e permanente. E, praticados que foram de forma geral e
sistemática na ditadura, são crimes contra a humanidade, que são da
competência material do Tribunal Penal Internacional. Então, é sustentável
esta tese. De que os militares poderiam até responder perante o Tribunal
Penal Internacional, caso nada seja feito.
Última Instância — Por esta legislação, o que
classifica o que é ultra-secreto? É o próprio Estado?
Flávia Piovesan — É o próprio Estado. Em nome
da soberania nacional.
Última Instância — O Brasil tem cumprido os
tratados internacionais de defesa dos Direitos Humanos dos quais é
signatário?
Flávia Piovesan — Creio que há hoje avanços,
porque direitos humanos na ditadura era uma agenda contra o Estado e hoje
temos a visão de que direitos humanos são elemento crucial, o ingrediente
fundamental para a democracia do Estado de Direito. E temos uma pasta, temos
um Ministério de Direitos Humanos. Então, passou a ser tema de política
pública, o que é um avanço. Mas prosseguimos com as violações sistemáticas,
somos o quarto país mais desigual e o quarto mais violento do planeta. Não
por mera coincidência. Mas começo como terminei, com Hannah Arendt, quando
ela lembra que é possível modificar, pacientemente, o deserto com as
faculdades da paixão e do agir. E ela lembra que, se todos temos o mesmo
destino, que é a morte, passemos a começar porque o ser humano é, ao mesmo
tempo, o início e o iniciador.
Fonte: Última Instância, de
2/11/2008
Líder de força-tarefa anticorrupção é réu em processo por quadrilha
Empenhado na coordenação de força-tarefa que
criou há duas semanas para propor ações civis públicas de combate à
corrupção e à improbidade administrativa, o procurador-geral da União
Jefferson Carlos Carús Guedes aposta em um habeas corpus para tentar
livrar-se de processo criminal no qual ele próprio é réu por formação de
quadrilha - acusação que lhe é imposta pela Procuradoria da República com
base em inquérito da Polícia Federal que reúne cerca de 600 horas de escutas
telefônicas realizadas com autorização da Justiça.
O habeas corpus foi impetrado em abril pela
defesa de Guedes e acolhido, em caráter liminar, pelo desembargador Luiz
Stefanini, da 1.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3),
que sustou a ação até decisão final de mérito.
Por enquanto, a medida livrou o
procurador-geral da União do interrogatório a que seria submetido na 4.ª
Vara Criminal Federal, onde foi aberto contra ele o processo
2008-61.81.003566-2.
Guedes ingressou na Advocacia-Geral da União
(AGU), no concurso de 2000, para seguir carreira na Procuradoria-Regional da
União da 3.ª Região, em São Paulo. Em 2003, atuou como consultor jurídico do
Ministério da Previdência Social e, em 2004, como procurador-chefe da
Procuradoria Federal Especializada do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS).
Ele também integrou a consultoria jurídica do
Ministério da Educação e trabalhou na Escola da AGU até fevereiro, quando o
advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, o nomeou
procurador-geral da União.
Cabe ao procurador-geral fazer a defesa da
União em demandas perante o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal
Superior do Trabalho. A Procuradoria-Geral da União é órgão de direção
superior da AGU e atua no contencioso. Jefferson Guedes é membro nato do
Conselho Superior da AGU.
O processo criminal contra Guedes é resultado
de desdobramento da Operação Perseu, desencadeada pela PF em dezembro de
2004. Foram presos 12 auditores fiscais do INSS e empresários de Mato Grosso
do Sul e outros 7 Estados, envolvidos em suposta fraude na Previdência
estimada em R$ 100 milhões - a investigação revela que o grupo, escorado em
serviços de advogados, agentes públicos, contadores e despachantes,
praticava emissão irregular de Certidões Negativas de Débito, apropriação
indébita de contribuições previdenciárias, sonegação fiscal, tráfico de
influência e vendia informações confidenciais.
No fim de 2005, a Procuradoria da República em
Campo Grande (MS) remeteu cópia da apuração e a transcrição dos grampos
telefônicos ao Ministério Público Federal de São Paulo.
CARGOS ESTRATÉGICOS
Além de Jefferson Guedes, que na época exercia
a função de procurador-geral do INSS, são citados na ação criminal outros 8
investigados, entre advogados, auditores fiscais e procuradores do INSS.
"Consta dos autos do inquérito policial que, no período de junho a dezembro
de 2004, os réus, com consciência e livre vontade, uniram-se em quadrilha ou
bando com o fim de praticar reiterados crimes em detrimento da Previdência
Social", assinala o procurador João Gilberto Gonçalves Filho, do Ministério
Público Federal.
O procurador da República destaca: "Os crimes
eram de corrupção ativa e passiva, tráfico de influência, estelionato e
advocacia administrativa."
Sobre Jefferson Guedes, o Ministério Pública
afirma: "Seu papel era o de nomear servidores para cargos estratégicos
dentro da fiscalização e da Procuradoria do INSS, que pudessem atender aos
objetivos da quadrilha."
A denúncia, em 6 páginas, foi apresentada à
Justiça em 18 de fevereiro. Segundo a acusação, Guedes, "nas questões de
corrupção envolvendo cliente da quadrilha envolveu-se pessoalmente,
mandando-o tratar com impiedade". O procurador-geral da União caiu no grampo
da Polícia Federal.
A investigação destaca a conduta dos supostos
parceiros de Guedes. Um deles, "advogado influente, professor universitário,
procurador aposentado do INSS, alardeava que possuía controle sobre a
Corregedoria do INSS, que tinha influência na Casa Civil da Presidência da
República e poderia fazer administrativamente o que bem entendesse no INSS
durante o mandato do presidente Lula".
"De fato, (o advogado) tinha influência
criminosa sobre o Conselho de Recursos da Previdência Social", sustenta o
Ministério Público Federal. "Bem como sobre diversos servidores do INSS,
conseguindo obter vitórias no contencioso administrativo que só se explicam
pela corrupção e pela absoluta falta de comprometimento com a ética."
Fonte: Estado de S. Paulo, de
3/11/2008
Advogados da União devem ajuizar 500 ações
Réu em processo criminal por quadrilha, o
procurador-geral da União, Jefferson Carlos Carús Guedes, acaba de instalar
força-tarefa para propor ações civis públicas de combate à corrupção e à
improbidade administrativa. Foram mobilizados 26 advogados da União para
atuar em 1.174 casos, identificados em municípios de todos os Estados. Eles
apontam a participação de agentes públicos em fraudes como licitações
direcionadas e superfaturamento.
A previsão é de que pelo menos 500 ações sejam
ajuizadas no início de dezembro - possivelmente no dia 9, quando será
comemorado o Dia Internacional de Combate à Corrupção. De acordo com a
Procuradoria-Geral da União a ofensiva resultará na maior ação coordenada de
combate à corrupção da história da Advocacia-Geral da União.
Não serão propostas prisões de envolvidos, mas
deles será pedida a suspensão dos direitos políticos, além da apreensão de
bens e o ressarcimento dos valores desviados dos cofres públicos. Para o
procurador-geral, a medida deve representar uma vitória da sociedade.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
3/11/2008
''As provas não são falhas, são ridículas'', diz defesa
"A denúncia é ridícula", reagiu o advogado
Sérgio Salomão Shecaira, que integra o bloco de defensores do
procurador-geral da União, Jefferson Carús Guedes. Para o advogado, "os
elementos probatórios não são falhos, são ridículos."
A denúncia do Ministério Público Federal foi
recebida em 12 de março pelo juiz Luiz Renato Pacheco Chaves de Oliveira, da
4.ª Vara Criminal Federal de São Paulo. O magistrado considerou a existência
de "indícios suficientes da autoria e materialidade delitivas".
O processo contra Guedes e mais oito suspeitos
corre sob segredo de Justiça. O Ministério Público Federal requereu
levantamento do sigilo dos autos, com base no princípio constitucional da
publicidade. O juiz não concordou: "Incabível o pleito, visto que o processo
foi instruído com documentos sigilosos, que, a princípio, não são de
interesse do público em geral, devendo ser preservadas as interceptações
realizadas e as informações fiscais e/ou bancárias dos denunciados."
ANULAÇÃO
A defesa do procurador da União pediu ao
Tribunal Regional Federal (TRF) anulação do feito sob argumento de que a
denúncia foi aceita sem observância do artigo 514 do Código de Processo
Penal (CPP) - norma que garante a funcionários públicos o direito à defesa
preliminar por escrito, antes da decisão judicial para abertura ou não de
processo.
Em liminar, o desembargador Luiz Stefanini
mandou suspender a ação contra o procurador-geral da União. Em sua decisão,
destacou: "Cumpre observar, ainda, que apesar de a denúncia estar instruída
por inquérito policial, não consta tenha o paciente (Guedes) sequer
participado da fase investigatória. Desta feita, considerando o fato de que
a necessidade de apresentação da defesa preliminar pelo servidor público
dá-se não em razão da pessoa, mas sim para a tutela do cargo público que
exerce, tenho como necessária a observância do 514 do CPP, em casos tais."
O interrogatório de Guedes havia sido marcado
para 30 de junho, mas a liminar interrompeu todas as medidas relativas à
instrução processual.
O advogado Sérgio Shecaira é professor titular
de Direito Penal na Universidade de São Paulo e presidente do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Detentor de grande prestígio
na advocacia, Shecaira observa que não pode se manifestar sobre o conteúdo
da ação penal por causa do sigilo imposto pela Justiça. Afirma, no entanto,
que está convencido da inocência de Guedes.
"A acusação é de tal forma lacônica que é de
estarrecer que alguém possa promover uma ação nesses termos", protesta
Shecaira. "Tenho um cuidado excepcional, muito agudo, na escolha e no
patrocínio das minhas causas. Eu não assumiria a defesa (de Guedes) se não
tivesse a certeza da sua idoneidade."
Shecaira disse que "acredita na vitória" de
seu cliente porque espera que a 1.ª Turma do TRF confirme a liminar do
desembargador Stefanini.
O procurador-geral da União não se manifestou
sobre a acusação do Ministério Público.
Em fevereiro, quando foi nomeado, ele falou à
assessoria de imprensa da Advocacia-Geral da União sobre a importância do
seu trabalho. "A assunção a um cargo desta envergadura requer
responsabilidade e a clara noção de preservação das conquistas
institucionais. Além disso, há necessidade de serenidade para a superação
das dificuldades e para as decisões que necessitam ser tomadas. No plano
geral, deve-se lutar pela defesa dos interesses públicos, com a preservação
das prerrogativas da advocacia pública."
Fonte: Estado de S. Paulo, de
3/11/2008
Arcaísmo e insegurança
O CULTO ao anacronismo ainda persiste no
Brasil e dificulta que o país assimile suas próprias inovações. Fomos
pioneiros na informatização das eleições, mas a Justiça ainda cerceia o
livre debate eleitoral na internet. Na esfera penal e na segurança pública,
relíquias do burocratismo também dificultam a modernização.
Na quinta, o Supremo Tribunal Federal impôs um
sério revés ao uso da videoconferência em processos judiciais. Declarou
inconstitucional a lei paulista que instituiu o interrogatório de presos a
distância. A medida reforça outra decisão da corte, que anulara condenação
em cujo processo foi utilizada a teleconferência.
Para o Supremo, questões processuais devem ser
tratadas por lei federal. No ano passado, ministros disseram que o recurso
eletrônico "viola os princípios constitucionais do devido processo legal e
da ampla defesa".
Trata-se de opinião respeitável, mas que
repousa sobre pressupostos questionáveis. Como pode um instrumento neutro,
uma conexão de imagem e som entre dois locais distintos, violar por
princípio o direito à defesa? Por que é necessário criar uma lei específica
para que um juiz se comunique com um preso? Cerceamento de defesa tem de ser
algo concreto -por exemplo, a ameaça de um policial contra o interrogado-, e
não o uso genérico de um recurso eletrônico.
A videoconferência aumenta a eficiência da
Justiça. Evita, ademais, a saída de presos das carceragens e a mobilização
de grande aparato policial para fazer a segurança nos deslocamentos.
Não é admissível que paire veto de princípio à
teleconferência. Uma solução definitiva, de todo modo, passa agora pelo
Senado. Tramita na Casa um projeto de lei de Tasso Jereissati (PSDB) que
introduz expressamente a videoconferência no Código de Processo Penal. É
preciso aprová-lo o quanto antes.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
2/11/2008
Funcionalismo é entrave a tucanos em 2010
A despeito das obras que têm em andamento com
vistas à disputa Presidencial em 2010, os governadores de Minas Gerais,
Aécio Neves, e de São Paulo, José Serra, terão de contornar um problema
comum: a insatisfação do funcionalismo público nos dois Estados.
Em São Paulo, Serra enfrenta há mais de 40
dias uma greve da Polícia Civil. No dia 16 de outubro, manifestação dos
grevistas em frente ao Palácio dos Bandeirantes acabou em confronto entre
policiais civis e militares. Pelo menos 25 ficaram feridos.
Aécio, por sua vez, negocia com os professores
da rede estadual. Em agosto, eles deflagraram uma paralisação de 28 dias,
suspensa porque as tratativas não avançaram.
A categoria, que está em estado de alerta,
reivindica piso salarial nacional, melhoria das condições de ensino e melhor
assistência médica oferecida pelo instituto de previdência.
Em 2007, Aécio também enfrentou uma greve da
Polícia Civil que durou quase 80 dias.
Para compensar os problemas, os tucanos vão
turbinar obras viárias. Até o final de 2009, Aécio planeja ter asfaltado
mais de 189 acessos a municípios. Além de concluir 87% do programa
Pró-acesso, orçado em R$ 1,7 bilhão, que acaba com estradas de terra.
Serra promete investir R$ 8 bilhões nas
rodovias paulistas, obra com grande poder de atração de prefeitos e
deputados. Dos 12 mil quilômetros de vicinais que serão recuperados, 2.100
já estão prontos. O governo de São Paulo também tem entre suas metas a
ampliação do ensino médio e profissionalizante -expandir de 93 mil para 177
mil o número de vagas nas Escolas Técnicas.
Costura
Aliados de Aécio apostam num envolvimento
maior do governador dentro do PSDB para viabilizar as prévias que escolherá
o candidato da sigla ao Palácio do Planalto. Também acreditam que ele
reforçará sua condição de oposição ao atual governo federal.
Enquanto tenta se credenciar como o grande
construtor de pontes políticas, Aécio enfrenta desafios em Minas.
Um dos maiores é eliminar os gargalos nas
cadeias públicas sob controle da Polícia Civil no Estado. No interior, o
governo convive com quadros de superlotação e situação precária nos
presídios e carceragens, onde estão cerca de 15 mil presos sob custódia de
policiais.
Os homicídios dolosos em Minas estão na marca
de 14,3 para cada 100 mil habitantes, segundo o Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Nesse quesito, Serra espera levar vantagem, já que o
número de homicídios em São Paulo está em queda -de 71.5% em relação a 1999;
10,3 para cada 100 mil/ habitantes conforme o Estado; ou 11,7 conforme o
Fórum Brasileiro, cujos dados são de 2007.
A área, no entanto, é um ponto sensível ao
PSDB paulista.
No âmbito político, um dos principais trunfos
de Aécio é a capacidade de diálogo. Ele próprio já sinalizou que será o
responsável pela aproximação com o PMDB, para atrair para o lado tucano a
"noiva" de 2010.
Serra está próximo do ex-governador Orestes
Quércia e do deputado federal Michel Temer, os principais peemedebistas de
São Paulo.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
2/11/2008
Leilão em SP cria 61 pedágios e eleva custo
As concessionárias vencedoras do leilão de
rodovias paulistas, comemorado pelo governador José Serra (o Estado receberá
R$ 3,4 bilhões nos próximos 18 meses), vão criar 61 novas praças de pedágio
em São Paulo e elevar o custo para os usuários que transitam pela malha.
A Folha obteve com exclusividade acesso aos
valores dos novos pedágios calculados pela Artesp (agência reguladora de
transporte do Estado).
Ao contrário do que sugeriam os deságios de
até 55% obtidos nos leilões da última quarta-feira, o custo da tarifa subirá
em quase todas as rodovias licitadas, alcançando reajuste superior a 400% em
um dos casos, o trecho leste da Marechal Rondon. A exceção ficou para o
corredor Ayrton Senna/Carvalho Pinto, cujo valor de uma viagem de ida e
volta baixará dos atuais R$ 27 para R$ 13. A razão para isso foi a decisão
do grupo gaúcho Triunfo, vencedor da licitação, de tentar tirar parte do
tráfego da rodovia Presidente Dutra.
A maior elevação de custo será sentida pelos
usuários do trecho leste da Marechal Rondon, que interliga as cidades de
Laranjal Paulista e Bauru, no centro do Estado. O valor da tarifa em viagens
de ida e volta nesse trecho passará de R$ 7,20 para R$ 37,60, um aumento de
422,2%, de acordo com dados da agência reguladora. O número de pedágios
passará de um para dez.
O consórcio Brasinfra, formado pelas empresas
Cibe, Ascendi e Leão & Leão, venceu o leilão do trecho com a oferta para
tarifa quilométrica de R$ 0,093774, deságio de 13,09% sobre o preço teto de
R$ 0,107910 fixado no edital. Esse foi o preço geral do leilão, não o valor
do custo por quilômetro do próprio trecho arrendado. Segundo o secretário
dos Transportes, Mauro Arce, o preço por quilômetro do trecho estava
defasado em todas as rodovias. Se fosse usado, não existiria deságio no
leilão.
No corredor da Raposo Tavares (que liga as
cidades de Bauru, Ourinhos e Presidente Epitácio), em que o número de
pedágios será multiplicado por cinco (de dois para dez), o custo de uma
viagem de ida e volta será inflacionado em 376,1%.
Para rodar os 457,4 quilômetros de ida e
volta, o valor passará de R$ 9,20 para R$ 43,80 por eixo. Um caminhão com
até nove eixos que tenha de cruzar todo o trajeto pagará R$ 394,20.
Atualmente essa viagem para um caminhão com as mesmas características sai
por R$ 82,80.
Segundo dados da Artesp, o trecho oeste da
Marechal Rondon passará a ter 16 praças de pedágio, número quatro vezes
maior do que o atual. O preço, como nos demais trechos, vai subir. Com a
assinatura do contrato de concessão com o consórcio BR Vias SP, o valor será
de R$ 24,50. Esse valor é ligeiramente menor do que o atual, R$ 26,50. Mas,
com o cumprimento do programa inicial de investimento, a BR Vias poderá
instalar mais 12 praças de pedágio no corredor.
Ao cruzar todo o trecho oeste da rodovia
Marechal Rondon, o custo com pedágios passará a ser de R$ 50,40, aumento de
105,71% em relação ao preço pós-assinatura de contrato.
O relatório da agência reguladora mostra ainda
que para o trecho da D. Pedro, que liga Campinas ao município de Jacareí, a
elevação de custo para os usuários será de 77,90%. A tarifa sairá dos atuais
R$ 17,20 para R$ 30,60, isso devido à construção de novas praças de pedágio.
Hoje, são duas. Em seis meses, serão seis.
Pedágios
Em todos esses casos, a cobrança de mais
pedágio pelos novos concessionários deixa de ser feita num sentido só da
rodovia. Todas as praças serão espelhadas, com cobrança no trecho de ida e
de volta. Por isso, os cinco lotes concedidos terão no total 74 pedágios até
meados de 2009 -13 já existem hoje.
Vale ressaltar que esse número global inclui
não só os pedágios dos cinco corredores principais (Dom Pedro 1º, Ayrton
Senna/Carvalho Pinto, Raposo Tavares e trechos oeste e leste da Marechal
Rondon), mas novas praças em rodovias que trazem fluxos para as estradas
principais. Nessas, praticamente não existiam pedágios.
A instalação de novos pontos de cobrança deve
ocorrer seis meses depois de assinados os contratos de concessão, o que está
previsto para acontecer em dezembro, segundo o secretário dos Transportes de
São Paulo. Antes, as concessionárias terão de cumprir um programa inicial de
investimento. A agência reguladora será a responsável por checar o
cumprimento das metas iniciais e autorizar a cobrança nas praças.
Alguns grupos que participaram do leilão se
queixaram da decisão de mantê-lo no auge da crise. Isso pode se refletir
agora no preço do pedágio. "Para um leilão no auge da crise, o resultado
para o governo foi excepcional. Terá R$ 3,4 bilhões. Houve até uma
competição razoável, mas ninguém poderia esperar 40 grupos competindo",
disse Geraldo Villin Prado, diretor da Odebrecht Investimentos em
Infra-estrutura.
Fonte: Folha de S. Paulo, de
2/11/2008
Para polícia, máfia até montava editais de licitações que fraudava
Mais do que burlar pregões eletrônicos, a
máfia dos parasitas conseguia determinar as regras das licitações, segundo a
Polícia Civil de São Paulo. O que era uma suspeita dos investigadores até o
início da semana passada se transformou em forte indício depois que minutas
foram apreendidas num dos 23 endereços vasculhados pela força-tarefa
composta por policiais, auditores da Secretaria de Estado da Fazenda e
promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).
Deflagrada na quinta-feira, após 11 meses de
investigação, a Operação Parasitas levou para a prisão cinco empresários
suspeitos de faturar R$ 100 milhões com fraudes nos últimos dois anos. A
suposta organização criminosa seria dividida em duas células - uma tinha
influência sobre contratos firmados com hospitais públicos da capital e da
Grande São Paulo e outra atuava sobre prefeituras do interior de São Paulo,
Rio, Minas Gerais e Goiás.
Em Resende (RJ), os investigadores apontam
fraude em uma licitação vencida pela empresa Velox Produtos de Saúde e
Gestão Hospitalar Ltda. Como a contratação da Home Care Medical era
criticada por parte da oposição à administração do prefeito Silvio de
Carvalho (PMDB), a solução encontrada foi fazer da Velox a vencedora.
Detalhe: a Velox é administrada, segundo a polícia, pelos mesmos sócios da
Home Care - Marcos Agostinho Paioli Cardoso e Renato Pereira Júnior, presos
na semana passada.
"A Home Care não tem nenhum contrato com a
Prefeitura de Resende, nunca enviou um tostão para o exterior. Trata-se de
empresa idônea, que tem seus contratos aprovados pelo Tribunal de Contas",
disse o advogado César Guimarães. Ele voltou a dizer que a defesa ainda não
teve acesso aos autos. A Prefeitura de Resende se limitou a admitir que
mantém contratos com algumas das empresas investigadas.
A estratégia de usar múltiplas empresas
permitia que os controladores apresentassem, nas licitações, preços acima
dos praticados no mercado, uma vez que concorriam entre elas próprias.
Durante a apuração, a polícia notou
"disponibilidade da Home Care em oferecer favores e gentilezas para os
representantes do Executivo e do Legislativo". As escutas mostram candidatos
a prefeito "solicitando apoio financeiro para suas campanhas" e até mesmo o
uso de helicóptero para deslocamentos de políticos, tanto a trabalho quanto
para lazer.
Pelo menos um prefeito foi flagrado
encontrando-se com um dos empresários presos. Trata-se de Herculano Castilho
Passos Júnior (PV), que governava Itu e foi reeleito com 85% dos votos. O
encontro foi filmado pela polícia, que não sabia de quem se tratava. Só mais
tarde foi percebido que o interlocutor de Pereira Júnior não era um simples
funcionário público. As escutas telefônicas captaram um diálogo no qual os
dois comentavam que não iriam para o almoço em seus carros.
Em nota, o prefeito de Itu negou ter tido ao
encontro. Informou ainda que o contrato com a Home Care Medical foi
celebrado há três anos, após um processo de concorrência pública e com o
aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Em 2006, a Polícia Federal tinha apreendido,
durante a Operação Vampiro, ambulâncias que eram destinadas pela máfia das
sanguessugas à Prefeitura de Itu. Em 2007 a administração municipal
conseguiu, na Justiça, ser declarada "fiel depositária" das ambulâncias
apreendidas - oito veículos Fiat Dobló e um Peugeot.
Outro caso que demonstra a promiscuidade com o
Poder Público, segundo os investigadores, ocorreu em Peruíbe (SP), cuja
prefeitura é administrada pelo PMDB. Em um telefonema feito às 22h15 de 5 de
agosto deste ano, o empresário Dirceu Gonçalves Ferreira Junior, um dos
sócios das empresas Vida?s Med e Biodinâmica conversa com um homem
identificado como Edinho. Este diz que vai entregar no dia seguinte ao
empresário a lista de medicamentos. "Tem tudo que precisa lá de Peruíbe,
para você montar o edital", avisa. "Ótimo", comemora o empresário. Edinho
conta que está na Assembléia Legislativa. Dirceu diz que vai "fornecer a
receita do médico". Os dois conversam sobre a tomada de preços e chegam a
dizer: "Nós fazemos do nosso jeito."
A reportagem não conseguiu contato com a
Prefeitura de Peruíbe na noite de sexta-feira nem na manhã de ontem.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
2/11/2008
Assembléia pode votar reajuste esta semana
Na noite de sexta-feira, o governador José
Serra (PSDB) enviou cinco mensagens à Assembléia Legislativa de São Paulo
solicitando urgência na votação dos cinco projetos de lei que que garantem,
entre outros benefícios, dois reajustes à Polícia Civil, de 6,5%, a partir
de 1.° de janeiro - diferentemente do que defende a categoria, que pede
reajuste salarial de 15% este ano e mais dois aumentos de 12% até 2010.
Com a publicação do requerimento de Serra no
Diário Oficial, o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Vaz de
Lima, diz que o pacote pode ser votado ainda esta semana. "Com a vinda da
urgência do governador, vou avaliar cada processo neste fim de semana e na
segunda-feira decidirei se vamos avaliar comissão por comissão ou se vamos
reunir as três comissões em uma única votação. Se fizermos um grande acordo,
a votação será mais rápida e poderemos definir tudo nesta semana."
Ontem, em entrevista ao Estado, o secretário
de Segurança Pública, Ronaldo Marzagão, destacou que o próximo passo para
acabar com a paralisação dos policiais civis, que já dura 48 dias, seria dos
deputados estaduais. Em sua primeira intervenção desde o início da greve,
Marzagão ainda atribuiu o movimento às trocas de chefia feitas na
corporação, que teriam criado insatisfações. Os grevistas negam.
PROTESTO NAS RUAS
Após os representantes do governo não
comparecem à audiência pública feita na Assembléia para discutir os projetos
do Executivo, na quinta-feira, os líderes da greve decidiram seguir, a
partir desta semana, os passos do governador e dos deputados da base aliada,
com o objetivo de pressioná-los. Manifestações em São Paulo também deverão
ser intensificadas, de acordo com diretrizes que serão estabelecidas em uma
reunião marcada para amanhã.
Fonte: Estado de S. Paulo, de
2/11/2008 |